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Terroristas em Cabo Delgado “querem tomar o gás para custear a sua luta no mundo”

Em entrevista à Stv, o diplomata e antigo dirigente do ex-ISRI [actualmente Universidade Joaquim Chissano], Agostinho Zacarias, disse ter em conta a “hipótese de tentativa de criação de um Estado Islâmico” em Cabo Delgado, pelos terroristas que semeiam terror naquele ponto do país desde Outubro de 2017. O grupo pretende “dizer que o sistema que temos internamente é corrupto” a solução passa pela instituição de um “Estado Islâmico, mesmo que seja à força”. Agostinho Zacarias sugere que se procure entender melhor esse fenómeno e haja “coragem de trocar inteligência com países” como Tanzânia, Comores, Madagáscar e África do Sul.

 

Doutor Agostinho Zacarias, Moçambique tem 45 anos de independência. Ao longo desses anos estabeleceu relações com vários países e aderiu a várias organizações. Como é que analisa as relações diplomáticas que construiu ao longo desses 45 anos de independência?

Acho que as nossas relações com os outros países são boas. Nós tivemos a bênção ou a sorte de termos, logo no início, do Doutor Eduardo Mondlane. Tínhamos pessoas como Marcelino dos Santos e Joaquim Chissano. Mondlane tinha experiência de ter trabalhado nas Nações Unidas, Marcelino dos Santos uma larga experiência com vários nacionalistas. O Presidente Joaquim Chissano, primeiro foi líder de estudantes e mais tarde também esteve nas relações internacionais. Todos esses líderes conheciam o valor das relações internacionais para os objectivos que estávamos a prosseguir naquela altura. Então, herdamos isso como experiência. O Presidente Joaquim Chissano foi o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros da nossa República e criou uma estrutura básica que conseguiu prosseguir com as relações internacionais diversas. Temos boas relações, somos conhecidos em quase todo o mundo. Até agora somos membros de várias organizações internacionais e temos 130 embaixadas em diversas partes do mundo.

 

A mais antiga organização de que Moçambique faz parte, que é a OUA, Organização da Unidade Africana, agora União Africana, ao longo destes 45 anos de independência como é que foi útil para Moçambique?

A organização foi útil para a libertação do país. O movimento de libertação de Moçambique beneficiou da ajuda do Comité de Libertação. Portanto, as razões pelas quais o povo moçambicano estava em luta contra o colonialismo português foram evidenciadas também através desta organização. E vários diplomatas, em muitos fóruns, conheceram Moçambique, conheceram as aspirações do povo moçambicano, através da OUA.

 

Isso antes da independência…

Sim, isso antes da independência. Antes da independência, Moçambique tornou-se membro, acho que numa das cimeiras que teve lugar aqui, na antiga Sociedade de Estudos, que agora é Colégio Nyamunda. Entretanto, a OUA jogou um papel importante para a consolidação da nossa independência. Nós nunca estivemos numa paz total, tínhamos a continuidade do colonialismo na nossa vizinhança, Namíbia não estava livre, África do Sul ainda estava ocupada pelo Apartheid, o Zimbabwe não estava livre. Então, durante esses anos todos, a OUA jogou um papel importante como a plataforma que ajudava a espelhar ao mundo o que eram as aspirações do povo moçambicano, tanto dentro do seu próprio país, assim como no mundo.

 

Passadas mais de cinco décadas da criação desta organização, sente que esta unidade é efectiva? Moçambique sente-se unido aos outros países membros da União Africana?

Um dos objectivos da OUA era acabar com o colonialismo no continente e toda a África uniu-se para o cumprimento desse objectivo. O outro objectivo da OUA era consolidar as independências e criar condições para o desenvolvimento dos países africanos. Tratava-se de uma luta constante, porque isso dependia de vário factores. Neste momento, existe esse espírito de unidade na luta pelo desenvolvimento dos povos. Os países podem variar na maneira de como fazem para atingir esse desenvolvimento, mas essa unidade de pensamento existe.

 

Esta unidade do continente e a luta pela soberania foi muito evidente aquando da luta pelas independências de vários países, mas o pós-independência ela continua tão forte quanto foi nos primeiros anos da criação desta organização?

As coisas evoluem de acordo com as realidades no terreno. Uns escolheram certas políticas para desenvolverem, outros escolheram outras. Portanto, há uma variação nas orientações, nas políticas que são seguidas em cada um desses países para se atingir esses níveis de desenvolvimento. Há diferenças, por isso, uns são mais pobres, outros são mais ricos. Uns têm mais recursos, outros têm menos recursos, para dizer que, os países não podem estar ao mesmo ritmo de desenvolvimento. Por exemplo, um dos grandes desafios que os nossos países atravessam é a questão do know how, da tecnologia, mas também de gente capaz. Em Moçambique, na altura, muito pouca gente tinha o nível universitário. O colonialismo português tinha a particularidade de não deixar os moçambicanos de cor preta desenvolverem. Não tínhamos engenheiros, não tínhamos geólogos, não percebíamos como funcionavam as fábricas, os negócios, etc. E tudo isso é muito importante para o desenvolvimento de um país. Praticamente começou-se do zero, não há outras palavras, começou-se do zero. Então, os desafios são enormes para quem começa do zero, e é por isso que estamos de certa medida a lutar, cada um faz omolete com os ovos que tem e nós fizemos a nossa omolete, pode ser boa, pode ser má, depende da avaliação de cada um.

 

A OUA não conseguiu evitar inúmeros conflitos no continente, nem promover de forma efectiva o almejado desenvolvimento. Olhando para Moçambique, viveu 16 anos de um conflito armado e mesmo após os Acordos de Paz teve vários momentos de instabilidade político-militar, que prevalecem até hoje. Hoje em dia temos o fenómeno do terrorismo em Cabo Delgado. Até que ponto a OUA, agora União Africana, está a fazer seu melhor em prol da paz no nosso país?

Nunca foi objectivo da OUA evitar que houvesse conflitos internos. O papel da OUA era de ser uma plataforma de concertação, primeiro para acabar com o colonialismo no continente e segundo para oferecer uma base para o desenvolvimento desses países. Quando a situação foi evoluíndo, viu-se que os desafios que os povos enfrentavam eram diferentes, todos nós aprendemos com a prática, por isso, foi se incorporando no mandato da OUA, algumas funções que não tinham sido previstas no início. A UA não pode ir a qualquer país, nem está nos seus estatutos, que vá e diga que chegamos aqui para resolver os vossos problemas. O Governo, o legítimo representante desse país é que deve solicitar a sua intervenção. O governo é que deve dizer que precisa de ajuda nesta ou naquela área.

Se a União Africana, ou outra organização internacional estiverem em condições, vão prestar tal apoio. Mas muitas vezes, como se vê na prática, as capacidades dessas organizações são limitadas. A União Africana não é um país que tem um exército, que pode por exemplo, ir a Cabo Delgado e combater terroristas. E  nem deve ter iniciativa de tentar resolver um conflito que não compreende. Quanto a esse fenómeno, nós como país temos várias interpretações, não espero que seja uma pessoa que venha de fora e que pouco conhece a nossa realidade, que possa chegar e arranjar soluções.

 

Ainda que a UA não tenha um exército ela tem um Conselho de Segurança, um órgão de que o país faz parte. O facto de Moçambique fazer parte deste órgão e a UA ter como lema para 2020 silenciar as armas, não é uma combinação de factores que podem alimentar a nossa esperança sobre um possível apoio neste conflito de Cabo Delgado?

Os países não fazem parte de uma organização internacional para se privilegiarem a si próprios. É para cumprirem o mandato e os objectivos da organização. O facto de Moçambique fazer parte não significa que todas as decisões que forem tomadas por voto ou por unanimidade têm que favorecer a Moçambique.

 

Mas esta voz, esta presença de Moçambique neste órgão não dá mais possibilidade de expôr a preocupação que o país tem?

Este órgão tem a sua agenda, que é a agenda de todos os membros. O representante de Moçambique no Conselho de Paz e Segurança pode dialogar com os seus colegas, mas não significa que vai impôr a agenda de Moçambique nesse órgão. Por outro lado, é difícil colocar essa questão num órgão como aquele. Muitos países não gostam de estar na agenda do Conselho de Segurança das Nações Unidas ou no Conselho de Paz e Segurança da União Africana porque tem as suas desvantagens. Uma delas é que não te tratam como um país normal, isso pode afugentar os investidores porque és visto como um país que não consegue resolver os seus problemas internos.

De certa maneira, Moçambique daria parte da sua soberania àquele órgão e faria isso sem garantia de que o Conselho de Segurança poderia resolver o conflito, porque muitas vezes não há capacidade. Esta questão de Cabo Delgado passa por uma discussão interna, da cooperação com os países da SADC, isto é, os nossos países vizinhos para ver o que se pode fazer.

 

Qual é a sua teoria sobre o terrorismo em Cabo Delgado?

Não estive em Cabo Delgado, recentemente. Acompanho o que vejo na imprensa. Já vi várias entrevistas e recentemente acompanhei a do general Jacinto Veloso. Ouvi atentamente a explicação que ele deu. Ele explicou que esta situação vem de indivíduos que não querem que nós desenvolvamos. Julgo que o general Jacinto Veloso já foi ministro da segurança e tem contactos a nível internacional e pode ter informações privilegiadas. Mas eu não poderia deixar de deixar de lado a hipótese de tentativa de criação de um Estado Islâmico. A sua base é de dizer que o sistema que temos internamente é corrupto, sendo que a solução para eles passa por criar um Estado Islâmico, mesmo que seja à força. O que penso que deveríamos fazer melhor é tentar entender esse fenómeno. Quando se olha para as experiências da Síria e do Iraque, onde o Estado Islâmico organizou-se de uma maneira muito forte, vê-se que no seu auge tinha cerca de 100 mil combatentes nos dois países, isso em 2014. E desse número, cerca de 31 mil vinham de países de quase todo o mundo e sairam dos seus paíeses e foram fazer parte do exército. Para dizer que as ligações externas sempre existiram nesse movimento. São pessoas que têm dinheiro. Outro elemento é quando este grupo actuou na Síria e no Iraque privilegiou a tomada dos poços de petróleo precisamente para avançar com os objectivos da formação do Estado Islâmico. Não estou a dizer que a teoria que o general Jacinto Veloso apresentou é falsa, mas acho que também temos que considerar que é dos poços de petróleo que eles pensam que podem  vançar nas suas ambições. É possível que os líderes do Estado Islâmico estejam a estender a sua rede para conseguirem chegar a todo o continente porque sabem que é frágil e não tem como se defender. Nota-se a sua presença no Sahel, Norte de África, na Nigéria, através do Boko Haram, no Chad, no Corno de África também se fazem presentes e a única região do continente que estava livre era a região Autral.

 

A descoberta do gás em Cabo Delgado pode ter um peso relevante na atracção deste grupo?

Não só, a exploração das pedras preciosas e outros minérios. Eles estão preocupados em tomar o gás para que sirva para custear as despesas da sua luta em quase todo o mundo.

 

Moçambique ainda tem possibilidades de travar este grupo, olhando para o seu nível de penetração no nosso território?

Este grupo foi travado na Síria, na Argélia em vários cantos do mundo. Nós temos que investir em estratégias correctas e na discussão correcta. E uma das discussões tem que haver com alguns países vizinhos como a Tanzânia, Comores, Madagáscar e África do Sul. Temos que ter a coragem de trocar inteligência com esses países.

 

Isso quer dizer que a SADC pode desempenhar um papel relevante…

De facto, esta organização tem um papel relevante, mesmo sem ter um exército militar. O terrorismo tem que ser combatido, mas há várias formas de se combater este mal. Uma delas é de promover o desenvolvimento, dando esperança aos jovens que habitam naquela região. Adopção de programas de desenvolvimento em conjunto com os países vizinhos.

 

Atendendo que os programas de desenvolvimento levam o seu tempo para surtir efeitos. De forma pragmática, o que pode ser feito hoje, como por exemplo a Tanzânia pode ajudar Moçambique?

Os programas devem ser um a nível de troca de informação com os países que enumerei porque a experiência demonstra é que o grupo usa o mar para entrar em Cabo Delgado, portanto, o mar não começa e acaba em Moçambique e há comunicações constantes, eles utilizam celulares, e essas comunicações têm que ser ouvidas, para se entender e saber quem são os cabeças, quem está em frente. Eu sento que estamos a combater um inimigo sem cara, temos que saber qual é a cara, sem cara é muito difícil, só vemos acções de destruição, por isso temos que saber qual é a estratégia de luta para seguir em frente, senão percebermos isso, vai ser difícil. Acho que alguns países vizinhos podem ajudar a compreender o que se está a passar, quem está em frente e daí esboçarmos as estratégias para podermos combater esse inimigo.

 

Até porque Moçambique pode não ser o destino final, mas podem existir intenções, também um pouco por outros países da região….

Olha, quando o leão está ali a morrer, há muitos abutres à sua volta, também as hienas aparecem e comem o que podem comer, então quando há um bem-estar fragilizado, todos os malfeitores hão-de tentar entrar naquele espaço e fazerem das suas. O problema é: como é que evitamos…

 

Voltando para o ponto de programas de desenvolvimento para as regiões afectadas. Considerando que estes programas não têm resultados imediatos, o que se pode fazer ou equacionar como alternativas que possam trazer resultados imediatos?

Há programas que podem ter efeitos imediatos, dando emprego rapidamente. Penso que a ajuda humanitária é necessária para aliviar o estado de urgência em que se encontram as populações. Existem experiências de alguns programas que avançaram noutros países, que podem surtir efeito em meses e podem dar ocupação a alguns jovens que se sentem desorientados, isso é possível. Mas aquelas pessoas que têm armas, que combatem e que matam, acho que a estratégia tem que ser diferente. Tem que se procurar proteger as pessoas que estão a sofrer as consequências desses ataques. As Nações Unidas têm um programa de recuperação e alguns países implementaram. Lembro-me da Guatemala e a parte do sul do México, mesmo em África há vários exemplos de alguns programas que podem ser enquadrados e ainda bem que se criou a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte, que é um caminho certo.

 

Olhando agora para aCommonwealth, também é uma das organizações mais antigas no mundo, e que Moçambique é membro desde 1995. Esta organização defende a manutenção da paz, este valor e princípio é suficiente para que possamos contar com algum apoio para Moçambique neste capítulo do terrorismo em Cabo Delgado?

Sim, todos aqueles que tiverem coisas positivas para dar, são bem-vindos. Penso eu que o Governo já disse isso e julgo que a Commonwealth também tem uma contribuição a fazer, mas é mais no campo do treino, no campo de capacitação das pessoas que estão na linha de frente. Primeiro para entender melhor o tipo de conflito e como lidar com ele, segundo para delinear as melhores estratégias, as melhores tecnologias para se combater os insurgentes e terceiro ponto ponto discutir os tais programas que possam dar esperança aos jovens de que a paz é sempre melhor do que o conflito. A Commonwealth é capaz de fazer, mas não podemos esperar que a Commonwealth possa lá ir e combater por nós.

 

Agostinho Zacarias lançou uma obra há cerca de 20 anos, sobre segurança na África Austral. Olhando para este ambiente que Moçambique vive, e os desafios que outros países têm em matéria de segurança. Como é que olha para esta matéria na actualidade?

A segurança sempre merece atenção…a abordagem que tive na obra foi mais de segurança internacional, discutir a segurança no contexto internacional, especificamente na África Austral. Então, havia países como a África do Sul, que tinha um potencial enorme, uma indústria armamentista e uma política quase de agressão a quem não concordasse com as políticas do Apartheid, uma maneira de os países vizinhos aceitarem o regime. Mas perspectivava-se que o Apartheid ia acabar, o que era necessário era criar um sistema de consulta, um sistema de cooperação, um sistema de análise constante, para sabermos para onde íamos.

 

O que é fundamental para se garantir a segurança das nações?

No livro  tive como base que devia haver uma confluência e um equilíbrio entre a ordem, a justiça e a paz. Não defino a paz aí como a ausência de guerra, mas a paz como uma condição mínima onde a cooperação seja possível, isto é, duas pessoas que podem fazer uma coisa juntas, não fazem num ambiente de guerra. Se são três pessoas numa pequena comunidade, tem que haver essa base de cooperação, não significava necessariamente o fim de uma guerra, mas é preciso se criar condições para uma base de cooperação, a isso eu chamo paz.

Então, se os sistemas fossem de multiplicar esses espaços, era muito fácil criar tudo que fosse necessário para que as pessoas se sentissem seguras.

 

20 anos depois, acha que a África Austral está segura?

20 anos depois, a África Austral tem novos desafios, mas cada geração tem a obrigação de resolver de uma maneira adequada os seus desafios. No passado, os nossos mais velhos tinham o grande desafio de combater o colonialismo. No presente é o desenvolvimento económico que deve ser atingido, é o extremismo político, a radicalização que devem ser resolvidos.

Não podemos nos sentir seguros, sem que haja condições para nos desenvolvermos. Temos o desafio de melhorar os nossos sistemas para que possamos chegar a um nível de desenvolvimento que nós queremos, para evitarmos situações em que há um extremismo e uma radicalização política, para que possamos nos tornar numa sociedade que todos nós concordamos que deve ser democrática. Que os valores que nos guiam possam ser a paz, a cooperação, convivência nacional e harmoniosa. Então, esse é o desafio que temos, já não é o colonialismo português.

 

Outra organização de que somos membros é a CPLP. Com esta organização temos uma cooperação internacional para o desenvolvimento. Como é que os países africanos de expressão portuguesa podem apoiar Moçambique?

Na África lusófona acho que temos muito que aprender de Angola, no que diz respeito a gestão do petróleo e do gás e como eles lidam com os diamantes também. Há tanto tempo que exploram esses recursos e nós só agora é que estamos a começar.

O que acontece com os países africanos de expressão portuguesa é que estão distantes e outros não têm muitos recursos. Exemplo, São Tomé dependia muito dos recursos que vinham de Angola, Guiné-Bissau é um país que não tem muitos recursos, Cabo Verde tem um nível de desenvolvimento mais rápido que muitos de nós aqui. Talvez a solução passe por ter-se alguns programas, na área administrativa e na área de formação de quadros.  Se calhar deveria optar em troca de experiências, porque são países que não têm muitos recursos, mas têm um grande valor cultural e lidam com um sistema que foi herdado.

 

Olhando para Angola, por exemplo, que é dos países que tem maior proximidade geográfica com Moçambique. Até que ponto esta aproximação pode ser benéfica?

É possível melhorar o nível de cooperação. No passado, talvez houvesse mais contactos do que agora, mas eu mencionei, por exemplo, a experiência na área dos diamantes, mas também na área do gás. Tivemos a mesma herança, criação de movimentos de libertação, guerras civis e ainda não há registo de movimentos terroristas em Angola, mas tem uma experiência combativa, uma experiência militar que pode ser passada pelos angolanos. Eles  treinaram com outros países no campo da polícia, no campo do exército, se calhar se nós precisarmos disso, mas quem sabe são os dirigentes. Portanto, tudo se resolve falando, se não há uma conversa, não há manifestação de necessidade. O outro país não pode aparecer e dizer, se quiserem posso fazer isto para si, então tem que haver uma iniciativa e uma consciência de que necessitamos dessa ajuda.

 

Nas relações diplomáticas entre Moçambique e outros países, ao longo destes 45 anos de independência, é incontornável falar da China e dos Estados Unidos. Como é que África e Moçambique, em particular, podem posicionar-se em relação aos interesses dessas grandes potências?

Os Estados Unidos acho que dão, em média, uma ajuda a Moçambique de cerca de 500 milhões, por ano, e acho que agora com a segunda parte do Millennium Challenge Account, Moçambique vai receber mais ajuda. Acho que por ano existe uma disponibilidade de 8.2 biliões de dólares para os países africanos provenientes dos EUA. O Millennium Challenge Account é como se fosse um prémio aos países que promovem reformas na área de governação e criação de mercado livre. Os Estados Unidos também têm dado muito dinheiro para a área de combate ao HIV/SIDA, através do PEPFAR, que foi começado pelo Presidente Bush, que acho que até hoje continua. Portanto, no cômputo geral acho que existe uma boa relação entre Moçambique e os Estados Unidos. O que Moçambique precisa de definir com maior precisão é a questão de interesse nacional, o que é o interesse nacional e organizar as relações internacionais à volta desse interesse nacional.

No passado, sabíamos de cor e salteado, como se diz em bom português, que o nosso objectivo principal era a libertação nacional, depois passou a ser o desenvolvimento do país e a luta pela paz. Então, eram objectivos muito claros, talvez tenhamos que fazer um esforço grande, porque esses objectivos, quando foi da luta pela paz conseguiu-se mobilizar uma série de actores. As instituições de formação, o ISRI jogou um papel importante nos vários debates.

 

Na sua opinião, o que seria o interesse nacional, hoje?

Não é uma coisa que se pode definir com palavra e não é uma coisa que é definida por uma pessoa, mas um dos objectivos seria a consolidação da paz, isso é um interesse nacional e outra aspiração é o desenvolvimento económico.

 

Em 1990, publicou um livro “Repensando estratégias sobre Moçambique e África Austral”. Nessa altura, Moçambique procurava adaptar-se a uma nova conjuntura internacional, depois de assumir deixar o socialismo e emigrar para o capitalismo, que poderia ser uma porta que se abria para novas oportunidades. Se editasse a obra hoje, o que acrescentaria a esta obra, olhando para a conjuntura actual?

Há uma pequena anotação aí, não se tratava de deixar o socialismo para abraçar o capitalismo. Moçambique sempre disse que não era alinhado. Não éramos nem socialistas, nem marxistas, nós éramos por Moçambique e a política externa de Moçambique nunca foi para capitalismo, foi sempre para Moçambique, para salvaguardar a posição de Moçambique. Esse interesse continua a ser o mesmo, o que é preciso saber o que é importante para nós. Para saber o que é importante para nós, temos que ter um espaço aberto para nos concertarmos internamente, seja na sociedade civil, seja na oposição, seja na igreja. Tem que ter um espaço para se exprimir o que é este Moçambique, o que nós somos, o que nos une, o que queremos projectar lá fora porque nós não podemos projectar uma coisa que alguém vai internamente destruir, não é isto que nós queremos. Então, tem que haver esses espaços de concertação e acho que é importante salvaguardar o interesse nacional

 

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