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Retrato de infâncias perdidas num “el dourado” chamado Ressano Garcia

No vai e vem da maior vila fronteiriça do país, menores que veem na movimentação frenética de Ressano Garcia uma esperança para sobressair-se e vencer a pobreza. Seus pés conhecem bem esta terra. O lugar onde agora passam maior parte da vida.

No posto administrativo ao sul do distrito da Moamba, província de Maputo, vizinho da África do Sul – uma das maiores economias do continente – chegam todos os anos cerca de 200 crianças e adolescentes vindos das províncias de Gaza e Inhambane numa fuga à pobreza.

“Vim para Ressano Garcia porque na nossa terra em Inhambane não há trabalho. Os nossos pais só nos mandam para machamba. Percebi que meu irmão não conseguiria comprar tudo que eu queria”, conta Alberto Matsimbe, um adolescente de 16 anos e que há dois dedica a vida ao comércio informal e os seus desafios.

Alberto faz parte das estatísticas das crianças em movimento dentro do país. Que fogem da pobreza e acabam exploradas como mão-de-obra barata. Para chegar à Ressano teve de percorrer cerca de 400 quilómetros. É natural de Vilanculos, província de Inhambane e recebeu promessas de melhores condições de vida nesta vila fronteiriça.

O sonho de ganhar em Ressano Garcia submete-o agora a uma rotina pesada. Trabalha para uma mulher de quem recebe mensalmente 1500 meticais. Sua jornada começa pela madrugada, quando prepara os biscoitos que carrega num dos baldes e só termina 17 horas depois. Na vida teve apenas oportunidade de estudar até a 5ª classe e perdeu a vaga depois de adoecer. Agora, sua patroa não o deixa estudar, por isso ocupa-se em vender, na estrada mesmo exposta ao perigo, sempre movimentada de camiões.

É no comércio informal onde estão envolvidas cerca de 22 por cento das cerca de 1.4 milhão de crianças que desenvolvem algum tipo de trabalho em Moçambique. Amélia Fernanda, directora executiva da Rede da Criança, uma organização da sociedade civil que trabalha na proteção dos direitos da criança diz que devia ser papal dos próprios pais evitar a exploração dos filhos.

 “É preciso olhar para o estado físico e psicológico das crianças. E também o número de horas que ela fica a vender, não se pode exigir à criança o que se exige a um adulto. É preciso dar espaço para que ela tenha tempo para estudar, brincar e para fazer outras coisas ligadas à idade dela”, diz.

De acordo com um estudo da Organização das Nações Unidas para a Educação, UNESCO, a pobreza caracterizada por limitações para o acesso à educação e à falta de oportunidades de emprego são facilitadores do aliciamento desses menores. E essa também foi a principal razão que levou Carlitos Armando para Ressano Garcia, aos 14 anos. Ele agora tem 17 anos. Foi trabalhador de uma mulher durante os últimos três e recentemente decidiu abrir seu próprio negócio.

Carlitos está a contar anos em Ressano Garcia. Aliou-se a outros dois colegas vendedores informais, deixaram de ser empregados. Alugaram uma casa e desenvolvem seu próprio negócio. Os três amigos partilham um quarto e dormem na mesma cama. Pagam 900 meticais por mês, em um compartimento que não está totalmente coberto, não tem corrente elétrica e sofrem de infiltrações quando chove.

Tudo em sacrifício pela família que está a passar por necessidades em Inhambane.

É essa exploração e histórias de sacrifício acabam aumentando a vulnerabilidade desses menores a serem vítimas do tráfico para vizinha África do Sul, onde os rapazes trabalham em farmas e as raparigas são exploradas como trabalhadoras sexuais.

 

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