O País – A verdade como notícia

“Ser músico rima com ser boa gente”

Albino Mbie está convencido disso. Quanto melhor for como pessoa, melhor será a sua música, pois, para o autor, a sua criatividade está relacionada com a necessidade de se tornar uma espécie de farol para quem o ouve. Nesta entrevista, o músico que vive nos EUA fala do que move a sua obra, referindo-se a avó como um guia espiritual ao mesmo tempo que se verga ao talento do filho, concorrente do Mozkids Talents com que actuou sexta-feira passada no Centro Cultural Franco-Moçambicano (CCFM).  

Sexta-feira, apresentou o segundo CD, no CCFM. O quão especial foi esse concerto?

Para mim, o concerto no Franco significou nascimento, a oportunidade de o álbum ganhar as próprias asas e a primeira respiração. Foi uma oportunidade de poder tocar a maior parte das músicas do Mafu, ao contrário do concerto realizado no Campus da UEM, há um ano. O concerto no Franco deu para preparar com mais tempo e foi realmente especial ter todos os elementos moçambicanos na banda.

Surpreendeu-se ao ouvir o público cantar suas músicas. Não estava à espera daquilo?

A surpresa foi maior. De facto, não sabia que os meus compatriotas conheciam as músicas do Mafu, um álbum bem recente. O público foi muito carinhoso comigo no concerto. Foi encorajador e aquilo fez com que me sentisse em casa e com obrigação de querer trazer melhores trabalhos no próximo álbum que deverá sair em 2020.

Neste Mafu, à imagem de Mozambican dance, apresenta-se como um autor apegado à sua terra e às suas gentes. Como é esse processo de manter a questão identitária preservada e o carácter universal da música intocável do ponto de vista qualitativo?

Quando estou a compor, não olho para Moçambique como um país, mas como parte do universo. Por isso, procuro compor temas que façam sentido para qualquer povo, pois julgo-me um cidadão do mundo. Temas do Mafu como “Where you come from” insere-se nessa tentativa de lançar uma luz que contribua para as pessoas pensarem sobre o seu lugar no mundo sem nunca se desinteressarem das suas origens.

Sente-se pressionado a cantar Moçambique ao mesmo tempo que se afirma um cidadão do mundo a partir do lugar onde se encontra?

Existem questões que garantem a paz interior. Por exemplo, tenho-me perguntado até onde eu sou moçambicano e até onde a cultura americana faz parte de mim. Poderia haver um conflito nisso, porque, de certa forma, contribuo para a cultura dos EUA. Estou lá há 11 anos, estudei lá e agora faço tanta coisa. Existe uma forma de garantir um equilíbrio entre isso, afinal agora temos a globalização e a adopção. Isto é, eu posso adoptar elementos da outra cultura e procurar combinar com os da minha. Isso é o que eu faço nas minhas músicas.

Os seus álbuns preservam muito a imagem de casa. O que a casa representa para si?

Primeiro, a casa para mim representa o amor. Por isso, a levarei para onde eu for. Com a casa, seguem os ritmos, as danças, a gastronomia, a língua e todo o ar moçambicano.
 
Se não estivesse a viver no estrangeiro, julga que a temática dos seus discos, muito apegada à sua terra, às vezes com o efeito da saudade, seria a mesma?

Acho que sim, de certa forma, porque eu inspiro-me numa imagem de Moçambique estagnada na minha mente. Por exemplo, o título da música “Mafu”, que intitula o disco, eu compôs quando ainda vivia cá em Moçambique, na altura para participar no concurso francófono no Centro Cultural Franco-Moçambicano, com a primeira banda que eu tive: Manganês. Isso há uns 16 anos. “Mafu” vem daí e tem uma relação com quase todas as músicas que eu escrevi. Portanto, acho que o que eu sou hoje está definido antes de deixar Moçambique.

Por que “Mafu” não teve espaço no Mozambican dance?

Não tive como enquadrar “Mafu” no primeiro CD porque a música é muito forte, como o tema “Awusiwana”, inspirado no que as cheias de 2000 causaram. Eu era bem pequeno, mas aquelas imagens nunca saíram da minha cabeça. Portanto, senti que deveria dar uma nova vida à “Mafu”.

Como é cantar serenamente, de uma forma tão pausada, num mundo à velocidade supersónica?

Para mim, ser músico rima com ser boa gente. Quanto melhor formos como pessoa, melhor será a nossa música. Então, não estou em guerra com a correria diária. Penso que nós devemos fazer o contrário da pressão que temos dia-a-dia. Temos de apaziguar as almas e dar-lhes uma luz.

É um sentido de missão…

Sinto que é, porque a paz de espírito contagia e é capaz de acalmar uma turbulência.

Portanto, a sua música representa o que Albino Mbie é interiormente e integralmente?

100%. Honestamente.

Como é que se processa em si esta ligação temática com os autores clássicos da música moçambicana sem que as mesmas percam o carácter actual?

Seja em que arte for, temos sempre de estudar os clássicos, e isso não significa copiar. Por exemplo, “Ahirimeni” é uma música feita com a pretensão de encorajar as pessoas, lembrando-as que somos todos soldados da mesma nação.

Alguma música neste Mafu que lhe tenha marcado mais?

Foi difícil trabalhar na música “Golden smile”. Precisei de muita atenção para essa música.

Como é que a sua avó aparece como um guia espiritual na música?

Eu comecei o percurso não como cantor. O canto veio com Mozambican dance, porque eu perguntava-me como a minha avó iria ouvir as minhas músicas. Muitas vezes ela pedia-me para cantar para ela, o que implicava a mensagem da palavra. Por isso, não há nada que me contenta agora do que poder cantar para ela e ver o sorriso dela quando isso acontece. Não consegui levá-la ao Franco, por isso fico a dever um concerto dedicado exclusivamente à minha avó.

 

O PRESENTE E O FUTURO NUM PALCO

Na apresentação de Mafu, no CCFM, teve um convidado especial: Jorge Mbie. Como foi actuar pela primeira com o seu filho?

Inicialmente, a ideia de o ter como convidado não me ocorreu. Depois de o ouvir a tocar, percebi que o miúdo encontrava-se num nível alto de qualidade. Além disso, convenci-me da sua paixão pela música. Então achei que não seria justo manter o talento do meu filho em segredo. Tinha de lhe apresentar ao público e foi incrível partilhar o palco com ele.

Embora o violino seja o instrumento preferido do Jorge, ele também toca saxofone e piano. Há alguma influência sua nessa paixão pela música que o menino está a cultivar?

Ainda não lhe fiz essa pergunta. Por enquanto, a minha maior preocupação é saber como é que ele está e como é que vai a escola dele. Sinceramente, não falamos tanto de música. Claro que às vezes conversamos sobre as suas preferências musicais, e até fico surpreendido com o que ele gosta. Enfim, penso que ele percebe que eu, como pai, tenho um papel para com ele. Agora, em relação à música, ele deverá seguir os seus passos e abrir as suas próprias portas.

O que sentiu quando, depois de tocar, o seu filho foi bem aplaudido na sexta gala do Mozkids Talents?

Senti-me abençoado. O talento, a simplicidade sonora e a afinação do meu filho é algo incrível. Por um segundo, senti que ele estava apenas a tocar para mim. Foi muito emocionante e saíram-me lágrimas.

O que o Mozkids pode permitir às crianças e à música moçambicana em geral?

Esta era mesmo uma necessidade cultural. Tenho mesmo de felicitar a Stv pela iniciativa. O facto de haver esta oportunidade vai dar às crianças a possibilidade delas perceberem de que a vida é feita de sacrifícios. O Mozkids não só vai ajudar as crianças a serem talentosas no que fazem, como as vai dar uma noção de que um castelo leva anos para se construir. As crianças vão aprender sobre a paciência e sobre como devem se relacionar com os outros meninos. Portanto, esta oportunidade que as crianças estão a ter no Mozkids não se limita à música.

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos