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“O momento que atravessamos no país é frutífero para a escrita”

Às 18h desta quarta-feria, Álvaro Taruma lança o seu segundo livro. Intitulado Matéria para um grito, publicado sob a chancela da Cavalo do Mar, o mesmo será apresentado por Lucílio Manjate e António Cabrita, no Camões, cidade de Maputo. A propósito desta nova viagem pelo universo da poesia, o poeta cedeu esta entrevista, na qual abre a porta dos bastidores da sua oficina literária ao mesmo tempo que assume: “O momento que atravessamos no país é frutífero para a escrita”.

 

Tem-se dito que o parto de um livro é doloroso. No caso de Matéria para um grito, foi tão doloroso quanto o de Para uma cartografia da noite?

Acho que este foi mais doloroso porque a escrita que marca Matéria para um grito é muito mais carnal e pessoal. No caso de Para uma cartografia da noite, os textos foram fazendo o livro. Neste caso, o processo foi diferente.

O que distingue os dois processos?

O ambiente à volta e a temática, embora no caso dos dois livros a poesia seja intimista. Sinto que em a Matéria para um grito tive que dar mais de mim porque o sentimento à volta foi-me mais penetrante.

Estes gritos que cabem nesta Matéria são de suas entidades ou de entidades que lhe habitaram ao longo da escrita?

Diria que é híbrido, no sentido em que há uma áurea biográfica e presença da consciência do que ocorre na nossa sociedade, do que atravessamos. Temos no livro experiências pessoais e retratos de outras pessoas.

Quis que essas entidades surgissem com alguma resignação?

Diria que sim, mas é sempre complexo a produção do livro. A verdade é que há momentos diferentes, como a tentativa de trazer a esperança por dias melhores. Ora, há também momentos mais combativos, em que o sujeito está totalmente resignado e diz “pronto, vamos à luta, temos que gritar. Matéria para um grito é uma invocação ao anti-silêncio, no sentido de termos que exprimir tudo o que escondemos por detrás da cortina do silêncio.

Como é que a síntese das suas vivências quotidianas e como leitor contribuíram para este livro?

Trago neste livro a personificação de Álvaro Taruma. Ao começar a escrita do livro já houve a necessidade de entrar para uma espécie de oficina, na qual apareceu muito de pesquisa do que se escrevia fora do país. Depois da recepção do meu primeiro livro, senti a necessidade de trazer um produto diferente e que pudesse acrescentar valor.

Como foi lidar com essa pressão resultante da recepção do seu primeiro livro?

Tive que ler muito o que a minha geração está a escrever e o que está sendo feito fora, sobretudo a poesia portuguesa, brasileira e polaca; tive que pesquisar e viajar muitas vezes à busca dessa matéria, o que contribuiu para o que o livro é.

Sem deixar de ser o que é, intrinsecamente?

Sim, porque o texto começa da minha carne, com pequenas variações temáticas e estilísticas, produtos das minhas leituras.

Há pelo menos registo de dois estilos neste livro. A escrita em prosa poética e em verso. Por quê?

Tive que não me repetir em relação ao meu primeiro livro. Não quis ficar naquela mancha gráfica, naquela palavra plástica ou poesia de embalo. A minha ideia inicial para o meu segundo livro sempre foi invocar força e rebeldia. Portanto, ocorreu-me mostrar que também posso arriscar numa poesia escrita em estrofe ou em verso, que sei fazer. Feliz ou felizmente, não trago um verso condensado, mas textos, digamos, bem conseguidos.

Ao levar os seus leitores a esta viagem muito apegada à sua carne, aos seus sentimentos, que emoções pretende despertar neles?

Há pequenos temas subjacentes que eu gostaria que os leitores pudessem ater-se. Um deles é a depressão. Tenho estado a pensar muito na depressão e quis trazer este tema para reflectir com as pessoas, também para mostrar que posso escrever sobre temas actuais. Aliás, o momento que nós atravessamos no país é frutífero para a escrita, bem como para todas as disciplinas artísticas. Temos que captar esses momentos e aproveitar para dizermos alguma coisa. O intuito final é tentar consciencializar o leitor para que possa perceber como o país está.

Portanto, Álvaro Taruma é daqueles autores que se constrói na dor do que no sorriso?

Escrevo quando sinto um caos interior. A escrita para mim acaba servindo de catarse e transformação. Escrevo quando estou triste.

Mesmo quando não escreve sobre o fenómeno que lhe entristece?

Sim. O mote para a minha escrita são geralmente momentos sofridos e sombrios. Esses, sim, levam-me à escrita. Não sou de começar um texto apenas por começar. Há sempre um ambiente criado para a escrita. Outra coisa que me tem levado a escrever são os sonhos, no verdadeiro sentido. Daí surgem-me, muitas vezes, 50% dos textos, o que se completa na oficina.

Escrevendo sobre a depressão, aprende a gerir esse estado de espírito?

Aprendi a lidar com a depressão lendo sobre isso, tentando compreender melhor. De qualquer forma, a depressão é sempre um catalisador para a literatura.

Por que lhe é tão difícil gerir a felicidade e transformá-la em algo profícuo para escrita?

Não sei. Se eu fosse uma pessoa feliz, talvez não escreveria.

Ao escrever-se sobre o quotidiano, corre-se o risco de se ser mal compreendido ou, por outra, os textos podem estar refém de um tempo. Isso não lhe assusta?

Não, porque também considero este livro um documento histórico. Não acredito que o que se passa no país vai permanecer estático. Penso que haverá mudanças. No entanto, para se compreender esse momento por vir, teremos que regressar para o que se produziu no passado. Este livro é uma espécie de gravador. De uma ou de outra forma sempre teremos que recorrer ao mesmo.

Quanto custa gritar?

É muito complicado responder à essa pergunta, até porque me traz memórias dolorosas. Enfim, posso dizer-lhe que este livro foi escrito com toda dedicação. Não tem preço o grito subjacente nesta matéria.

Termino dando atenção à dedicatória. Que peso tiveram Adelaide e Zelfa, mulheres muito ligadas a si, na oficina desta Matéria?

Eu tive uma ruptura, em termos de relacionamento, com a Adelaide, minha mãe. Quando o relacionamento retornou de forma saudável, surgiram todas as razões para a incluir aqui, como forma de a homenagear por ela ter voltado a olhar-me como filho. A Zelfa há-de ser sempre uma pessoa ligada à minha vida, porque nela aprendi a sentir o amor e a dor de uma separação, diante de uma entrega total.

 

PERFIL

Álvaro Taruma nasceu em 1988, em Maputo. É formado em Sociologia e Antropologia, pela Universidade Pedagógica. É professor, criativo de publicidade e empreendedor social. Está associado ao Movimento Kuphaluxa e à revista Literatas. Agora, é autor de dois livros: Para uma cartografia da noite e Matéria para um grito.

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