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Maputo e Acra unem-se com foco na diplomacia económica

“Não enfrentamos nem o Oriente, nem o Ocidente: enfrentamos o futuro.” Esta é uma das frases famosas de Kwame Nkrumah, pan-africanista ganês, que está a ser relembrado este ano, 50 anos depois da sua morte. Essa é a visão reeditada pelos Presidentes de Moçambique, Filipe Nyusi, e de Gana, Nana Akufo-Addo que esta segunda-feira estabeleceram as primeiras relações diplomáticas formais ao assinarem o acordo de cooperação bilateral e o de supressão de vistos em passaportes diplomáticos e de trabalho.

É histórico o gesto, porque, apesar de Gana ter apoiado a Frelimo enquanto movimento nacionalista na década de 60, depois de alcançar a independência nacional, Moçambique não estabeleceu relações diplomáticas, por isso, em Acra, não existe embaixada moçambicana. Todavia, se do passado vivem os museus, os dois Chefes de Estados e de Governos unem-se com uma visão voltada para o futuro e um futuro de cooperação económica.

“Os africanos já estão a ter consciência de que precisam de cooperar entre si. É por isso que estas fronteiras estão a ser arrebentadas para podermos fazer isso. Mas não basta. É preciso produção. Uma das coisas que vamos fazer é colher a experiência ganense de culturas de exportação. O nosso projecto SUSTENTA está a produzir, nesta fase, mais focado para a segurança alimentar, mas temos que pensar”, avançou o Presidente moçambicano, numa realidade marcadamente díspar: enquanto Moçambique ainda luta para produzir para fazer face à fome a nível interno, Gana e Costa do Marfim (vizinhos) produzem ambos 60% do cacau consumido no mundo, tornando-se numa das experiências de uma commodity relevante na balança comercial daquele país da África Ocidental.

Na indústria extractiva, Gana é uma potência mundialmente reconhecida na exploração de ouro. Aliás, antes de ser Gana, chamava-se “Costa do Ouro” e, por outro lado, desde 2010 que se lançou na indústria do petróleo depois da descoberta de grandes reservas na sua costa do Oceano Pacífico, em 2007.

Do outro lado de África, no Oceano Índico, Moçambique procura iniciar a extracção de gás natural em grandes quantidades na bacia do Rovuma, procurando, com efeito, buscar experiências de gestão para alavancar a economia e o desenvolvimento social.

“Eles têm experiência na área de mineração e, sobretudo, o conteúdo local. Então, queremos colher essa experiência para empoderar os nacionais, jovens, para poderem produzir, porque, enquanto não produziremos, não podemos falar de equilíbrio. Vamos continuar a importar ovo, galinha, etc.”, argumentou Nyusi, no discurso feito no palácio presidencial da República do Gana, em Acra, depois da recepção com honras de Estado, por ocasião da visita oficial de três dias.

O poeta luso-moçambicano Rui de Noronha escreveu, num ano que se desconhece, o poema que termina com a frase “África, surge et Ambula”, locução latina que significa “ergue-te e anda”.

Nana Akufo-Adoo está ciente do papel que o seu predecessor Kwame Nkrumah jogou para a criação da unificação de África. Apesar de reconhecer que o continente negro é rico em recursos naturais e energéticos, vê na industrialização e na valorização dos produtos locais como chave para se alcançar o desenvolvimento conjunto outrora sonhado.

“Precisamos de escalar o desenvolvimento industrial dos nossos países para que possamos ter os produtos necessários para exportar. Então, para mim, é um quadro prático e, com o nosso apoio, podemos assim aproveitar as oportunidades e as forças dos nossos países. Devemos galvanizar a indústria para produzirmos para nós próprios”, defendeu Nana Akufo-Adoo.

A integração económica de África está aos poucos a tornar-se numa realidade, mas, a bem da verdade, o caminho a percorrer ainda é muito longo.

Lembre-se que há quatro anos desde que os países africanos assinaram, em Kigali, no Ruanda, o tratado que cria a zona de comércio livre. Mais uma vez, Gana assume um papel relevante neste aspecto ao acolher, há dois anos, o Centro Africano da Zona de Comércio Livre, cujo secretariado trabalha para a materialização da eliminação de barreiras para que haja, efectivamente, no continente africano, a circulação de mercadorias e pessoas com o fim único de criar uma economia centrada na produção, transformação e distribuição dos produtos no mercado africano.

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