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O fim do poema em Lica Sebastião

 

                               Uma palavra não diz nada, mas, ao mesmo tempo, esconde tudo

       in Man on fire, Tony Scott      

 

A palavra, em Lica Sebastião, é azagaia, e, como se impõe, potente. Cortante, algumas vezes, e confortante, quase sempre, aquele elemento linguístico é a concretização subtil de uma maneira humilde vs competente de se viver a poesia. O avesso das palavras, colectânea constituída por 47 poemas, é uma constante reafirmação do que esta artista vai-se tornando a cada livro lançado.

Como nos sugere um personagem inventado pelo realizador inglês, Tony Scott, no filme Man on fire, uma palavra não diz nada, mas, ao mesmo tempo, esconde tudo. E, ao esconder, nesse processo de transferências de significados indispensáveis à versificação, O avesso das palavras torna-se terra por desbravar, plenitude por alcançar e alguma coisa por compreender. Temos estas situações misturadas no novo livro de Lica Sebastião, no qual os sujeitos de enunciação fragmentam-se para exprimir sentimentos, logo nota-se, gerados em momentos diferentes. O verso é, em Lica, um desabafo, subterfúgio para aniquilar inquietudes particulares e propor caminhos que levam à percepção, contestação. Por isso, no primeiro poema, há uma comparação entre a palavra e a roupa num jogo formado com o intuito de se separar o essencial da vaidade fortuita. É compromisso da poetisa, logo à partida, destacar a força da palavra – em detrimento dos excessos tangíveis, representações da vaidade –, afinal basta apenas uma para curar, esquartejar e destruir: “Uma palavra do tamanho de uma gotícula/ pode envenenar o oceano do entendimento” (p. 28).

N’O avesso das palavras há diversas finalidades que cabem aos textos, como o de exprimirem desejos (poema 5), repulsa à barbárie dos homens (poema 10) e o protesto ao efeito tristonho de uma espera (poema 14) eternamente adiada: “Quantos dias contei/ pelos dedos das minhas mãos/ o tempo que faltava ainda/ para te ver chegar” (p. 14). Com versos como estes, Lica mantém inabalável uma convicção: de facto a “A poesia é a aventura das emoções” (p. 22), neste livro, com impossibilidades ou incapacidades (poema 21), alertas (poema 31) e resistência, sem essa de acertar o passo (poema 37) para estar ao nível da maioria. Talvez, como Knopfli, Lica prefira as minorias, com o seu grito negro antes de tudo.

Este parece um livro de escrita espontânea, ora sugerindo as emoções da autora existencial, ora desprendendo-se de qualquer associação a esse respeito. Além disso, sente-se que este avesso é produto de estados de espírito assimétricos. Logo, é natural notar-se que os poemas não estão acentuadamente conectados entre si de modo que valham tanto em conjunto sólido.

Sem estar ao nível do seu livro anterior, de terra, vento e fogo – belíssima colectânea de poesia lançada pela editora Kapulana do Brasil, em 2015 –, O avesso das palavras não deixa de mostrar que Lica Sebastião é uma autora com enorme potencial poético. Em autores como Lica a poesia não precisa de grandes circunstâncias para acontecer, pelo contrário, emerge de qualquer nada. Deve ser essa uma razão aceitável para que neste quarto livro seu a simplicidade do enunciado e das consequências daí derivadas estejam preservadas.

Portanto, nesta pequena obra, de leitura breve, Lica Sebastião não apresenta o melhor de si nos poucos poemas que a constituem – poderia ter escrito mais –, mas deixa-nos com o que importa: a poesia como um fim que nos leva a muitos princípios.

Título: O avesso das palavras

Autor: Lica Sebastião

Classificação: 13

 

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