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“Outros perderam a vida no local por pedir socorro…a ajuda tardou chegar”

Os sobreviventes do acidente de viação da Manhiça contam que viveram momentos de pânico e medo após o sinistro que matou cerca de 30 pessoas, das quais 28 estão na morgue do Hospital Distrital da Manhiça. As nossas fontes dizem, ainda, que o condutor do autocarro estava em excesso de velocidade. Dos que saíram vivos, 15 receberam cuidados naquela unidade sanitária, 11 tiveram alta.

Sobreviveram ao fatal acidente do posto administrativo de Maluana, distrito da Manhiça, província de Maputo e têm muitas histórias por contar sobre o momento de pânico, medo, dor e terror que viveram após sinistro que envolveu três viaturas.

Domingos Charles é um dos passageiros que seguia no autocarro da transportadora Nhancale que vinha da cidade da Beira em direcção a Maputo, escapou por um triz ao aparatoso acidente e conta o que viu.

“Eram por volta das 19h e nós estávamos a entrar na Manhiça. O motorista não conseguiu controlar a velocidade. Doutro lado, tinha um “basculante” (camião) vermelho e a visibilidade do nosso machimbombo não era das melhores e, quando tentava fugir, foi-se embater com o camião. Depois saí do carro e não vi mais nada”, contou Domingos Charles, sobrevivente do acidente de viação.

Depois do embate, veio o susto e Domingos Charles não conseguiu ver muita coisa, mas lembra que, na velocidade que o carro seguia, era difícil ver um obstáculo a uma distância inferior a 50 metros.

“Àquela velocidade não era possível contornar um obstáculo, qualquer que fosse. Então, ele queria ganhar o tempo, mas não conseguiu e, de repente, todo o mundo estava no chão”, apontou Domingos Charles.

O motorista do autocarro queria, segundo o sobrevivente, ganhar tempo e acabou por perder muitas vidas. Domingos salvou-se e foi levado para o Hospital Distrital da Manhiça.

“Depois do embate, eu fui a primeira pessoa a sair do machimbombo, porque estava na parte traseira. Então, os colegas que estavam na parte de frente e direito é que tiveram sofrimento grave. Eu saí da viatura rastejando. A situação dos outros era muito triste. Ouvi colegas a gritarem e outros perderam a vida gritando por socorro”, recordou Domingos Charles, avançando que as vítimas não tiveram ajuda imediata e, por isso, “muitas pessoas perderam a vida no local”.

Dulce Saúte é, também, uma das sobreviventes do sinistro. No momento do acidente, estava no sono e, quando despertou, viu-se num pesadelo que lhe causou ferimentos ligeiros e foi, por isso, internada.

“Só me vi já no chão e com muita gente morta por cima de mim. Eu clamava por socorro. Que o autocarro vinha a uma alta velocidade é um facto. Aliás, antes da Massinga, onde há mais covas, ele acelerava e não respeitava as curvas. Os passageiros são respeitados antes de entrar no carro. Quando entram, já não são respeitados”, narrou Dulce Saúte, uma das sobreviventes do sinistro.

Não foram respeitados os passageiros e muitos, mas muitos mesmo, perderam a vida e não faltaram chamadas de atenção ao comportamento do condutor do autocarro. “Nós vínhamos gritando. Ele andava como um cavalo”, exemplificou a vítima do acidente de viação.

Enquanto os passageiros do autocarro da transportadora Nhancale viviam momentos de medo e pânico, os familiares estavam em agonia, desesperados e aflitos.

“A preocupação foi maior. Só de saber que alguém está de viagem já é preocupante e tivemos essa informação de que houve acidente. Nós tentámos ligar para ele, mas o telefone não estava com ele. Estava em baixo do carro. Depois de um tempo, ele (o familiar) conseguiu pegar no celular e ligar para nos dizer que sofrera um acidente. Dizia isso a chorar, porque tinha sofrido muito e estava em pânico”, relatou Manuel Maurício, familiar de um dos sobreviventes do acidente de viação.

Mas, nem todos tiveram a sorte de encontrar os seus familiares com vida e numa sala de internamento. Há quem teve de ir procurar na morgue do Hospital Distrital de Manhiça.

Ambiente tenso, de pesar, luto e dor na morgue do Hospital Distrital de Manhiça. São familiares das 28 vítimas mortais do acidente de viação que procuram reconhecer os seus ente queridos e retirar os corpos.

“Perdemos uma prima, filha de um tio meu e um netinho que é filho de um sobrinho nosso. Neste momento, a preocupação é fazer o funeral e outras coisas se seguirão”, revelou Júlio Munguambe, um dos familiares após reconhecer os corpos, com um tom carregado de tristeza.

À semelhança de Júlio Munguambe, muitas outras famílias estão nesse processo do reconhecimento dos corpos e o choro fica difícil de conter.

Ao todo, foram 28 vítimas mortais, resultantes desse acidente de viação, que deram entrada no Hospital Distrital de Manhiça. Eram muitos óbitos de uma só vez.  “Por tratar-se de um número elevado de óbitos, inicialmente, tivemos algumas dificuldades, mas foi fácil gerir em função do número de câmaras que o hospital tem, foi possível conservar todos os corpos em condições ideais. Neste momento, estamos a realizar um trabalho de remover os corpos e organizá-los de modo a que os seus ente queridos ou familiares possam aproximar-se para fazer o reconhecimento e levar o corpo”, explicou Milton Menezes, médico do Hospital Distrital de Manhiça.

E até ao princípio da tarde deste domingo, mais da metade dos corpos já tinham sido reconhecidos e dos 15 pacientes que receberam cuidados médicos nesta unidade hospitalar, 11 tiveram alta.

“Temos apenas um paciente internado e os outros já tiveram alta e o reconhecimento dos corpos está a decorrer sem sobressaltos. Até agora, mais da metade das vítimas já foi reconhecida e o processo continua”, acrescentou Milton Menezes.

Os 11 pacientes que chegaram em estado grave ao Hospital Distrital de Manhiça foram transferidos para a maior unidade sanitária do país, o Hospital Central de Maputo. “Dos pacientes observados, oito são do sexo masculino e três do feminino, sendo uma criança de dois anos com escoriações nos membros inferiores e uma paciente de 38 anos que foi óbito na sala de observação”, avançou Simão Manhique, médico do Hospital Central de Maputo.

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