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Pobreza: uma das causas do tráfico humano

Nampula, Niassa e Cabo Delgado, as três províncias do Norte de Moçambique onde o tráfico de pessoas e de órgãos humanos floresce, tendo encontrado um terreno fértil: a pobreza que graça grosso modo da população, a grande pressão de migrantes e a fraca capacidade de fiscalização das fronteiras.

O pretexto para esta abordagem é o estudo intitulado “Tráfico de Pessoas, Órgãos e Partes do Corpo Humano no Norte de Moçambique”, realizado de Fevereiro a Agosto do ano em curso pela Comissão Episcopal para Migrantes, Refugiados e Deslocados, da Igreja Católica, cuja apresentação pública foi feita ontem na cidade de Nampula.

A pesquisa não traz números cumulativos, mas contém relatos de informantes e vítimas de um fenómeno que já arrancou a vida de muitos concidadãos de forma brutal. Baste lembrar o caso de um cidadão albino que foi assassinado em 2015 e esquartejado na localidade de Topuito, distrito de Moma, em Nampula.

“Houve um caso, em 2015, bastante mediatizado, de um homicídio de um albino e tentativa de traficar os seus órgãos, no qual os agressores foram condenados a 40 anos de prisão”, refere o documento.

Os episódios de desaparecimentos misteriosos de albinos em Nampula são comuns e deixaram trauma social em muitas comunidades. Nascer ou ser albino é sinónimo de uma condenação à morte certa à qualquer momento. “Há quatro anos que não sabemos onde está o meu irmão”, respondeu num murmúrio brusco Pedro Augusto, abordado pela nossa reportagem em Mutauanha, periferia da cidade de Nampula.

“Há uma suspeita de que há um tráfico humano com uma magnitude superior do que o que se vê, principalmente nas províncias fronteiriças”, anota o bispo da Igreja Católica, Dom Alberto Vera, tentando mostrar que o fenómeno vai para além dos números que sao apresentados em relatórios formais.

E não é preciso muito esforço para concordar com o católico. Na cerimónia de apresentação do relatório, ontem em Nampula, estiveram presentes representantes de instituições do Estado que lidam com esses casos nas províncias do Norte. Vestido a rigor, Fernando Armando, chefe do Departamento de Plano e Informação  na Direcção Provincial da Migração no Niassa, reconheceu que nos 8 postos de fronteira entre Moçambique e Tanzânia a média é de três funcionários da migração por posto para uma linha de fronteira de 550 km.

“Não é fácil controlar os traficantes, mas temos feito de tudo para travar o fenómeno. A título de exemplo, antes de ontem e ontem interpelamos 10 burundeses em Cuamba e Metangula que estavam em situação irregular”, anotou.

Falar do tráfico é falar de um assunto complexo que pode ser visto em várias perspectivas. Há o tráfico interno, que é aquele em que pessoas são recrutadas internamento, seja de uma província para outra para fins de exploração sexual, trabalho forçado ou outro tipo de práticas desumanas. As províncias de Maputo e Gaza estão no topo quando se olha nesta tipologia. Por outro lado, existe o tráfico internacional em que pessoas recrutadas noutros países, em situação de vulnerabilidade como guerra e pobreza são prometidas melhores condições de vida na África do Sul. Para este tipo de situações, as fronteiras aeroportuárias e terrestres de Moçambique são preferidas pelos traficantes.

O último caso relaciona-se com o tráfico de órgãos humanos para fins de superstição. No Sul, a África do Sul é desde sempre apontada como destino. No Centro e Norte, Malawi e Tanzânia são considerados os destinos.

De 2015 a 2016, Nampula atingiu o pico desses casos, incidindo acima de tudo nas pessoas portadoras de albinismo. Nesse período, foram instruídos 11 processos-crime que culminaram com 4 condenações a penas que variam de dois a 16 anos de prisão.

Entretanto, nos últimos dois anos os números tendem para uma redução, tal como fez saber o procurador-chefe em Nampula, Nazimo Mussa: “no ano de 2016 foram instaurados 19 processos, contra 95 de igual período do anterior…foram proferidos despachos de acusação em 17 processos e remetidos ao Tribunal para julgamento”.

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