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Sonhar a Humanidade

Cada pessoa nasce com uma predisposição para cuidar de si própria, construir uma consciência da sua condição humana, desenvolver mecanismos de auto-afirmação e auto-defesa e exprimir a sua continuidade através da reprodução e transferência de conhecimentos.

Na interacção com os mais próximos, acumula o seu capital social primário, a nível familiar ou através dos vínculos de amizade e vizinhança. Esses laços são muitas vezes sustentados pelo pragmatismo da partilha de objectivos imediatos, sacrifícios, recursos e interesses, mas sempre na perspectiva de grupos restritos e coesos.

Há os que transcendem estas fronteiras dominadas por laços de sangue e cumplicidade para abraçar relações e causas mais abrangentes, e por isso mais complexas, a nível comunitário. Na generalidade dos casos, dedicam-se a projectos sociais, económicos, ambientais ou culturais que beneficiam preferencialmente a comunidade.

Mas há também os que encaram visões mais transcendentais, a nível nacional ou internacional. Constroem laços de empatia e cumplicidade, que são cimentados por uma consciência sublime da importância da comunhão alargada de esforços entre seres humanos, da partilha em largo espectro de um propósito para essa condição e missão privilegiadas, e da convivência sã baseada em valores.

Apropriam-se de uma maneira peculiar das dores alheias e colectivas. Sentem fervilhar dentro de si turbilhões de motivações, vontades, energias, coragem e determinação para se dedicarem a uma visão partilhada e altruísta.

São pessoas que sonham a humanidade. Por isso, a devida vénia deve-lhes ser prestada. Não apenas por representarem casos raros, mas também por serem fundamentais para fazer girar a roda do progresso nos variados campos da organização política, social, científica, cultural, artística, religiosa e ambiental.

Qualquer nação que queira desenvolver-se deve ter a capacidade de gerar pessoas com tal mentalidade. Que demonstrem uma fé extraordinária na humanidade e nas pessoas, que acreditem no poder das ideias e ideologias, que partilhem as oportunidades e possibilidades que a vida oferece, que condimentem a vida com o tempero das emoções naturalmente humanas, e que equacionem a vida como um equilíbrio entre direitos e deveres.

Fé nas pessoas

A sua determinação em fazer coisas extraordinárias que beneficiem a generalidade de pessoas, e não simplesmente a si próprias, exige sacrifícios e muita fé na humanidade. É uma postura que se distingue e se eleva, porque não concebe o ser humano apenas com base nos elementos biológicos e materiais. Rejeita que a vida se resuma aos sinais vitais, posses, números e cifrões (capitais, trocas, preços, lucros, etc.).

Para essas pessoas, a condição humana impõe um propósito individual e colectivo, que transcende as necessidades circundantes e imediatas, e projecta-se no espaço e no tempo. Busca o encanto, a magia e a poesia de ser gente, numa harmonia que não segue uma fórmula aritmética, porque se exprime na diversidade, em múltiplos tons e tonalidades (que se harmonizam ou se desarmonizam em função de contextos, realidades e aspirações).

Essas interacções resultam em situações positivas ou negativas que influenciam o desenvolvimento das comunidades, países ou da humanidade como um todo, fazendo-os progredir, estagnar ou regredir em função de factores económicos, sociais, ambientais e culturais. A escravatura, a inquisição, os conflitos armados e a segregação contra mulheres, crianças, jovens, e idosos são exemplos lamentáveis de factores de retrocesso.

Por isso, através da sua fé na condição humana e sua determinação em fazer o bem, essas pessoas inspiram e motivam correntes positivas e previnem o mal e a negatividade.

O poder da “ideia” e da ideologia

Tais pessoas compreendem que a melhor resposta à complexidade da vida é uma abordagem simples, mas pensada. Compreendem que a vida é repleta de surpresas e armadilhas e que o desenvolvimento sustentável, eficiente e eficaz deve ser pensado antes de ser posto em prática. Isso começa sempre com uma ideia que é gerada e partilhada, partindo de desafios reais (vistos, sentidos ou previstos), e que resultam em ideias sobre soluções e fórmulas de partilha de responsabilidades, tarefas e resultados.

Compreendem que uma ideia recheada de racionalidade e valores representa uma luz que mostra o caminho, inspira, motiva, orienta, ajusta e faculta. A ausência dessa luz orientadora, induz ao improviso, ao comportamento instintivo, a impulsos imediatistas que acentuam o egoísmo e egocentrismo, e acabam por gerar a desconfiança e a ruptura de sistemas de valores.

Entendem ainda que essa ideia só é válida quando pensada no colectivo. Reduzem o egoísmo e egocentrismo a níveis mínimos (estritamente necessários para apimentar a competitividade e os processos de desenvolvimento), pois a sua presença em doses excessivas retarda o desenvolvimento da humanidade como um todo.

Há o exemplo dos políticos desprovidos de uma “ideia partilhada” ou ideologia que se encontram perdidos na sua ambição, vulneráveis às pressões sociais e apelos cleptocratas e corporativos, e sucumbem à formação de cartéis e bandos criminosos. Acabam recorrendo ao nepotismo, amiguismo, corrupção, para cristalizar os resquícios do poder que exercem.

Partilha de oportunidades e possibilidades

Para os que sonham a humanidade, a vida plena é encarada como uma oportunidade para exercer a liberdade e escolhas positivas (como trabalho, inovação, expressão, realização, organização, partilha, colaboração, etc.) ou negativas (como a delinquência, frieza, egoísmo, guerras, destruição, vandalismo, boato e desordem).

É uma questão de escolha e de partilha das mesmas. Ao revermos a história da humanidade deparámo-nos com muitos exemplos positivos: a invenção da roda há cerca de 5.500 anos, da prensa por Johannes Guternberg no século XV, da fotografia em 1826 por Joseph Nicéphore Niépce, da lâmpada em 1835 por James Bowman Lindsay e Thomas Edison, do telefone por Alexander Graham Bell, da internet no início do século XX, do aço que permitiu a construção de arranha-céus já no século XVIII, a viagem à lua em 1969, a luta revolucionária através da não violência no inicio do século XX por Mahatma Ghandi, o discurso “I have a dream (tenho um sonho)”de Martin Luther King em 1963, o primeiro transplante cardíaco em 1967 pelo Dr. Christiaan Barnbard, a libertação triunfante  de Nelson Mandela em 1990, o início da luta de libertação de Moçambique sob liderança de Eduardo Mondlane nos anos 60,  e a proclamação da independência do país em 1975 por Samora Machel.

No lado negativo, podemos citar as duas grandes guerras, o nazismo, o apartheid, a escravatura, a Inquisição, a Guerra Fria, o terrorismo, a mutilação genital feminina, as seitas do mal, os genocídios etc.

O tempero das emoções

Sonhar a humanidade implica compreender que o ser humano é um turbilhão de vontades, ideias e emoções (risos, lágrimas, zangas e brigas). Exprimir emoções, fragilidades e vulnerabilidades mostra a dimensão humana e desenvolve o espírito de luta. Sem ela a vida fica desprovida da sua “alma”.

Os que sonham a humanidade sabem que as emoções têm um verdadeiro potencial de desenvolvimento, desde que as mesmas sejam vividas com realismo e seriedade, e que sejam exercidas de forma equilibrada e na dosagem certa.

Elas compreendem que quando as emoções são dominadas pelo ódio, ganham um efeito tóxico, incentivam a rivalidade animalesca, inibem a competitividade racional e construtiva, provocam um desperdício de valores e qualidades, e tornam o terreno fértil à mediocridade, descrença, irresponsabilidade, medo, coerção, exclusão, agressividade, cinismo e frieza.

Assim, os que sonham a humanidade, utilizam as boas emoções para combater o desânimo, a intriga, o derrotismo, a indiferença, a passividade e o fatalismo.

Direitos básicos e deveres essenciais

As pessoas que sonham a humanidade dedicam-se à defesa do direitos e deveres essenciais, partindo do princípio que o maior património de um ser humano é a sua dignidade. Entre os direitos mais básicos e elementares para expressão das potencialidades humanas estão a alimentação, a saúde, a segurança, a justiça, a educação, a liberdade de expressão ou a fruição de um meio ambiente puro e saudável.

Conscientes dos problemas que o mundo enfrenta, estas pessoas lutam por os corrigir: cerca de 800 milhões de pessoas vivem privadas do seu direito a uma alimentação condigna; 2 milhões de pessoas estão anémicas, sobretudo devido à grave carência de micronutrientes como o ferro;  2 biliões de adultos padecem de sobrepeso, dos quais 600 mil são obesos; cerca de 11 milhões de crianças morrem, anualmente, devido a doenças que poderiam ser tratadas com medidas de prevenção sanitária (como a malária, cólera, diarreia simples, parasitoses, pneumonia, desnutrição, etc.); 121 milhões de crianças e adolescentes vêm o seu acesso à educação interdito e o seu futuro comprometido; o aquecimento global, o desmatamento, a contaminação do solo, da água e do ar atmosférico ameaçam a biodiversidade e o equilíbrio ecológico no planeta.

Para além de se entregarem a estas causas, elas também se batem para que cada um conheça e ponha em prática os seus deveres: a transparência, o amor, o respeito, a justiça, a caridade, a solidariedade, a colaboração, o respeito pela natureza e pelo ambiente, etc.

A concluir…

Os que apenas se enrolam em torno do seu próprio umbigo permanecem cativos desse minúsculo ponto. São lembrados pela sua rotina corrosiva, seus rastos e destroços, sua ganância desmedida, seu infinito egoísmo e gatunagem.

Os homens que sonham a humanidade e a abraçam em toda a sua plenitude, nas mais diversas áreas e quadrantes, realizam e inspiram acções de progresso, amor, bondade e fé. Mesmo que os seus nomes sejam esquecidos, os seus legados serão reconhecidos, lembrados e perpetuados.

 

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