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Morro sim, mas tu vives!

"Vais morrer?" Perguntou Mujaxihi, meu único irmão, entre aquela multidão de jovens sonhadores. Eu, inspirado pela inspiração de todos disse: se tiver de ser que seja. Mas tu, meu irmão, tu não vais morrer.

Cabelo despenteado, pálido como o rosto, quase a criar uma mata. Calções pretos, com uma forte tonalidade de branco e dois furos à medida das nádegas. Camiseta? Essa só cobria o ombro. Pre-adolescente inocente. Esta é a imagem que ficaria do meu irmão, aliás tinha de ficar, pois só assim eu me esforçaria para, na volta, deixar meu irmão sempre com cabelo penteado.

Mafelatiku está aí? Uma voz feminina e muito suave perguntou, interropendo a conversa com meu irmão. Levantei a mão indicando a minha presença. Dei o último abraço nele. Entrei ao carro com outros como eu, todos querendo tornar-se Messias. Da janela veio outra voz feminina, roca. É a Rindzela que disse: cuida de ti por mim. No meio a gritos idénticos procurei um espaço e também gritei: cuidem um do outro enquanto Mafelatiku não está aí.

Longe de todos e tudo. Vinte e dois anos de idade. Num lugar onde tenho apenas três actividades diárias: orar, treinar e comer. E a única coisa que estava sempre disponível eram as armas e tudo o resto para treino. "Derramar suor em treino para poupar sangue em batalha." Assim falavam os instrutores para que nos entregássemos. E eu, todo empenhado, fazia tudo que me mandassem, acreditando que assim estaria brevemente perto de todos e tudo.

Forte fuzileiro. Dois anos depois. Jovem bem bonito e vaidoso. Soldado que se dá o máximo de respeito. Forte e muito temido entre os da mesma categoria. Ainda sem chance de regressar à casa. Grandes esperanças de novas patências. Um facto. Já com dia e local marcados para o patenteamento. Mas no meio dos preparativos, uma informação: há confrontos militares num dos campos próximos ao quartel. Quem vai à batalha? Fraco fuzileiro.

Uniformizados estamos. Todos com a fúria adquirida durante os treinos. Eu mais confiante que o resto. Primeira vez em guerra oficial. Nosso comandante fala de tal forma que nos enfuresséssemos ainda mais. Mas ele fica. Partímos nós para a batalha. Inimigos aparente e claramente mais experientes que nós. De repente… nem me recordo exactamente do som, mas sei que de seguida eu estava no chão, de onde vos falo e desuniformizados estávamos.  

Vou morrer? Sinto meu sangue misturado com areia. Minha voz misturada com ar denso. Minhas acções resumidas nas vontades. Pessoas desconhecidas juntam-se por mim. Rosto nenhum é-me familiar. Mas todos tornaram-se família. Lutam todos juntos pela minha vida, para que juntos lutemos pela nossa vida e a de todos. Eu não vou morrer.

"Vais morrer?" Recordei-me da pergunta de Mujaxihi, mas me confortava ter-lhes pedido para cuidar um do outro enquanto eu não estivesse lá, ele e a cunhada, minha namorada. E agora, mais do que nunca, eles precisavam honrar este meu pedido, pois, respondendo ao Mujaxihi: Não estava nos planos, mas sim, eu MORRI.

 

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