O País – A verdade como notícia

O renascimento

Foi num dia como este, há 37 anos, que um pequeno grupo de jovens sonhadores revirou o curso da história da literatura moçambicana, dando-lhe um novo brilho, ainda que de forma acanhada, com o lançamento da primeira Revista Literária moçambicana pós-independência – CHARRUA.

Era o renascimento da nossa literatura, pois, naquele dia de sol esquivo, por conta de um intermitente chuvisco, o desejo mais profundo daquele punhado de jovens, forçou o astro-rei a luzir de outra forma, através de uma, se calhar ainda imperceptivel Revista, mas motivo suficiente para lustrar o dia. A nossa literatura adquiria com aquele manifesto de ousadia, novo vigor, novo impulso, renovava-se.

Nascia, pois, no dia 24 de Junho de 1984, a CHARRUA, depois de um turbilhão incessante de “trabalhos de parto”, uma semana antes, na arrumação dos chumbos nas plaquetas das rotativas da Imprensa Nacional, com o velho Sábado Tembe no comando das operações gráficas.

Surgia sem imponência, primeiro, pelo descrédito que lhe votavam os cépticos, não poucos; segundo, pelo dia que a natureza quis que nascesse com aquele intimidatória semblante, mas nos peitos dos arautos da nobre acção, residia a esperança do reflorir de uma literatura durante longo tempo aprisionada nas brumas da noite colonial, já com outras roupagens.

A CHARRUA, sem obliterar o curso imbuído de amor, ternura, vontades originais, mas, sobretudo sensibilidade e coragem, dos escritores que, no seu escrínio, esta terra guardava, descobria o manto negro do medo e de uma coragem disfarçada nas metáforas atordoantes para a atenção opressora, na incompletude titubeante da acção que a independência significava para o povo moçambicano e para o mundo, e mostrou, à luz do dia que embora nada mudasse tudo se transformava e que, nada nem ninguém tinha força competente para o impedir.

Nascia, pois, naquela véspera da celebração do 9º. Aniversário da Independência Nacional, uma nova visão de encarar a literatura moçambicana na sua então actualidade e fazer surgir uma literatura, como que um botão de flor que explode e espalha o seu aroma, perfumando o ambiente, pelo punho, embora ainda inexperiente, mas túrgido de vontade de transformar.

A partir de 24 de Junho de 1984, o país e o mundo viram uma nova luz reflectida nas letras moçambicanas, lá já vão 37 anos, renascia a literatura moçambicana, pelo nascimento do mais novo repositório da intelectualidade moçambicana – CHARRUA.

Aqueles jovens transpuseram as barreiras que até então impediam a marcha normal de uma literatura que se pretendia brilhante: o conservadorismo, apegado a formas e sentimentos de um passado então recente, os medos do futuro, enfim, açoites que barravam uma visão futurista ampla, sobre a marcha de um povo que lutava para se reerguer, já livre de grilhões e aberto para um abraço largo, livre e voluntário com o mundo; aquela juventude, sem apagar o ontem das nossas letras, abria os caminhos do amanhã, convicto da força do seu querer, da sua vontade de limpar a fuligem que deslustrava o cantar do povo moçambicano.

Novos poetas e escritores surgiram naquele “fósforo a pavio” que despertou o país de um sono profundo.

Aquele lugar da AEMO passou a ser a alma mater, onde o então berçário das nossas letras – a CHARRUA – apurava e fazia crescer o engenho e a arte da juventude literária moçambicana.

A CHARRUA foi o fósforo das novas formas de conceber o fogo da literatura no nosso país. O que se seguiu, àquele ígneo dia, foi o trabalho do pavio que nunca mais se apagou.

Não quer, esta reflexão, forçar conceitos, fazer crer que tudo o que hoje se faz em torno da literatura do nosso país tenha aquela matriz iniciática da primeira metade da década dos anos 80, mas quem fez acreditar que, na verdade, “nada muda mas tudo se transforma” foi aquele punhado de jovens corajosos que Rui Nogar, contra todas as forças conservadoras da época, acreditou e protegeu.

Hoje, a gesta renascentista da CHARRUA faz-se sentir em cada pulsar da verve literária da juventude.

O que sentem os jovens de hoje, sentiram, há mais de 37 anos, os jovens da CHARRUA.

A CHARRUA foi a primeira revista literária moçambicana pós-independência nacional, criada por seis jovens que constituíam o pilar sustentador – o Conselho de Coordenação: Juvenal Bucuane (Coordenador), Pedro Chissano, Francisco Ezau Cossa, Hélder Muteia, Eduardo White (citado em memória) e António Idasse Tembe, a que se juntaram: Tomás Vieira Mário, Armando Artur, Marcelo Panguana, Aníbal Aleluia (citado em memória), e, logo de seguida, transformada em Movimento Literário Charrua em que outras figuras de relevo nas nossas letras despontaram, como, por exemplo, Aldino Muianga, Nelson Saúte, António Pinto de Abreu, Guilherme Afonso (citado em memória), Afonso Santos, Carlos Paradona Rufino Roque, Suleimane Cassamo, Filimone Meigos e tantos outros.

Nova, pura, aparentemente ingênua, nascia a Revista Charrua, num ambiente de incredulidades, mas cheio de certezas encriptadas na sagacidade dos jovens que a davam à luz do dia!

Como tudo o que nasce traz consigo a sua vida própria, a CHARRUA nasceu a 24 de Junho de 1984, cresceu, brilhou e teve o seu ocaso no mês de Dezembro de 1986. O seu brilho foi meteórico, mas o bastante para despertar o que estava na modorra, para cumprir o seu papel e deixar marcas indeléveis a serem sempre referenciadas ao longo do curso da literatura moçambicana.

Como dos fracos não reza a história, pela eternidade afora, ela cantará os feitos de coragem dos jovens da CHARRUA, na gesta literária moçambicana. Contra factos não há argumentos!

 

Maputo, 23 de Junho de 2021

 

 

 

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos