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Os óbitos (por COVID-19) preocupam os vivos

O manuseamento de corpos em plena pandemia da COVID-19 preocupa os agentes funerários em Nampula que dizem não ter protocolos claros da Saúde sobre como lidar com a situação, numa realidade em que os resultados de alguns testes saem depois de se ter realizado o enterro.

A primeira morte por COVID-19 em Moçambique foi de um adolescente de 13 anos de idade, em Nampula. A confirmação de que a vítima era positiva para o novo Coronavírus só saiu dois dias depois. Ou seja, depois de se ter realizado a cerimónia fúnebre. Foi em Maio de 2020.

A partir daí começou um alerta no seio dos que manuseiam os corpos, tanto nas morgues, como nas agências funerárias.

Zeca Alberto é proprietário da principal agência funerária na cidade de Nampula. Em entrevista ao “O País”, ele revela falta de clareza na forma como o sector deve actuar neste período da pandemia da COVID-19.

“Devíamos ter” uma orientação sobre “como devemos manusear os corpos, porque temos familiares” deixam todo o processo sob responsabilidade das agências funerárias, conta o interlocutor, acrescentando que “não existe um protocolo fornecido pela Saúde para podermos trabalhar ou manusear os corpos”.

“Portanto, continuamos a manusear como antes. Engraçado ainda é que poucas vezes há identificação” de que determinadas pessoas morreram ”por COVID-19”, denuncia e acrescenta: “nós termos recebido corpos que depois acompanhamos por via da imprensa que a pessoa foi vítima do Coronavírus”.

O Coronavírus pode permanecer vivo nos fluidos de um cadáver por um período de seis horas, como diz a literatura médica, o que revela que o risco de contaminação aos que manuseiam os corpos logo depois do óbito pode ser real. Os responsáveis do sector de saúde pública em Nampula garantem que pelo menos na morgue do hospital central já se trabalha em harmonia com os protocolos emanados pela Organização Mundial da Saúde.

“Os corpos já preparados e envolvidos em sacos plásticos cadavéricos específicos são transladados do nosso centro de isolamento para a morgue do hospital central onde já foram identificadas câmaras específicas para a conservação de todos os óbitos que acontecem por COVID-19, sendo que à posterior seguem os procedimentos seguintes, neste caso, os colegas do HCN que trabalham na morgue também estão informados, primeiro, porque o corpo é conservado numa câmara identificada o que chama atenção deles durante o preparo deste cadáver para a sua sepultura”, anota Geraldino Avalinho, chefe do Departamento de Saúde Pública na Direcção Provincial de Saúde em Nampula.

E a sepultura, de acordo com os protocolos, deve acontecer imediatamente, sendo que na impossibilidade, deve ser 24 horas depois e não mais que isso. Entretanto, dos protocolos à realidade, há falhas no meio.

“Já tivemos casos de indivíduos em que foram colhidas as amostras por suspeita [de ter COVID-19], mas infelizmente perderam a vida” antes dos resultados estarem disponíveis. “Esta foi uma das causas que fez com que limitássemos ao máximo o número de pessoas que manuseiam o corpo, tanto que esta pessoa que vai manusear o corpo, em que, naturalmente, se desconhece a causa do óbito, deve estar devidamente equipada”, acrescenta Avalinho.

Por reconhecer a possibilidade de contaminação, o governo, através do decreto de Conselho de Ministros, limita o número nos velórios e enterros para 20 de pessoas, em casos comuns, e 10 para óbitos por coronavírus. Mas aqui começa outra história que tem outros actores.

No último sábado, a nossa equipa de reportagem testemunhou uma situação em que no chamado cemitério Velho, na cidade de Nampula, participantes de um velório forçaram a entrada massiva. Na cerimónia estavam mais de 60 pessoas para assistir ao enterro.

“A população da cidade de Nampula não acata a mensagem do Presidente da República. Queriam rasgar a minha camisa por eu ter proibido a população de Carrupeia de que entrasse no cemitério da maneira como estava”, desabafa Víctor Psinaneque, gestor de cemitérios na cidade de Nampula, apontando um episódio recente de que foi vítima.

Difícil é actuar com recurso à força, num contexto em que as famílias estão enlutadas, e também porque o Chefe do Estado apelou à ponderação.

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