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Moçambique e Espanha: 40 anos de cooperação e solidariedade

A cooperação bilateral e as perspectivas que esta tem para o futuro foi um dos temas abordados na entrevista que o secretário de Estado para Cooperação da Espanha, que se encontra de visita ao país, concedeu ao O País. Acompanhe este e outros assuntos nesta grande entrevista

Qual é o objectivo da visita de trabalho que vai realizar a Moçambique?

Fui nomeado para este posto, para dirigir a cooperação espanhola, há dez meses, e estou visitando os países prioritários para a cooperação espanhola. Neste momento estamos no processo de elaboração de um novo plano Director (quatrienal) de cooperação espanhola, e quero conhecer em primeira mão o nosso trabalho em cada um dos países prioritários, e desenvolver a relação com os nossos parceiros, neste caso o Governo de Moçambique. Venho acompanhado do Director da Agencia Espanhola para a Cooperação Internacional ao Desenvolvimento, que é o principal doador de ajuda espanhola. Juntos iremos participar num seminário sobre inovação e cooperação, que a Agência está organizando juntamente com o Instituto de Saúde Global e o Centro de Investigação hispano moçambicano da Manhiça, cujo prestígio mundial é um orgulho para a cooperação entre os nossos países.

Além disso, tenho uma agenda oficial, com encontros com Ministros, visitas a projectos, encontros com cooperantes e ONGs espanholas que aqui trabalham, e também com empresários espanhóis presentes em Moçambique. Somos e queremos seguir sendo parceiros, amigos e aliados de Moçambique.

Qual é o nível de cooperação existente entre os Moçambique e Espanha?

Espanha e Moçambique celebram este ano o 40º aniversário da nossa relação. Têm sido 40 anos de cooperação e projectos. Foram muitas as coisas que fizemos juntos: o centro de investigação em saúde de Manhiça, a formação da policia moçambicana pela Guardia Civil, o trabalho de mais de trinta anos de Pescamar…. tem sido, e segue sendo, uma relação multissectorial, que vai mais para lá da cooperação ao desenvolvimento, e em na qual ambos países investimos muito esforço. Temos que iniciar agora uma nova fase dentro do nosso novo âmbito geral de cooperação, mas adaptada aos novos tempos e à nova situação internacional. Queremos seguir desenvolvendo uma relação intensa com Moçambique, benéfica para ambos, e na qual ambos os países sejam capazes de demonstrar publicamente o nosso mútuo apoio.

No que se refere à cooperação ao desenvolvimento, no sentido puramente estrito, e apesar de que são muitos os projectos desenvolvidos, deve-se destacar o nosso trabalho no sector da Saúde, assim como em Cabo Delgado, historicamente a zona de intervenção mais importante da Cooperação Espanhola em Moçambique com um investimento entre 1999 e 2017 de cerca de 77 milhões de Euros em diferentes sectores, destacando especialmente o trabalho realizado junto à Secretaria Permanente Provincial e à Direcção Provincial de Economia e Finanças.

Além disso, foram levados a cabo mais de uma dúzia de projectos com fundos espanhóis em Moçambique nos últimos 15 anos, em diversos sectores da economia, como meteorologia, cartografia, educação e regadio…

E temos outros sectores mais para lá da cooperação entre Estados. Assim Barcelona e Maputo são cidades irmãs há já bastantes anos, e várias Regiões espanholas têm uma intensa cooperação em Moçambique, entre as que se destacam Andaluzia, Galícia, Catalunha e País Basco. Precisamente esta semana irei visitar um projecto de Andalucía com a província de Maputo.

Espanha presta ajuda a Moçambique nas áreas de saúde básica, investigação médica e no reforço administrativo e institucional. Porquê estas áreas?

A Cooperação Espanhola iniciou-se em Moçambique precisamente no sector da saúde, com a chegada das ONG Médicos Sem Fronteiras em 1989 e Medicus Mundi em 1994 ao distrito de Montepuez, na província de Cabo Delgado. Desde então o apoio ao sector tem sido um dos sinais de identidade do trabalho de Espanha em Moçambique.

É importante apoiar o Governo de Moçambique desde uma óptica global nos seus esforços por melhorar o estado de saúde da população moçambicana e em concreto dos mais desfavorecidos. Por tal, desde 2004, Espanha apoia o MISAU através de contribuições ao fundo comum PROSAUDE. Igualmente, e perante a grave carência de especialistas médicos no Sistema Público de Saúde moçambicano, a Cooperação Espanhola iniciou em 2015 uma linha de trabalho directa para apoiar o Ministério de Saúde de Moçambique impulsando o seu sistema de formação médica especializada e na melhoria da qualidade do mesmo.

Por último, cabe destacar a aposta pela investigação médica que Espanha fez em Moçambique, através do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), que tem como objectivo a procura de soluções às principais enfermidades transmissíveis que afectam de maneira específica a Moçambique e aos países em desenvolvimento.

Espanha é um dos países que em 2013 abandonou o apoio directo ao Orçamento do Estado moçambicano. Neste momento que o país atravessa um momento económico difícil devido ao corte de financiamentos por parte de parceiros devido às chamadas Dívidas Ocultas, Espanha não tenciona retomar o apoio?

Gostaria de matizar. Espanha abandonou o apoio directo ao orçamento em 2013, mas regressamos em 2015 e em 2016 fizemos uma contribuição de um milhão de euros ao orçamento. O mecanismo de apoio orçamentário é um mecanismo de diálogo, e nesse âmbito sentimos a necessidade de suspender dito apoio até que não se aclarasse a situação das dívidas. Em todo caso, creio que se deve aclarar que Espanha nunca abandonou Moçambique, e não diminuímos as nossas quantidades de apoio. Antes pelo contrário, nos últimos anos foi-nos possível aumentar as quantias paulatinamente, e acabamos de abrir uma nova linha de trabalho com o programa de aceleração de formação de especialistas médicos, cujo acordo de lançamento espero assinar durante esta minha visita. Estamos agora a prestar especial atenção aos sectores de mais necessidades e de maior impacto social.

As trocas comerciais entre os dois países continuam baixas, Espanha exporta para Moçambique uma média de 20 milhões de dólares e importa 110 milhões de dólares. Que medidas devem ser tomadas para aumentar o volume das trocas comerciais?

Efectivamente, a nossa relação comercial bilateral tem ainda muita margem para crescer, apesar das cifras serem um pouco mais elevadas e para 2017 espera-se um volume de 35 Milhões de dólares.

As cifras não reflectem todo o volume intercambiado dado que existem muitos produtos espanhóis que chegam a Moçambique através de empresas exportadoras portuguesas e sul-africanas. Isto se explica por vários factores. Por um lado, pela estreita vinculação entre as economias espanhola e portuguesa, por outro, porque Portugal conta com um acordo de dupla tributação com Moçambique. Precisamente cremos que, para fomentar o volume de intercâmbio comercial bilateral em curto prazo, uma das chaves é a consecução de um acordo de dupla tributação entre os nossos países. Precisamente por isso este é um dos temas que espero poder abordar com o Ministro de Economia e Finanças.

Cremos, igualmente que a recentemente ratificação do EPA por parte de Moçambique oferece também oportunidades de negócios às empresas de ambos países.

Para incrementar o volume bilateral de intercâmbios, é fundamental um melhor conhecimento mútuo dos nossos mercados e das possibilidades que os nossos países oferecem. A economia espanhola internacionalizou-se e se tem que dar a conhecer Moçambique e a sua economia em Espanha, com o fim de reforçar a sua capacidade de atracção para as empresas espanholas. Existem muitas possibilidades para o desenvolvimento bilateral, e temos que explorar vias para desenvolver essas oportunidades.

Que sectores económicos moçambicanos podem interessar os investidores espanhóis?

As empresas espanholas já estão presentes em Moçambique, no sector da pesca, nos aeroportos, na construção, na energia… As reservas de gás existentes e a sua exploração representam uma oportunidade muito importante para as empresas espanholas e a tecnologia que estas têm e podem oferecer a Moçambique. Também o desenvolvimento do sector agrícola e a indústria agro-alimentar oferece possibilidades. Também os projectos de investimentos, reabilitação e modernização de infra-estruturas e de produção e distribuição de emergia; de comunicações e transportes (estradas, caminhos de ferro, portos, aeroportos); águas, as energias renováveis como a fotovoltaica, que podem contribuir com importantes oportunidades de negócio para as empresas espanholas.

Outros sectores que interessante para a actividade de ditas empresas são o sector de construção e imobiliária (materiais de construção); a produção de cimento, de fertilizantes e combustíveis sintéticos e indústria petroquímica; assim como a oferta de bens e serviços (restauração, saúde, formação, consultoria, etc…).

A sua visita a Moçambique acontece numa altura em que se discute em Moçambique a Descentralização. E Espanha é um país com uma vasta experiência neste domínio tendo até Regiões Autónomas. Que conselho daria a Moçambique de modo a que no seu processo de descentralização evite situações como a que Espanha está a viver na Catalunha?

A descentralização em Espanha, através da Constituição de 1978, outorgou à Catalunha, e ao resto das regiões, um dos mais elevados níveis de autogoverno de praticamente toda Europa. Foi essa descentralização que permitiu que o regime nascido de essa Constituição esteja ainda vigente. E acho que essa descentralização, ao mesmo tempo, ajuda a que o sentimento independentista esteja longe de ser maioritário na Catalunha. Sem descentralização, não teríamos tido a transformação vivida em Espanha nos últimos 40 anos, quase a mesma idade que Moçambique.

As medidas tomadas pelo governo espanhol para evitar a secessão na Catalunha são adequadas?

Trata-se de mediadas adequadas porque são as previstas pela própria Constituição Espanhola para fazer frente a uma situação inédita e ao desafio mais grave que sofrido pela nossa democracia e o Estado de direito nas últimas décadas. Dentro do mais estrito respeito ao marco constitucional espanhol, o Governo propôs ao Senado uma série de actuações em aplicação no artigo 155 da Constituição. E o Senado, com o apoio de mais de 80% aprovou-as.

O Governo actuou e o fez de maneira proporcionada e em acordo com todas as outras forças políticas para a aplicação das medidas adoptadas de maneira progressiva e gradual.

Com estas medidas não se suprime o autogoverno da Catalunha mas procura-se assegurar os direitos e liberdades de todos os catalães e garantir que o Governo e o parlamento da Catalunha voltem à legalidade, ao respeito à Constituição ao seu próprio Estatuto de Autonomia e a trabalhar para o interesse de todos os catalães e não apenas para os independentistas. Já foram convocadas eleições autonômicas em Catalunha para 21 de Dezembro.

Tendo em conta que há de certa forma uma vontade popular expressa através de um referendo e manifestações de rua de uma parte da população daquela região a exigir a independência, o que o governo de Espanha tem a oferecer a Catalunha para convence-la a manter-se unida com a Espanha?

A Constituição de 1978 foi um pacto de convivência que os espanhóis nos demos depois de quarenta anos de ditadura. A grande maioria dos catalães o apoiou. Esse pacto, que inaugurava uma nova era da democracia em Espanha, baseava-se em algo essencial como o respeito de todos, governantes e cidadãos, à Constituição e às leis.

Dentro do âmbito constitucional, todo o debate é possível. Espanha oferece a todos os seus cidadãos a possibilidade de expressar livremente a suas ideias no seio de uma democracia sólida e madura, que consagra o respeito e a proteção dos direitos fundamentais e que integrou na sua sociedade, a traves do trabalho, dos serviços sociais e da educação, a mais de cinco milhões de pessoas nascidas fora de Espanha.

E tudo isso, dentro de um futuro de liberdade, progresso e bem-estar social do qual disfrutamos como membros da União Europeia.

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