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“Não haverá país no mundo completamente preparado para lidar com COVID-19”

O ministro da Saúde reitera que em Moçambique ainda não há registo do novo Coronavírus (COVID-19). Considera este vírus é altamente contagioso de tal sorte que “provavelmente não haverá país no mundo que esteja completamente preparado para lidar” com ele. Em entrevista ao “O País”, Armindo Tiago diz que a prevalência da hipertensão arterial, das doenças cardiovascular, da diabetes e do HIV é alta no país constitui factor de risco para os doentes que eventualmente forem infectados pelo COVID-19

 

Moçambique não tem registo do COVID-19, mas deve se preocupar e já tomou medidas. O que é que nos leva, de facto, a nos preocuparmos com este vírus?

Queremos agradecer, em nome dos profissionais da Saúde, por estarmos aqui para partilhar o pouco que nós sabemos sobre o assunto. Estou a dizer pouco porque devemos reconhecer que o COVID-19 é uma doença nova, reportada na China, nos finais de Dezembro, e tudo o que nós podemos fazer e falar é sobretudo de uma doença que tem menos de quatro meses no mundo. Por que é que devemos falar, constantemente, do COVID-19? Em primeiro lugar, porque quando o surto surgiu na China nunca se tinha pensado que haveria uma evolução como a que estamos observar hoje. A evolução saiu de surto para epidemia e hoje estamos numa situação de pandemia. A maior razão pela qual devemos falar do COVID-19 é, essencialmente, por causa da sua capacidade de se transmitir de pessoa para pessoa e o risco que ele coloca para o aumento do número de casos e da mortalidade. Portanto, falar desta doença é para garantir que nós todos conheçamos o vírus, as formas de transmissão e, sobretudo, devemos estar claros enquanto às medidas de prevenção.  

 

E conhecendo estes efeitos devastadores do COVID-19, que capacidade temos, como país, de lidar com este vírus que já pôs em xeque até países com o melhor sistema de saúde que o nosso?

Muito provavelmente não haverá país no mundo que esteja completamente preparado para lidar com o COVID-19. Em Moçambique podemos dizer, pelo menos até agora, que não temos caso confirmado da doença. Nós, como Ministério da Saúde, como Governo, temos um conjunto de medidas e elementos que constituem a nossa preparação para lidar com a pandemia. Esse conjunto de medidas começa com o nosso plano de contingência para lidar com as emergências. O Ministério da Saúde tem um plano geral para lidar com qualquer tipo de doença. Este plano, sempre que possível, é modificado para atender as especificidades da emergência que estiver em causa. Neste momento, em relação ao COVID-19, este plano já foi modificado, apresentado publicamente aos parceiros e, eventualmente, já está orçamentado tendo em conta quanto dinheiro é necessário na globalidade, quanto já existe e quanto dinheiro será necessário adquirir a partir dos parceiros. Nós fizemos uma reunião com os principais parceiros de cooperação. Todos eles prontificaram-se a apoiar este plano de contingência apresentado pelo Ministério da Saúde e, eventualmente, estamos, neste momento, a apresentar o plano aos diferentes parceiros para a aprovação das principais componentes que ele tem. Para além do plano de contingência, a preparação também inclui a existência de um grupo multissectorial. Primeiro envolvendo grupos técnicos do Ministério da Saúde com outras áreas, mas também envolvendo diferentes ministérios dentro do Governo de Moçambique. Nós também estamos a envolver os parceiros privados na área da saúde, para que estejamos todos preparados para esta eventualidade. 

 

O ministério já assumiu ter capacidade para tratar pelo menos 100 pacientes com COVID-19, se este virus eclodir no país. No plano traçado tiveram em consideração um plano B, caso o número venha a evoluir? 

Não. Não dissemos que tínhamos capacidade para tratar 100 doentes, porque a capacidade para tratar está lá. O tratamento do COVID-19 é sintomático, que depende de dar essencialmente analgésicos ou antipiréticos. O que nós dissemos foi que tínhamos capacidade de diagnóstico e, eventualmente, o conjunto de materiais de protecção individual relativa ao pessoal envolvido no tratamento de doentes. Em termos de diagnóstico, também dissemos que temos uma capacidade para dois mil kits. Portanto, a nossa capacidade e preparação para o COVID-19 vai aumentando, de forma progressiva, em função do nosso plano de contingência.

 

Tendo em conta a velocidade com que este vírus infecta as pessoas e olhando para outras realidades como a China e Itália, que projecção o país faria para um cenário pior?

A nossa visão como Ministério da Saúde e como Governo é não chegarmos a essa situação, em que a nossa capacidade de resposta seja menor do que a demanda.

 

A Itália também tinha esse desejo.

Exactamente. Nós estamos a aprender dos países que actualmente têm COVID-19. A nossa visão é multiplicar por 100, nos próximos tempos, a capacidade de diagnóstico que nós temos e garantir que haja condições necessárias para atender o COVID-19. No nosso plano inicial, a título de exemplo, tínhamos planificado usar tendas para o isolamento de doentes graves. Analisámos e chegámos à conclusão de que muito provavelmente as tendas não têm condições para esse tipo de resposta. Modificámos no nosso plano e identificámos edifícios que poderão servir de centros de isolamento de tratamento de doentes com COVID-19. É claro que temos desafios, alguns relativos a meios de transporte. Queremos ter, e estamos a pedir ao sector privado, ambulâncias específicas para o COVID-19. Não podemos misturar ambulâncias para o serviço normal com aquelas que forem colocadas para os doentes da pandemia. Estamos em processo com os nossos parceiros para que no mais curto tempo possamos ter essas ambulâncias disponíveis.     

 

Senhor ministro, estamos a olhar para os factos com muito optimismo. Se tivermos uma situação em que o sistema nacional de saúde não seja capaz de receber mais doentes, que medidas recomendaria às famílias que tivessem doentes em casa?

Acho que é fundamental fornecer a informação sobre como vai se processar o atendimento aos doentes em caso de episódio com Coronavírus. Em geral, as infecções por Coronavírus, 80% deles são casos leves, de acordo com as directrizes da Organização Mundial da Saúde. E de acordo com a experiência de outros países todos os casos relativos a doença leve não devem ir ao hospital. As nossas mensagens são claras nesse sentido. Os nossos doentes ficam em casa e têm linhas telefónicas abertas 24h/dia e são atendidos por médicos para dar resposta a eventuais questões que esses indivíduos possam ter nas suas casas. Os doentes que tiverem sintomas de moderados a grave deverão ir às unidades sanitárias. Se nós cumprirmos integralmente estas directivas, as nossas unidades sanitárias poderão ter um número mínimo de doentes.     

 

Mas quais seriam as recomendações para as famílias com doentes em casa?

Elaboramos um conjunto de directrizes para a quarentena domiciliária. Esta recomenda que tipo de medidas devem ser tomadas para o indivíduo que está em casa.  

 

Não me refiro a um indivíduo com suspeita, mas com sintomas leves da doença.

Ele vai ficar em quarentena dentro de casa. Ó obvio que temos desafios porque depende muito de que tipo de casa o doente estará. O que as directrizes universais dizem em relação a este tipo de abordagem é que o indivíduo em casa deve ficar num quarto separado. Temos experiência de outras doenças em que se recomenda também ficar em isolamento. Uma delas é a tuberculose. Esta, que nós tratamos todos os dias, tem mais ou menos as mesmas recomendações para o Coronavírus. O que devemos fazer que para o indivíduo que tenha COVID-19 é garantir que em casa use uma máscara para impedir expelir gotículas, que são o maior transmissor do Coronavírus. É preciso que a pessoa infectada pelo COVID-19 mantenha uma distância de pelo menos um metro em relação aos outros indivíduos. Deve-se ainda manter, sempre que possível, as janelas e portas da casa sempre abertas para arejar a área. E evitar a partilha de utensílios domésticos, desde o prato, o garfo, a faca, a colher, o copo e todos outros. Lavar frequentemente as mãos e desinfectar os lugares comuns que possam ser eventualmente tocados.

 

Que perigo as pessoas infectadas pelo Coronavírus constituem para a sociedade, numa situação em que num indivíduo com sintomas leves a doença não é previamente diagnosticada, é desconhecido pela Saúde e evolui para óbito?

No sistema de emergência existe um sistema segundo o qual devemos fazer a identificação e o rastreio de tudo que é contacto de um indivíduo que tenha COVID-19. Este é um sistema que deve ser usado em todas as questões de emergência. Todas as pessoas que tiveram contacto com esse indivíduo são rastreadas no sentido de ver se estão ou não infectadas.

 

Mas nós temos capacidade de diagnóstico num indivíduo que perde a vida por Coronavírus sem ter sido diagnosticada em vida?

É possível fazer, após a morte, a colheita das secreções, desde que seja o mais próximo possível da declaração do óbito. E em princípio é possível saber se o individuo tinha ou não COVID-19.    

 

Qual é o grau de fiabilidade dos testes de que o país dispõe?

Alguns países têm dois sistemas de testagem. Têm kits de diagnóstico rápido, mas o teste actualmente recomendado é a reacção de polimerização em cadeia, que deve ser feito num laboratório acreditado. Nós não estamos a recomendar a utilização dos kits de diagnóstico rápido por duas razões: primeiro, são testes produzidos rapidamente, num curto intervalo da evolução da doença, e a sua fiabilidade ainda não é cientificamente validada. Segundo, para esses testes são usados, essencialmente, os anticorpos para determinar se o indivíduo foi ou não exposto à doença. Mas a resposta dos anticorpos pode ser cruzada e apurar se pode ser um vírus da mesma família ou de outra, que ao provocar a gripe possa produzir anticorpos similares. Esse mesmo teste, para o COVID-19 poder ser positivo sem necessariamente ser a doença. Já tivemos alguns casos no país, fomos chamados para testar pessoas que tinham feito o teste de diagnóstico rápido e os resultados eram positivos, mas no teste recomendado pela Organização Mundial da Saúde, para o Coronavírus, os resultados foram negativos.     

 

Um indivíduo infectado pelo Coronavírus podes ser reinfectado pela mesmo vírus?

Teoricamente sim. Um indivíduo infectado pelo vírus teoricamente deve, desenvolver uma imunidade mas não há rigor e prova científica de que essa imunidade seja incapaz de impedir a reinfecção. As outras doenças também indicam essa forma. No caso do sarampo, os doentes recuperam-se mas podem voltar a tê-lo. As pessoas vacinadas contra o sarampo podem voltar a ser infectados. A diferença, na experiência com o sarampo, é que nas pessoas vacinadas contra a doença a reinfecção é mais leve.

 

Não se pode comparar a mortalidades globais em populações com características muito diferentes. Os casos de Hubei, na China, denunciaram que pessoas acima de 40 anos de idade são mais vulneráveis. Em Moçambique quais seriam os factores de risco, idade, género, imunidade ou capacidade global de resposta?

Acho que vai ser todo esse conjunto que fez referência, mas os factores de mortalidade serão idênticos. A única diferença é que nós não temos população numerosa. A nossa esperança de vida é muito mais baixa do que aquela a que fez referência.

 

E a nossa pirâmide etária dá conforto ao Ministério da Saúde?

Não. Porque tem outros factores que poderão contribuir. Por exemplo, a prevalência da hipertensão arterial e da doença cardiovascular em Moçambique é alta. A hipertensão tem uma prevalência de cerca de 40% da nossa população com idade acima de 15 anos, de acordo com estudos, o que quer dizer que já é um peso enorme a presença desta doença. A diabetes mellitus é de 7,4% e, eventualmente, hoje há muito mais porque estes dados são de 2015. Mas temos um factor que compromete claramente a imunidade das pessoas, a nossa prevalência do HIV. Portanto, será um dos factores que agravam a mortalidade em pessoas que forem diagnosticadas COVID-19.  

 

O Coronavírus alastra-se rapidamente no mundo e tem potencial para infectar 80% da população. A sua velocidade depende muito das medidas a serem tomadas e Moçambique já deu esse passo. E algumas são de cumprimento obrigatório. Porque o não cumprimento deve implicar sanções, qual será o fundamento legal?

 

Em princípio, as coisas, às vezes, acontecem de forma estranha. Estamos, neste momento, a preparar a lei de saúde pública e é uma oportunidade para aprová-la o mais breve possível. Mas a declaração do Chefe de Estado, como aquele que foi feita no sábado, constitui um elemento vinculativo. Mas a Constituição da República também diz que o cidadão é responsável por causar da sua própria saúde. Portanto, acho que existem fundamentos legais suficientes para garantir que todas as medidas que estamos a tomar sejam de cumprimento obrigatório. Mas eu costume dizer que o conceito saúde por si quer dizer que a saúde é uma responsabilidade individual, por um lado. Por outro, é uma responsabilidade colectiva. Cada um de nós na sociedade tem papel a desempenhar para manter toda a sociedade saudável. E (…) é papel dos meios de comunicação social dar este conhecimento às comunidades.  

 

Senhor ministro, fez referência à Constituição da República para evocar a responsabilidade dos cidadãos. Mas porque Moçambique é também um Estado de Direito e a Constituição fala, no artigo 72, sobre a suspensão do exercício de direitos. No número 1 diz que as liberdades e garantias individuais só podem ser suspensas ou limitadas temporariamente em virtude da declaração do estado de guerra, de sítio ou de estado de emergência nos termos estabelecidos na Constituição. No número 2 diz que sempre que se verificar suspensão ou limitação das liberdades ou garantias elas têm um carácter geral e abstracto que deve especificar a duração e a base legal em que assentam. É por esta razão que questionava sobre os fundamentos legais da suspensão ou limitação das liberdades sem que haja declaração de estado de emergência porque o contexto provavelmente ainda não justifica. Está-se a trabalhar neste pacote?             

O Estado moçambicanos é signatário de várias convenções internacionais e uma delas é o chamado Regulamento Sanitário Internacional, no qual já estão descritas as condições em que algumas medidas deverão ser tomadas. A 30 Janeiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde, declarou o COVID-19 uma emergência de saúde pública mundial. Esta declaração é per si suficiente para o Estado tomar as medidas que achar convenientes para diminuir a transmissão da doença. Essas medidas são para o benefício das populações.  

 

Isso para dizer que estamos em condições de penalizar quem não cumprir estas medidas?   

Com certeza, devemos fazê-lo. Mas eu vou mais pela medida acadêmica do que pela penalização. Existem muitos países da Europa e outros que não declaram estado de emergência, mas sim, quarentena e quem não cumpre tem penalização. É uma questão do Regulamento Sanitário Internacional.

 

Moçambique é um país muito dependente de produtos importados, quer para a produção, quer para o consumo. Com a evolução do COVID-19 alguns países vêm tomando medidas que já se fazem sentir também na nossa economia. Há depreciação da nossa moeda, registo de inflação e algumas empresas estão num cenário de incerteza, até porque as medidas anunciadas pelo Presidente da República não apontam para uma data de término. O que é que está a ser considerado como medida para controlar os impactos que podem surgir para a economia e o país todo?

A declaração do Presidente da República à Nação diz, claramente, que o Governo vai acompanhar a evolução da situação e poderá alterar as medidas em qualquer altura, o que quer dizer que elas podem ser agravadas se a situação em Moçambique for crítica. Ou podem ser aliviada, se a situação em Moçambique e nos países vizinhos começar a melhorar. A China, o país onde surgiu o COVID-19, nas últimas semanas está a diminuir o número de casos reportados por dia e também está a o número de óbitos. De acordo com os critérios que usamos para quarentena, nas próximas semanas provavelmente a China deixe de fazer partes dos países considerados de alta transmissão. O Governo chinês já suspendeu a quarentena na província que durante muito tempo estava nessa situação. A declaração do Presidente da República à Nação diz também que o Governo está a monitorar continuamente o impacto económico do COVID-19. E fazemos a monitoria semanal da situação (…)

 

Mas que apoio o Estado poderá prestar às empresas tendo em conta que elas continuam com as suas obrigações para com o Estado e para com os trabalhadores, num cenário em que poderão registar fraca ou nenhuma produção?

Eu acho que Moçambique deve encarar esta situação não como um pânico mas provavelmente de oportunidade. O Presidente da África do Sul decidiu fechar alguns pontos de ligação com Moçambique, deixando apenas Ressano Garcia, o que quer dizer que toda a nossa estrutura deve se adaptar tendo em conta que só temos uma fronteira com aquele país vizinho. Em termos de impacto para as empresas eventualmente haverá uma decisão do Governo.

Na declaração à Nação, sobre o Coronavírus, o Presidente da República anunciou o rastreio de todos os cidadãos nos pontos de entrada. Qual é a nossa real capacidade de execução desta medida?

Em todos os pontos de entrada temos pessoas a trabalhar, fazendo o rastreio com o termómetro. Para além do termómetro há uma ficha para os indivíduos que eventualmente forem suspeitos de apresentar sinais do Coronavírus. A filha é preenchida e é com base nela que se faz a quarentena das pessoas que entram no país. (…) Não quero dizer que não haja falhas.

 

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