O País – A verdade como notícia

Niassa: do grande potencial à pobreza extrema

Do alto, a bordo no Embraer 190 da companhia de bandeira, em aproximação ao aeroporto de Lichinga (a capital provincial), uma imagem chama atenção: quase 80% das ruas e avenidas que ligam o centro da cidade e os bairros adjacentes são de terra (vermelha natural e não saibro).

Já em terra, a chefe da equipa de tripulação anuncia num timbre fino, mas esbelto: “atenção tripulação, desarmar as mangas e abrir as portas”. Uma lufada de ar frio dá-nos as boas-vindas à Lichinga, a cidade mais fria do país.

Não é preciso muito esforço para testemunhar o que todos que conhecem Niassa dizem…a terra do feijão. No mercado central de Lichinga encontra-se uma variedade. Do feijão manteiga ao preto, no meio há mais uma coisa de quatro tipos diferentes que conquistam gente de longe. “Pessoas de Maputo, da Beira, de Tete, de Nampula, comprar aqui”, anuncia com sorriso largo Maria Muapezar, uma das vendedeiras.

Mas qual é o segredo por detrás da fama do feijão de Niassa? A resposta encontramos no mesmo local com outra Maria, desta feira Chissuce: “este feijão é muito comprado porque não tem muitos químicos, não pusemos adubo e é saboroso”.

Para além do sabor, o feijão é uma das principais fontes de rendimento dos camponeses que nas últimas três épocas agrícolas estão a aumentar a produção. “Na campanha 2015/16 tivemos cerca de 144 mil toneladas e na campanha 2016/17 tivemos cerca de 250 mil toneladas”, esclarece Justino José Simbo, substituto do director provincial de Agricultura e Segurança Alimentar no Niassa.

Uma lata de 18 kg sai a 400 Meticais (equivalente a USD 8). O feijão preto é o mais caro, custando neste momento 500 Meticais a mesma medida.

Nos últimos anos, o noroeste de Moçambique (posição geográfica de Niassa) tem se lançado no cultivo do morango. O senhor Mateus é um dos agricultores de referência no distrito de Lichinga, com uma área total de 8 hectares. Em períodos de pico colhe 200 kg por dia. Mercado não é preocupação…

“Quando tiro tenho clientes que levam do aeroporto para Maputo, o resto vendo no mercado central. Cada quilo vendo por 100 meticais”.

O rendimento até podia ser superior. Todavia, as técnicas que os agricultores usam são tradicionais. “Com as técnicas melhoradas o rendimento seria de 30 toneladas por hectare. Da maneira que eles produzem apenas conseguem 25 toneladas por hectare e eles vendem o quilo a 100 meticais. Falando de 30 toneladas estaríamos nos 3 milhões de meticais”, explica a directora de Actividades Económicas no distrito de Lichinga, Ema Saíde.

Tanto o feijão como o morango não têm certificação e muito menos processamento industrial no Niassa, o que logo limita o acesso aos grandes supermercados e até mesmo ao exterior.

A Fundação Malonda até iniciou com o processamento, empacotamento e estampagem do selo “Feijão do Niassa”. Em 2015 quando se inaugurou a unidade, o recém-substituído governador provincial Arlindo Chilundo via um caminho para eliminar o que mais graça Niassa: “nós temos que produzir mais, porque isso vai-nos ajudar também a combater a pobreza. Não só nos nossos lares, mas também ao nível da província”.

Entretanto, três anos depois, a pequena fábrica trabalha a meio gás. Em contacto com um dos responsáveis, ficamos a saber que a mesma está com problema de liquidez financeira porque muitas instituições, incluindo do Governo, levaram o produto e “não pagam”.

Dito de outra maneira – a província com um enorme potencial está a braços com a pobreza. Os números do último Inquérito ao Orçamento Familiar (IOF 2014/15) do Instituto Nacional de Estatísticas falam por si: Niassa é a província que mais gasta com produtos alimentares por pessoa (estimou-se em 686 meticais); apenas 4,7% dos agregados familiares têm acesso a fontes de água canalizada para beber e 88% dos agregados familiares vivem em casas com cobertura de capim.

“Estamos empobrecidos, não somos pobres porque temos recursos, mas os recursos enquanto não forem explorados, então não temos nada”, sentencia Santos Calisto, um dos “niassenses” mais activos.

Através da música, o activista social e vocalista principal da banda Massukos (de Niassa) lembra que grande parte da população daquele pedaço do país vive de “ntolilo” – a folha da rama de batata-doce que deu título a uma das músicas do primeiro álbum que viralizou em todo o país nos anos que lá se vão.

“A ideia da canção é que, ok, tu estás lá em cima, estás muito bem, tens boa vida, comes camarão, carne de vaca, bife, presunto, mas o pessoal que está aqui em baixo vai comendo ntolilo que é o caril mais fácil de apanhar. Entretanto, o dia que caíres vais encontrar aquilo”, desbobina Santos Calisto, com um semblante que carrega um misto de sentimentos: orgulho de ser de Niassa, só que também o recalque de viver numa província “esquecida”.

E se as potencialidades fossem tudo, Niassa seria dos sítios mais ricos. Tem carvão mineral em Maniamba, ouro em Lupilichi e grafite em Nipepe. Por agora, o ouro é explorado por pequenas associações e um batalhão de garimpeiros ilegais. A grafite está na fase de prospecção.

Quando se fala de industrialização do país, em Niassa isso é uma falácia. Apenas agora é que está em construção a fábrica de cimento em Chimbonila. O resto é uma província sem indústria como tal.

 

Partilhe

RELACIONADAS

+ LIDAS

Siga nos