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Papa Francisco lança “Contra a guerra. A coragem de construir a paz”

O papa Francisco lançou, esta quinta-feira, na Itália, um livro, no qual apresenta o diálogo como arte política, a construção artesanal da paz e o desarmamento como uma escolha estratégica, escreve o Vatican News.

“Contra a guerra. A coragem de construir a paz”, do Papa Francisco, um ensaio sobre o clima de guerra que o mundo vive actualmente, sairá nas bancas de jornal, nesta próxima quinta-feira.

Segundo o Vaticano, o líder da Igreja Católica apresenta, no livro, uma dura condenação dos conflitos armados, classificando-os como um falhanço político, deixa pistas para a “construção artesanal da paz”, através do diálogo como “arte política”, e endurece o discurso em relação à guerra na Ucrânia.

A publicação deste livro coincide com as cerimónias da Quinta-feira Santa, o dia em que a Igreja Católica lembra a última ceia de Jesus Cristo com os discípulos antes de ser crucificado, dando, com essa celebração, início aos dias de comemoração da Páscoa.

Numa primeira fase, o livro será publicado apenas na Itália, onde será vendido nas livrarias locais e também distribuído como suplemento do jornal Corriere della Sera. Segundo o Vatican News, ainda não há planos para uma edição em português.

Segundo um excerto do livro divulgado pelo Vaticano, o Papa Francisco começa a obra recordando a sua peregrinação ao Iraque, em Março de 2021, dizendo ter experimentado “o desastre causado pela guerra, violência fratricida e terrorismo”.

“Vi os escombros das casas e as feridas dos corações, mas também sementes de esperança de renascimento. Nunca teria imaginado ver, um ano depois, um conflito irromper na Europa“, escreve Francisco. “Desde o início do meu serviço como bispo de Roma, falei sobre a Terceira Guerra Mundial, dizendo que já estamos a vivê-la, mesmo que ainda em pedaços. Esses pedaços tornaram-se cada vez maiores, soldando-se entre si. Tantas guerras estão a acontecer no mundo neste momento, causando imensa dor, vítimas inocentes, principalmente crianças.”

Essas são, lamenta Francisco, “as muitas guerras esquecidas, que, de vez em quando, reaparecem diante de nossos olhos desatentos”. O Papa, oriundo da América Latina, apresenta uma mensagem dirigida claramente aos europeus, que, após anos de esquecimento das várias guerras em curso no mundo, se viram surpreendidos pela guerra à sua porta.

“Quase de imprevisto, a guerra eclodiu perto de nós. A Ucrânia foi agredida e invadida”, assevera Francisco — um endurecimento do discurso do Papa em relação ao conflito na Ucrânia, depois de, numa primeira fase, ter evitado colocar a culpa do lado da Rússia, na esperança de manter abertas as vias de negociação, entretanto claramente reduzidas.

“Infelizmente, muitos civis inocentes, mulheres, crianças e idosos foram obrigados a viver em abrigos cavados no ventre da terra para fugir das bombas, com famílias que se dividem porque os maridos, pais e avôs ficam para lutar, enquanto esposas, mães e avós procuram refúgio após longas viagens de esperança e cruzam a fronteira buscando acolhimento em outros países que os recebem com grandeza de coração”, escreve o Papa.

“Diante das imagens angustiantes que vemos todos os dias, diante do choro de crianças e mulheres, só podemos gritar: Parem!”, resume Francisco. “A guerra não é a solução, a guerra é uma loucura, a guerra é um monstro, a guerra é um cancro que se auto-alimenta engolindo tudo! Além disso, a guerra é um sacrilégio, que destrói o que há de mais precioso na nossa terra, a vida humana, a inocência dos pequenos, a beleza da criação.”

HUMANIDADE TEM “MEMÓRIA CURTA”, DIZ O PAPA

O líder da Igreja Católica faz, depois, uma viagem histórica para lembrar que a solução para os conflitos deve ser o diálogo e não a guerra. “Não posso deixar de recordar a súplica com que, em 1962, São João XXIII pediu aos poderosos do seu tempo para deterem a escalada bélica que poderia levar o mundo ao abismo do conflito nuclear“, assinala Francisco, referindo-se ao modo como aquele Papa foi um mediador central entre John F. Kennedy e Nikita Khrushchov, durante a crise dos mísseis de Cuba, conseguindo evitar uma escalada no momento em que a Guerra Fria esteve mais próxima de evoluir para um conflito armado de grande escala.

Francisco recorda também as intervenções de Paulo VI e João Paulo II em favor da paz e critica a “memória curta” da humanidade. “Se tivéssemos uma memória, lembraríamos o que nossos avós e pais nos contaram, e sentiríamos a necessidade de paz, assim como nossos pulmões precisam de oxigénio”, escreve.

“A guerra altera tudo, é pura loucura, o seu único objectivo é a destruição e ela desenvolve-se e cresce através da destruição e, se tivéssemos memória, não gastaríamos dezenas, centenas de milhares de milhões de dólares em rearmamento, para nos equiparmos com armas cada vez mais sofisticadas, para aumentar o mercado e o tráfico de armas que acabam por matar crianças, mulheres e idosos: 1.981 mil milhões de dólares por ano, de acordo com os cálculos de um grande centro de investigação de Estocolmo“, diz o Papa. “Isto representa um aumento dramático de 2,6% no segundo ano da pandemia, quando todos os nossos esforços deveriam ter sido concentrados na saúde global e em salvar vidas humanas do vírus.”

 

TER ARMAS NUCLEARES É “IMORAL”, PAPA FRANCISCO

No entender de Francisco, a guerra “representa não apenas uma derrota da política, mas também uma rendição vergonhosa diante das forças do mal“, que deve ser evitada “antes de chegar à linha da frente”.

“Para isso, precisamos de diálogo, negociação, escuta, capacidade e criatividade diplomática, de uma política de longo alcance, capaz de construir um novo sistema de convivência que não se baseie mais nas armas, no poder das armas e na dissuasão”, escreve o Papa, que garante que a mera posse de armas nucleares é “imoral”.

“Em Novembro de 2019, em Hiroshima, cidade símbolo da Segunda Guerra Mundial, cujos habitantes foram trucidados, junto aos de Nagasaki, por duas bombas nucleares, reiterei que o uso da energia atómica para fins bélicos é, hoje mais do que nunca, um crime, não só contra o homem e sua dignidade, mas contra qualquer possibilidade de um futuro na nossa casa comum”, escreve Francisco. “O uso da energia atómica para fins de guerra é imoral, assim como a posse de armas atómicas é imoral.”

“Quem poderia imaginar que, menos de três anos depois, o espectro de uma guerra nuclear apareceria na Europa?”, questiona. “Passo a passo, estamos a caminhar para a catástrofe. Pedaço por pedaço, o mundo corre o risco de se tornar o cenário de uma única Terceira Guerra Mundial.”

“Caminhamos como se fosse inevitável. Em vez disso, devemos repetir com força: não, não é inevitável! Não, a guerra não é inevitável! Quando nos deixamos devorar por esse monstro representado pela guerra, quando permitimos que esse monstro levante a cabeça e guie nossas acções, todos perdemos, destruímos as criaturas de Deus, cometemos sacrilégio e preparamos um futuro de morte para nossos filhos e nossos netos”, acrescenta Francisco.

“Perante as imagens de morte que nos chegam da Ucrânia, é difícil ter esperança. No entanto, há sinais de esperança. Há milhões de pessoas que não aspiram à guerra, que não justificam a guerra, mas pedem a paz. Há milhões de jovens que nos pedem para fazer todo o possível e impossível para deter a guerra, para deter as guerras. É pensando primeiro neles, nos jovens e nas crianças, que devemos repetir juntos: nunca mais a guerra.”

“Ao mesmo tempo, comprometemo-nos a construir um mundo mais pacífico, mais justo, onde triunfe a paz, não a loucura da guerra; a justiça e não a injustiça da guerra; o perdão recíproco e não o ódio que divide e que nos faz ver no outro, no diferente de nós, um inimigo”, termina o Papa.

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