O País – A verdade como notícia

O golo que NÃO meteu o árbitro

A gente, às vezes, tem mais medo das palavras do que dos actos.
Mia Couto e José Eduardo Agualusa

 

Aurélio, tens cá uma capacidade de atribuir títulos sugestivos aos teus livros: De medo morreu o susto, As hienas também sorriem ou, já agora, O golo que meteu o árbitro. Espectacular! Este último, inclusive, parece-me mais intrigante, afinal, embora o árbitro faça parte do jogo, por exemplo, de futebol, não é suposto que ande por aí a marcar golos. Mas apenas o título faz todo o sentido. Há por cá tipos que definem as regras do jogo que vão apitar (muitas vezes inclinando o campo a seu favor), arbitram e ainda querem marcar golos.

Como diria Saramago, para um bom entendedor meia palavra sobra. Todavia isso não é o que eu quero que aconteça neste texto. Sem sobras, digo-te directamente, as tuas acções e, agora, os teus posicionamentos revelam que és esse tipo de árbitro ou de árbitro-jogador capaz do inimaginável para ganhar. Felizmente, não o Prémio BCI de Literatura para melhor livro de 2019. Esse tinha mesmo de ir para O menino que odiava números, e está bem entregue. Quer dizer, bem entregue para alguns, porque uns e outros estão em chamas de tanta irritação. Se passam perto de uma bomba de combustível, meu Deus, só Ele sabe o que pode acontecer.

Deves saber, li o teu texto, “Uma palavra em torno da minha saída do Prémio BCI”. Confesso-te, gostei. Foi bom sentir o teu aborrecimento e necessidade de te justificares. Mas julguei que irias acrescentar alguma novidade em relação ao que já me tinhas dito no dia do anúncio do vencedor do prémio, naquela tarde em que, falando sem tréguas, vieste com a ladainha de que eu nem deveria criticar a iniciativa da AEMO por não ser filiado, lembras-te? Ficou claro. Não soubeste lidar com a crítica, conversar ou debater ideias de forma educada com quem sempre dirigiu-se a ti com um sorriso no rosto. Carrancudo, preferiste fazer parte dessa gente que nem mostram os dentes num sorriso, mesmo a seguires cegamente as ideias de Solânio. Contigo é mesmo na onda da zanga, do bom afinal mal perdedor. E ainda nos vens com essa de que “ser escritor não é apenas escrever e publicar livros, é acima de tudo uma questão de atitude que se deve ter ao longo da carreira”. Os meus amigos do Xipamanine e Chamanculo diriam sinceramente… Ou compreendeste mal o White ou então subvertes os ensinamentos do poeta. Neste momento não me pareces o escritor mais indicado para falar de atitude. Logo tu, Aurélio… a estas alturas com um narcisismo exacerbado a roçar a petulância. Tudo isso por causa dos 200 paus? Para quem tem a convicção de que os prémios não determinam o êxito e/ou o fracasso de um escritor fizeste um excelente trabalho nesta edição do BCI de Literatura, ao promovê-lo ao mais alto nível na mesma proporção que o teu livro. Nunca antes tinha visto um escritor a apostar em tantas frentes na promoção de um prémio literário e do seu título. Enfim… Felicito-te pelo trabalho.

Criticas-me por ter publicado um texto sobre o BCI de Literatura na véspera do anúncio do vencedor. Curioso, igualmente na véspera, vi um belíssimo prefácio de Saga d’ouro na página do Notícias, que meses antes tinha sido publicado n’O País. Não há nenhum problema aqui. Já estou a ver, coincidências apenas. Do meu lado, ó Aurélio, não houve interesse dessa coisa a que chamas abalar a decisão do júri. A minha pretensão foi ao contrário disso, no entanto sem a vaidade de refilar contra os políticos ou de importar politiquices para o mundo das artes. Entre nós, quem tem essa capacidade és tu, camarada escritor (ou preferes confrade?). Lembro-te, ainda há pouco tempo andavas pelos corredores do Ministério da Cultura e Turismo. Escada para ali, escada para lá. O árbitro que NÃO meteu o golo não deve ter-se esquecido disso. E não esqueceu, certamente. Das duas, uma, ou o super Collina quer cuspir na fonte onde matou a sede ou quer é sujar a fonte por lá não ter continuado. Coisa feia! Com a tua idade devias eras estar a ensinar os mais novos como White fez contigo. Se tivesses sido um bom aluno… Não foste! Então não me venha com essa contra-informação refém de uma arrogância crassa, com generalizações excêntricas aos jornalistas, quando os que estão em causa no debate são somente leitores. Cuidado!

Depois, por teres ajudado a criar prémios na AEMO não faz de ti o Dono Disto Tudo como queres transparecer. Na verdade nem deverias ter falado disso e tão-pouco dessa cena de se estar a tentar mergulhar o BCI de Literatura numa infâmia. A torto ou a direito a intenção é tornar o prémio melhor, com a convicção de que a iniciativa e a própria AEMO são partes de todos os moçambicanos. Associados ou não. A AEMO É um património nosso, Aurélio Furdela, à semelhança da literatura. E a esse património quero bem. Se como um simples vogal já tens uma postura possessiva em relação à Associação dos Escritores, não quero imaginar no dia que fores eleito Secretário-Geral. Minha vida! Nossa, como diriam os brasileiros.

Ah, outra coisa. Se, no passado, tipos como eu não bradaram em relação à distinção de um livro do Mia e/ou depois do Ungulani, tendo-o feito agora em relação a ti, deves procurar compreender as razões (a propósito, eles estiveram tão implicados na definição dos livros que poderiam concorrer, como tu estás?). Precisas de uma introspecção. O segredo é estares em paz, sem o peso de consciência que encarcera as pessoas. Quero muito o teu bem, Aurélio. Preocupo-me contigo. A valer, gosto de ti. Por isso digo-te: tens de esconjurar as mágoas, os teus fantasmas, e investir mais na purificação interior. Não te deixes contaminar com a cólera de GatsiRucere, esse personagem de A noite e Saga d’ouro que te valeu o 10 de Novembro, em 2017, e Eugénio Lisboa, em 2018.  

Ao replicares este texto (sei que não vais resistir em ficar em silêncio, por isso ser “só louvável numa língua de vaca fumada”. Por favor, não demores), gostaria de te sentir mais leve, sossegado e amigo dos teus amigos. Se não conseguires ficar tranquilo, não há problema. Ficas já a saber que também gosto da tua cara aborrecida. É inspiradora. E os escritores como tu, parece, são muito produtivos quando estão contrariados.

Já agora, parabéns por teres retirado o Saga d’ouro da lista dos livros candidatos a melhor do ano. Seja qual for a justificação que quiseres dar a isso, foi um gesto interessante.

Neste momento final desta troca de palavras personalizadas, em jeito de até já, ocorre-me apenas mais uma coisa, senhor árbitro-jogador. Como os miúdos lá do bairro têm dito em circunstâncias idênticas, fica um conselho, tu precisas muito para baixar esse nervosismo e aprender a marcar golos bonitos: “agarra uma calma”.

 

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