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Sol de Carvalho considera que 2018 foi marcado por falta de apoio ao cinema

Com a aprovação da Lei do Cinema, abriu-se uma janela de esperanças para os cineastas moçambicanos. No entanto, não se passou disso. De esperança em esperança, chegou-se à decepção, pois, segundo Sol de Carvalho, o que era para ser um ano de mudanças positivas acabou sendo mais um longo período em que os cineastas caminham sozinhos, sem apoio interno.

“Tenho pena de dizer que não posso estar muito satisfeito com o que 2018 foi em termos de cinema”. Assim começou o discurso de Sol de Carvalho ao referir-se aos feitos alcançados pelo país nos últimos meses, pois olhando para trás, o realizador vê expectativas frustradas em relação às medidas que já deviam ter entrado em vigor para impulsionar o fomento à sétima arte.

Sol de Carvalho acredita que a esta altura o cinema moçambicano pudesse estar a gozar de um bom momento, fruto de mudanças fortes porque em Janeiro de 2017 foi aprovada a Lei do Cinema e logo a seguir o regulamento, o qual dizia que no dia 31 de Outubro a instituição encarregue pelo cinema no país iria publicar no seu site ou nos órgãos de comunicação social os regulamentos dos concursos que seriam lançados no ano seguinte. A verdade é que em 2017 e em 2018 não houve mais informação a respeito. Aquilo que seria a grande mudança que os cineastas aguardavam, que era o Estado dar finalmente um apoio, não existiu, mesmo na sequência de uma Lei que tinha sido aprovada por unanimidade no Parlamento, onde nem houve conflitos de interesses dos partidos. “Sabemos, porque, enfim, a cidade é pequena e falamos uns com os outros, que alguns passos foram dados no sentido de as televisões privadas e operadores de televisão passarem a dar uma percentagem para o apoio ao cinema, mas não aconteceu nada específico até agora, pelo menos ao nível público não.

Esta situação de abandono é infeliz, segundo Sol de Carvalho, pois, explica: “nós, os cineastas, não podemos produzir filmes sem ter o mínimo de recursos financeiros. O cinema e o teatro são manifestações em que, logo à partida, temos que investir dinheiro em equipamento e tantas outras coisas.

Considerando a história do cinema moçambicano, esperávamos que esse apoio aos cineastas tivesse acontecido este ano”.

Se, por um lado, tarda a materialização de uma lei aprovada por unanimidade, por outro, o país peca por não conseguir garantir quadros qualificados para a produção da sétima arte.

“A formação que está sendo feita em Moçambique, ao nível do cinema, no meu entender, não é satisfatória, ou seja, não permite que pessoas que estão a sair da universidade com uma toga ou um chapéu possam ser lançados ao mercado e fazer cinema de Moçambique. Eles vão fazer cinema da mesma maneira que eu posso jogar futebol, sem ser um jogador profissional. Talento existe e é muito, nunca deixamos de ter ao longo desses ano que se seguiram a independência nacinal, mas a formação é fraca”. E Sol de Carvalho acrescenta, adiantando uma sugestão: “É preciso que as instituições responsáveis por esta área tomem em atenção que não basta estar a dar um curso de formação e dar um doutorado para depois dizer-se que essa pessoa pode fazer cinema. Não pode. Nada vale ter um doutorado se não se consegue correr. Temos que preparar de forma devida os nossos formandos. É uma questão de apoio e suporte. Eu trabalhei com alguns alunos para o meu último filme e fiquei espantado com a falta de conhecimento que eles tinham. Fiquei satisfeito pela disponibilidade e interesse”.

Este ano, Sol de Carvalho estreou Mabata Bata, no Cine Scala, na cidade de Maputo, filme adaptado do texto de Mia Couto, um dos que constitui o livro Vozes anoitecidas, publicado há mais de 30 anos. Neste Janeiro, a exibição terá lugar no Chibuto, província de Gaza, e em Inhambane. De acordo com o cineasta, o filme está a ser muito bem recebido. As pessoas gostam muito da ideia do filme ser falado em changana. É importante tentarmos fixar línguas locais. Internacionalmente, já ganhei dois prémios e espero coloca-lo em cinco festivais”.

BOM ANO EM TERMOS DE PRODUÇÃO
Ainda que tenha faltado apoio interno à realização de filmes, em termos de produção anual, 2018 foi um bom ano, segundo entende Yara Costa Pereira, realizadora que estrou há seis meses Entre eu e Deus, seu primeiro documentário longa-metragem, a qual teve boa repercussão. Para este 2019, à imagem de Sol de Carvalho e tantos outros cineastas nacionais, Yara Costa Pereira espera maior fomento ao cinema, desde apoio para produção das obras até à distribuição. Assim, acredita a artista, será possível contar melhores histórias sobre Moçambique e os moçambicanos.

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