O País – A verdade como notícia

Poh!

Poh!
O som seco estilhaçou a tarde, ribombou nos tímpanos, cutucou os instintos, atiçou o medo no salão de festas:

– Yuh!
Havia um “Yowê” profundo subentendido no rosto pânico das pessoas. As cabeças saltaram dos ombros. Os pescoços rodaram como periscópios assustados, na direcção do estrondo. As bocas abertas. As sombracelhas levantadas. As pupilas soltaram-se como se fossem os olhos explodir.

– Hii!
Mau jeito. A senhora pousou a mão no peito para segurar as palpitações e controlar a hipertensão. As pernas moles da cadeira de plástico não suportaram por muito tempo os gestos repentinos e o peso das matsamelas, cederam. A senhora aflita, sem entender nada, esperneia, esbraceja como se nadasse para se equilibrar na queda. Alguém gritou: “cuidado!” agitando ainda mais os presentes.

No desajeito a mesa estremeceu. Num copo cheio despejou-se algo muito valioso para o paladar. Não interessa se se partiu ou não, mas o sobressalto de salvar o copo, ou o conteúdo, atiçou a algazarra.

– Yôoo!
A aflição das mulheres é na língua materna. Com as patas traseiras da cadeira quebradas, a senhora caiu de costas. As pernas para o ar esvoaçaram uma flor com os panos da saia, da meia-saia, capulana e outros panos que lhes seguram as ádipes.
– Eish!
Estrondo, grito, agitação.
– Cuidado!

Correm tempos de medo. Muito medo. Estrondos estranhos assustam. Há muita gente a viver nas reticências. A caminhar pelas sombras. Com o coração e a consciência em delicados sobressaltos. Insônias. Há muita gente a fazer as contas, a apagar ficheiros, a limpar processos e tentar limpar o nome. Nos tempos que correm nunca se sabe quando é que uma intimação nos virá bater à porta. “Nem os chefes estão à vontade”, comenta-se.

Do outro lado da sala, um fulano redondo, com mais peso na consciência do que na barriga, saltou da cadeira como se, por engano, tivesse sentado por cima de um cacto. No salto, mais mesas sacudidas, mais garrafas e copos com líquidos preciosos em risco de desperdício.
– Cuidado!

Um homem de pouca idade manipulava tecnologia wifi e garantia música online. Nada ouvira por causa dos auscultadores. Percebeu a algazarra que já se tinha alastrado por todas as mesas do salão. Baixou o volume e afastou os auscultadores dos ouvidos como se espreitasse por uma cortina, para um lugar onde nunca tivesse estado.

As crianças, indiferentes à confusão, empinavam-se ao ritmo estonteante da música, em poses para maiores de dezoito anos. Nem mesmo o volume baixo lhes demoveu de continuar a vibrar as bundinhas.

Alguém fez de guindaste e levantou a senhora, em esforço, como se recuperasse do chão a economia nacional. Reforçou as cadeiras. Sentou-se sobre duas. Respirou fundo. Bebeu qualquer coisa que lhe refrescou a consciência. Disse “ishi!” de alívio, com a mão sobre os seios para segurar as palpitações e controlar a hipertensão. Havia um jornal sobre a mesa, ignorou a manchete com slogans anti-corrupção. Sacudiu o jornal, violentamente, com a urgência de um leque. Foi se acalmando com a energia formiga das crianças a celebrarem o primeiro dia de Junho.

Respirou, respirou, respirou. Só descansou quando percebeu que aquele estrondo fora só o rebentar desesperado de um balão com excesso de ar. E ar é nada.

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