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“Somente uma pequena elite açambarca o direito a uma educação de qualidade”, José Castiano

O académico e vice-reitor da Universidade Pedagógica de Maputo (UP-Maputo), José Castiano, afirma que a economia está no comando da educação no país, o que mina a qualidade de ensino, que, segundo destacou, “somente uma pequena elite açambarca o direito a uma educação de qualidade”.

Para José Castiano, a educação para todos, pela qual o país luta desde 1990, ficou apenas de quantidade e não de qualidade. Ou seja, a maioria dos cidadãos têm direito a uma educação básica que acaba por ser transformada numa “educação do mínimo”, que serve apenas para que as pessoas tenham conhecimento para sobreviver enquanto cidadãos políticos, económicos, sociais e culturais.

“Esta é uma educação básica que damos à maioria, mas sem necessariamente constituir uma educação. Para o desespero da maioria dos moçambicanos, a educação foi atacada por interesses estranhos e passou paulatinamente a ser um fórum privado”, critica José Castiano, vice-reitor da UP-Maputo.

Segundo afirmou, o ensino público foi privatizado, porque o Estado se ausentou do seu papel, de ser o maior provedor da educação, por falta de recursos e quem sofre não é apenas o povo, mas também os professores, que são os maiores aliados do Estado neste processo.

“Este torna-se campeão do sofrimento e da pobreza devido a cada vez mais crescente pauperização e deterioração das suas condições de trabalho”, disse, tendo acrescentado que, muitas vezes, o mesmo professor que ensina em escolas públicas é o mesmo que está nas escolas privadas, onde as condições (a qualidade das instalações e apetrechamento) são melhores, por isso é notável a diferença da qualidade de ensino.

O autor das obras “A longa marcha de uma educação para todos em Moçambique” e “Educar para quê?”, disse ainda que, apesar das inovações nos currículos, o caso das “passagens automáticas” que foram introduzidas no sector da educação, ainda não foi possível retomar a educação para todos e de qualidade.

“A nossa educação foi atacada por um novo fenómeno – a educação no contexto neoliberal, em que a economia se sobrepõe à política” e “até a educação foi invadida por uma linguagem economicista, todos nós fazemos uma educação para o empreendedorismo. Como é que todos nós vamos ser empreendedores? Como é que todos vão empregar os outros?”, questionou e respondeu: “não é possível isto”.

O também filósofo afirmou que a educação, além de se ter transformado numa retórica economicista, virou uma retórica materialista.

O professor não falou apenas de problemas, apresentou também soluções, entre as quais a necessidade de se olhar para educação como um sector sagrado, uma formação pujante e valorização do professor, que trabalha e vive, muitas vezes, em “condições precárias”.

“Precisamos de um pacto educacional urgente, que tem que ser sobre o professor. Se tivermos um professor bem-educado e bem-formado, qualquer currículo ou manual que vier de qualquer lado, ele vai saber como educar o aluno e sanar qualquer anomalia. A qualidade da educação está no professor”, sublinhou José Castiano.

O orador, que falava durante uma palestra organizada pelo Instituto Superior de Ciências de Saúde, alusiva aos 60 anos do ensino superior em Moçambique, esta terça-feira, destacou, ainda, a formação dos professores em matérias relacionados à nova realidade virtual, ou seja, adaptá-los ao ensino presencial e virtual, que, nos dias de hoje, tem sido implementado nas instituições de ensino.

 

CORRUPÇÃO É UM DOS “CULPADOS” PELOS ERROS NOS MANUAIS

À margem do evento, questionado pelo “O País” sobre os erros nos livros escolares, em particular o de Ciências Sociais da sexta classe, retirado das escolas, o académico mencionou a corrupção como um dos factores que contribuíram para esta situação.

O mesmo acrescentou que, nos últimos 10 anos, a produção dos manuais e outros materiais didácticos ficou liberalizada e mercantilizada e, com o financiamento externo, o país perdeu a sua autonomia.

“O sistema de concursos, o procurement que está em todos os sectores, não está isento de certos actos de corrupção, então eu penso que este foi o problema fundamental e isso saiu do controlo, por isso eu digo que a educação é um sector de soberania e, depois dessas falhas, devemos repensar a educação”, referiu José Castiano.

O número dois da UP-Maputo disse que esses erros mostram que as universidades são cruciais na elaboração dos livros, pelo que foi acertada a decisão tomada para que as instituições do ensino superior passassem a fazer parte do processo, junto do Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE) e o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH).

A fonte revelou que a universidade a que está afecto já foi convocada e está a trabalhar com o MINEDH para a revisão dos manuais.

Recorde-se que a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano suspendeu os membros do Conselho de Avaliação do Livro Escolar e integrou, ao mesmo órgão, as universidades.

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