O Estado poderá comprar ações ou participação de órgãos de Comunicação Social Privado no país, baseado em critérios de interesse público. A novidade consta da nova proposta da lei de comunicação social, apresentada hoje em Maputo, na última auscultação Pública. Jornalistas dizem que a proposta afigura uma tentativa de controlar os media.
Maputo acolheu na sexta-feira, 12, o último Seminário nacional de auscultação Pública do pacote legislativo da comunicação social, evento que reuniu gestores de media públicas e privadas.
A primeira-ministra, que orientou a abertura do evento, diz que a lei vai promover mais valorização e protecção da classe.
“Queremos que a nova legislação da comunicação social seja uma ferramenta activa para, de entre outros, responder à consolidação da Paz e da Unidade Nacional, assegurando que a comunicação social seja veículo de diálogo, tolerância e reconciliação, combate aos discursos que promovem divisão e/ou exclusão, o reforço da confiança entre cidadãos, instituições e meios de comunicação, através da promoção da verdade, da ética profissional e da postura responsável no usufruto da liberdade de imprensa”, disse Benvinda Levi.
A proposta, que revoga a lei de imprensa, que vigora há mais de 30 anos, mas que desde 2006 que se debate a sua actualização, traz inovações como a introdução de uma carteira Profissional, Autoridade Reguladora e possibilidade de o Governo ter ações em qualquer media privada, em nome do interesse público.
O artigo 23, da proposta de lei, diz que “Baseado em critérios de interesse público, o Estado pode adquirir participações em órgãos de Comunicação Social que não façam parte do sector público ou determinar outras formas de subsídio ou apoio”.
O Misa Moçambique, representado pelo seu Director-executivo, Ernesto Nhanala, considera a proposta inovadora, porém com lacunas que podem limitar a liberdade de imprensa.
“Sabemos a capacidade e a robustez financeira que o próprio Estado, através do governo, tem e que, algum dia, usando essa robustez, pode adquirir essas participações nas empresas privadas e transformando tudo em empresas governamentais”, um facto que, no seu entender, representa um perigo para o exercício pleno da actividade jornalistica.
Sobre a proibição de o Jornalista apresentar, em sede do tribunal, provas de um facto que envolva o Presidente da República, Ernesto Nhanala, apresentado no artigo 48, sobre Prova da verdade dos factos, o director executivo do MISA Moçambique rebate.
“Acho que a lei, em vez de dar essas permissões, devia ser clara em relação à protecção das empresas privadas de comunicação social e não nos deixar num regime que o Estado pode tomá-las. O que vai colocar o jornalismo a prevalecer é a sua capacidade de interpretar e também de escrutinar os poderes, claro, com veracidade. Então, se nós dizemos que, mesmo que seja verdade, o jornalista, desde que o presidente se sinta lesado, quando o jornalista chegar no tribunal, não pode provar que era verdade. Estamos a matar essa capacidade que o jornalismo tem de escrutinar ao mais alto nível”, defendeu.
Entre outras lacunas, os fazedores da comunicação social condenam o facto de a lei não se referir sobre a continuidade ou não do Conselho Superior da Comunicação Social, um órgão constitucional, referindo-se apenas a uma figura criada, a Autoridade Reguladora da Comunicação Social.
Mas há mais novidades:
Por exemplo, artigo 49, sobre reicidencia especial, diz: “o órgão de Comunicação Social que tenha publicado ou emitido escritos, sons, imagens ou programas, que tenham dado origem, num período de cinco anos consecutivos, a três condenações por crime de difamação ou injúria, pode ser suspenso: a) se for diário, até um mês; b) se for semanário, até três meses; c) se for quinzenal, até seis meses; d) se for mensal ou de periodicidade superior, até um ano; e) nos casos de frequência intermédia, o tempo máximo de suspensão é calculado reduzindo-se proporcionalmente os máximos fixados nas alíneas anteriores”.
O Jornalista Orelvo Lapucheque nao ve o artigo com bons olhos.
“Da forma como é colocada essa questão de difamação, calúnia, sendo que um órgão, se for, por exemplo, sancionado consecutivamente, três vezes, está na iminência de perder a licença, os seus dirigentes editoriais podem ser inibidos de dirigir novos órgãos. Imaginando que vem um grupo, queixa-se, a primeira vez, de difamação e calúnia. Vem um outro grupo, também, que tem interesses não confessos sobre o mesmo grupo, queixa-se de difamação e calúnia. Vêm terceiras pessoas, também, queixas de difamação e calúnia. Só com essas três, só com essas três queixas, a empresa jornalística, assim como os dirigentes editoriais, já estão na iminência de não exercer as suas funções privadas”.
O Sindicato Nacional do Jornalista entende que a lei vai dignificar o profissional da classe.
“O salário depende da vontade do empregador, se é 10%, 20%, se é por género, nós sabemos que há jornalistas que recebem por género. A questão dos contratos de trabalho, nós achamos que com esta carteira profissional vai-se valorizar o jornalista e que vai-se discutir os contratos de trabalho, condições de trabalho, seguros de trabalho, assistência e tudo o mais”, declarou o representante da AMJ.
A ordem dos advogados diz que a proposta viola, em várias vertentes, os direitos fundamentais dos jornalistas.
“Fala-se dos meios digitais, mas não se cuida de distinguir o meio digital enquanto actividade jornalística e o meio digital de divulgação de informação sobre cidadãos, activistas ou a liberdade de se poder exprimir opinião ou até de criticar situações sociopolíticas do país. Isto pode configurar uma questão de censura, abre espaço para que as autoridades reguladoras possam interpretar, da sua própria maneira e arbitrariamente, qualquer cidadão que exponha, qualquer blogger que exponha uma posição, qualquer indivíduo que denuncie algo por meios digitais, por exemplo, que é apenas o exercício da sua opinião privada, política, no exercício da sua atividade civil e de consciência civil, que é claramente censurada nos termos em que a lei está escrita”, defendeu Rita Donato Representante da OAM.
Após a auscultação, o documento poderá ser submetido, mais uma vez, à Assembleia da República para debate e talvez desta vez seja aprovado.