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O papel da saúde no desenvolvimento em África

A saúde é certamente um dos principais factores estruturais para o desenvolvimento sustentável. Ela afecta não apenas o bem-estar das pessoas, mas também a sua produtividade. Porém, o estudo da relação entre a saúde e o desenvolvimento é complexo. Há muitos elementos, variantes e variáveis a levar em consideração.

Esta complexidade foi aumentando à medida que a definição de desenvolvimento se modernizou, deixando de ser um mero sinónimo de crescimento económico, passando a considerar outros aspectos de natureza social, cultural, ambiental e política, como os níveis de desigualdade, o equilíbrio de género, o desemprego e o uso sustentável dos recursos naturais.

A abordagem economicista centrava-se no “capital humano” (emprego, divisão e diversificação do trabalho) e o seu impacto na produtividade. Partindo desta perspectiva, a saúde seria uma função do desenvolvimento. Um maior investimento nos sistemas de saúde como um todo, tanto pelo sector público como privado, resultaria numa melhor capacidade produtiva.  

O risco era o de tratar os seres humanos como capital físico, como se fossem máquinas. Porém, a saúde de uma comunidade não se resume aos índices de morbilidade e mortalidade, e demais estatísticas, nem mesmo no quadro organizacional e institucional do sector da saúde.

A abordagem carecia de elementos de humanização, numa perspectiva multissectorial e aberta, partindo mesmo da definição dos termos “saúde” e “desenvolvimento”; da distinção entre infecção e doença; de como cada uma delas afecta o estado físico e mental e a produtividade per capita; e, de quais os desafios relevantes no continente africano.

Daí o recurso à uma solução pragmática, realçando preocupações relevantes, actuais e urgentes: a saúde materno-infantil, as doenças não transmissíveis, as zoonoses (tuberculose, salmonela, ténia, raiva, gripe aviária etc.), as epidemias (como a malária, a cólera, diarreias, o ébola e o HIV/SIDA).

Saúde materno-infantil

Um dos indicadores mais importantes numa comunidade é a saúde materno-infantil. Nesse elo entre a mãe e a criança está a matriz da qualidade dos recursos humanos. O estado de saúde da mãe define o estado de saúde da criança e das gerações vindouras, a curto, médio e longo prazos.

Em África, os problemas começam logo com a elevada incidência de gravidez precoce. Neste caso, tanto a mãe como a criança são expostos a elevados riscos biológicos (como complicações da gravidez e partos distócicos), sociais, demográficos e económicos. Todo o processo de gravidez é afectado não apenas pela imaturidade biológica da mãe, mas também por um cocktail de problemas como baixa renda, habitação precária, anemia, alimentação inadequada, instrução limitada, e baixa utilização de serviços pré-natais, que no conjunto resultam no baixo peso à nascença.

Após a nascença, uma nova vaga de factores como a persistência da anemia nas mães, desmame precoce, abandono da criança, desnutrição proteico-calórica da criança e vulnerabilidade às doenças infecciosas como a diarreia e o sarampo resultam em elevados coeficientes de mortalidade infantil até aos 5 anos e em insuficiência ponderal (baixo peso e raquitismo).

Doenças não transmissíveis

As doenças não transmissíveis, também conhecidas como “não infecciosas”, por não serem causadas por agentes patogénicos, são cada vez mais importantes para a saúde pública e podem ter natureza crónica. Entre elas estão as doenças autoimunes, doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose, cataratas, pedras nos rins, anemia, obesidade, alzheimer e outros problemas mentais.

Em África a situação é preocupante por falta de medidas preventivas adequadas e de tratamento especializado que algumas dessas doenças requerem.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, cerca de 70% das mortes têm como causa doenças não transmissíveis. Embora algumas tenham origem genética, outras estão associadas à pobreza, como a anemia (deficiente acesso a uma alimentação adequada, agravada por falta de informação), obesidade (alimentação desregrada), enfisema pulmonar e bronquite (associado ao consumo do tabaco), a hepatite ou cirrose hepática (provocada pelo alcoolismo). Outras estão ligadas a degradação ambiental, poluição do ar e dos cursos de água, intoxicação com metais pesados, material radioactivo e agroquímicos.

Zoonoses

As zoonoses são doenças transmitidas dos animais vertebrados para as pessoas, e vice-versa. Os agentes patogénicos em causa podem ser vírus, bactérias ou parasitas. Considerando que em África o contacto com os animais é íntimo e inevitável (animais de estimação e de consumo), as zoonoses representam uma ameaça real.

Devido à fraqueza dos mecanismos de vigilância sanitária na cadeia de valor dos alimentos em África, a tuberculose bovina, a salmonela, a listeriose, e a campilobacteria representam preocupações constantes. A raiva, por seu turno, faz muitas vítimas mortais todos os anos, pois o diagnóstico e tratamento em humanos é difícil e oneroso. Requer-se uma estratégia de vacinação dos animais domésticos, particularmente cães, que representam a maior ameaça relativamente à transmissão da raiva para humanos. A gripe aviária já fez alguns mortos entre humanos, por isso requer o controlo da doença a nível das aves para minimizar o risco de contaminação às pessoas.

Epidemias

No continente, a malária continua uma assassina implacável, causando mais de 1 milhão de mortes por ano; a cólera não só provoca elevada mortalidade, mas também abala as estruturas económicas e sociais; a tuberculose mata em série e representa um elevado custo (agravada pela HIV/SIDA); as diarreias causam numerosas mortes, particularmente em crianças; a poliomielite, a ébola, a febre-amarela e a hepatite B ainda fazem vítimas inocentes e indefesas.

Todas elas são peças fundamentais do ciclo da pobreza. No caso da malária, os resultados dos esforços preventivos, baseados na utilização de redes mosquiteiras, e no combate aos focos de proliferação de mosquitos, são encorajadores, mas carecem de massificação. A busca de uma vacina efectiva gera esperança, mas ainda não se chegou a um resultado satisfatório. A cólera persiste, agravada pela falta de água potável, inexistência de latrinas melhoradas, falta de higiene nos mercados e casas de pasto.

A HIV/SIDA é uma epidemia (elevada à condição de pandemia) preocupante: é transmissível, não tem cura, tem um custo elevado de tratamento, debilita as pessoas e as famílias (crianças órfãs), prejudica a produtividade e promove a exclusão.

A África é o continente mais afectado por este flagelo, com cerca de 26 milhões de pessoas infectadas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde. Novos avanços terapêuticos permitem controlar a doença e impedir a transmissão do vírus da mãe grávida para os filhos, mas estes serviços ainda não foram generalizados no continente.

Factores retardadores

Os avanços dos sistemas de saúde em África são muitas vezes barrados ou retardados por alguns factores. Um deles é o obscurantismo que funciona paralelamente aos sistemas convencionais de saúde. Está muitas vezes associado a práticas de feitiçaria e bruxaria que geram vinganças e ódios. Também promovem mutilações genitais femininas e masculinas, ritos de iniciação, tatuagens em condições precárias, poligamia e exclusão de pessoas deficientes, albinos e homossexuais.

De igual modo, a corrupção e o oportunismo proliferam nas esferas da saúde, promovendo o charlatismo, a vulgarização de clínicas clandestinas (particularmente para a prática do aborto), a “explosão” de farmácias improvisadas comercializando falsos remédios, o tráfico de medicamentos e equipamentos hospitalares, as curas miraculosas por seitas clandestinas, e o “vale-tudo” para a obtenção do dinheiro fácil.

Importa ainda realçar que as guerras e demais conflitos, os desastres naturais e a emigração em massa, estão na origem de algumas epidemias e complicam a equação de combate às mesmas.

Conclusão

Os sistemas de saúde do futuro devem ser concebidos de forma integrada, com toda a sua multissectorialidade, tendo como esteio um conjunto de medidas preventivas: Combate à pobreza, boa alimentação (pois o preventivo e medicamento mais genérico é a alimentação), infra-estruturas adequadas, legislação, informação, formação e educação sobre práticas e hábitos saudáveis, acesso a água potável, saneamento, combate aos vectores e vacinações. Isso requer lideranças fortes e colaboração de todos, particularmente da sociedade civil.

 

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