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“A GREVE DOS MENDIGOS”: um manifesto político em prol dos pobres

O livro “A Greve dos Mendigos”, de Aminata Saw Fall, é uma obra literária que tem o pendor de levar o leitor a uma reflexão em relação a forma como as cidades africanas são dominadas por uma política neocolonial, em que os negros são escravizados pelos seus semelhantes. Um texto que nos remete também a reflectirmos sobre o sonho de liberdade que todos os seres humanos, especificamente africanos, desejam.

O livro foi publicado no Senegal, em língua francesa, em 1979. Em 1986 saiu a versão em inglês, em 2000 foi adaptado ao cinema pelo realizador Cheikh Cissoko e em 2019 foi publicada a sua versão em português pela editora moçambicana Ethale Publishing.

Um livro de leitura leve e divertida que me permitiu observar que várias questões levantadas têm acompanhado o quotidiano de muitas cidadãos africanos. O livro fala de mendigos espalhados pela cidade, interpelando os utilizadores das vias públicas, pedindo esmola, o que chega a causar nalgumas vezes incómodo e repulsa aos citadinos, devido à sua aparência e odor.

No livro são igualmente feitas, interpretações por algumas elites, sobretudo políticas sobre as consequências que esta gente pode trazer para a economia da cidade, tendo em conta que as cidades dependem também do turismo e do investimento estrangeiro, levanta-se a questão de ser necessário manter as cidades limpas e organizadas, ou mais desejosas retirando todos os obstáculos que afectam o brilho da cidade, para a tornar mais atraente. “É preciso livrar a cidade destes homens – sombras de homens melhor dizendo… A Cidade exige ser limpa destes elementos” (2019:11).

Além disso, o livro nos remete a reflectir também sobre como todos podemos influenciar na tomada de decisões políticas relativas à organização da cidade, homens, mulheres, ricos e pobres. A grande preocupação das elites políticas conforme retratadas neste livro, era de que os mendigos estavam a colocar em causa o turismo, a livre circulação do “cidadão de bem”, e isso estava a reflectir-se na economia.

A autora faz uma reflexão, por meio de ficção, sobre como em África também acontece a violação dos direitos humanos fundamentais com a justificação de manter a ordem e tornar os espaços públicos mais agradáveis, expulsando os mendigos ou qualquer outros elementos ou pessoas para bem longe da cidade, que possam colocar em causa estes objectivos. Temos também reflectido nesta ficção o hábito de muitos representantes políticos, que fazem o uso abusivo do poder para realizar interesses individuais em detrimento dos colectivos.

A meu ver, a autora também traz neste livro uma ideia da capacidade que as mulheres têm de participar na esfera pública, apresentando ideias sobre como gostariam que as coisas fossem conduzidas na sua cidade, trazendo uma personagem mulher que coloca em causa as ideias de Kéba (outra personagem com a missão de retirar os mendigos da cidade), questionando-lhe sobre os problemas que poderiam advir desta vontade de limpar a cidade destes homens tidos pelas elites como repugnantes.

Além destas ideias, creio que o livro demonstra também que as mulheres são dotadas de capacidade de participar na política apresentado seus pontos de vista sobre como deveriam acontecer as intervenções de mudança nas cidades. E através deste livro a autora apresenta, através de uma ficção, as suas críticas em relação aos factos que acontecem na sua cidade, sendo essa uma das motivações que lhe fez escrever este livro, como ela refere em  entrevista concedida em Janeiro deste ano à revista Literatas – “O que inspirou-me foi ter notado mudanças na minha sociedade em relação as necessidades das pessoas”.

A autora chama atenção em relação a algumas decisões políticas, que muitas vezes são tomadas apenas para agradar ou acomodar os interesses privados das minorias, ao invés de pensar no bem comum, referindo-se a como estas decisões podem afectar ainda mais o desenvolvimento da própria cidade ou acarretar consequências que podem colocar em causa o seu equilíbrio em geral. Por isso, no final o livro descreve uma situação em que os mendigos são solicitados a regressarem para a cidade, pois eles eram também parte da cidade que despertava interesse aos turistas e investidores estrangeiros.

 

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