O País – A verdade como notícia

Renato Caldeira: o atleta por detrás do escriba

O futebol nos anos 60, era uma loucura. Nos bairros, o destaque ia para Mafalala e Xipamanine, com tudo a culminar no “chilunguine”. Ter acesso a um campo e poder ver estrelas como Abel Miglietti, Carlitos ou Mombaça, que tinham nível para entrar “de caras” nos chamados três grandes de Portugal era quase um sonho.

Tinha eu 16 anos, provinciano recém-chegado de Quelimane, olhos e olhares esbugalhados perante o “néon” da então Lourenço Marques. Comecei a jogar nos juniores do Belenenses, II divisão, que treinava no campo do Ferroviário da baixa, às terças e quintas, das 21 às 23 horas. Jogávamos ao domingo de manhã.

Mas a paixão principal era pelo atletismo, em que treinava todos os fins de tarde, excepto aos sábados e domingos em que aconteciam as provas no Parque dos Continuadores. E ainda estudava à noite, na Escola Industrial. Uma vida bem preenchida!

Jornalismo: “paredes-meias” com as corridas e pontapés

Ano de 1966. Vivia eu o desporto, no nervo e no sangue. Naquele tempo, dificilmente um jovem praticava uma só modalidade. Eu não era excepção.

Porém, havia que dar prioridade à profissão de tipógrafo. Mesmo assim, como produto de alguma irreverência, surgiu um outro “bichinho”: escrever para o desaparecido “Diário de LM”, jornal que ficava ao lado da Catedral. Fazia pequenas crónicas dos jogos das II e III divisões, mais as partidas de juniores. O “salário”? Um cartão de livre-trânsito que permitia assistir a todas as competições desportivas. Assim, esmerava-me, era assíduo porque ao possuir um “livre-trânsito” até me considerava bem remunerado. Saía do Bairro de Chamanculo, com amigos e era o único que não tinha que aguentar filas e empurrões nos portões.

Crescer e aparecer

Entrar na Redacção do Diário de LM e beneficiar de uma secretária para rabiscar as minhas croniquetas sem eu ter “a cor adequada de então”, era na altura uma aventura. Uma raridade.

Recordo-me que no dia 29 de Junho de 1968, fui indigitado a cobrir um combate de boxe para o título mundial, realizado na Praça de Touros, engalanada, entre um norte-americano negro chamado Curtis Cokes e o sul-africano Willie Ludick, de raça branca, combate que veio para Maputo por causa do racismo na vizinha RSA. Com o meu melhor fatinho, lá me sentei numa das cadeiras da 1.ª fila para reportar o autêntico massacre que o americano infligiu ao nosso vizinho, num combate que acabou no 3.º assalto. No dia seguinte, já como espectador, vivi as emoções do Portugal-Brasil na inauguração do actual Estádio da Machava. Foi assim que o bichinho entrou, para ficar, já lá vão 50 anos.

Um atleta mediano

O ambiente no atletismo do Sporting era excepcional. A rivalidade era face ao Desportivo e Ferroviário. Nos “leões”, a fraternidade entre atletas masculinos e femininos era a razão principal da minha assiduidade. Lucrécia Cumba, Abdul Ismail, António Fernandes, Magid Osman e outros, eram as estrelas treinadas por Luís Revez, técnico recentemente falecido.

Da minha parte, com marcas modestas, a paixão pela corrida proporcionava-me grande vantagem no futebol.

No desporto-rei, sem ter tido uma carreira brilhante, joguei no Belenenses dos juniores aos seniores, actuando a defesa central, de 1965 a 1969. Era considerado pendular, ao ponto de ter sido “namorado” pela Académica de Coimbra, na sua digressão por Moçambique no final da década 60.

Seguiu-se uma temporada no Ferroviário de Inhambane em 1970 e no ano seguinte no Sporting de Tete, sempre como titular e campeão nos dois distritos de então.

Curta, mas apaixonada, foi a carreira deste escriba, que subalternizou o desporto, primeiro pela gráfica, abraçando, com paixão, poucos anos mais tarde o jornalismo como profissão, até aos dias de hoje.

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos