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Milhares de crianças e adolescentes envolvidos em jornadas de adultos

Encontrámos Carlos na sua habitual caminhada, na cidade de Maputo, vendendo pipocas, cigarros, pastilhas, entre outros produtos. Com uma caixa sobre o ombro, os pés do menor conhecem ao mínimo detalhe as esquinas da cidade. Tem 14 anos de idade, veio de Gaza, sem consentimento dos pais. Não vai à escola, aliás, mais nada faz além de vender. Até hoje, tudo o que ganhou da infância é um emprego. “Trabalho para um patrão e recebo dois mil meticais por mês. Vivo com os meus amigos e juntamos dinheiro para pagar a renda. Vendo muito bem, estou acostumado. Por dia, consigo vender cerca de mil meticais”, conta.

Enquanto Carlos termina o seu dia, o cair da noite marca o começo da jornada de outros menores, pelas ruas da cidade de Maputo. Ao longo da Marginal, noite fria e calma, característica do inverno, encontrámos um rapaz de 13 anos, junto com outros, ao qual chamamos Pedro, para proteger a sua identidade.

Proveniente da província de Gaza, é órfão de pai e mãe. Chegou a Maputo quando tinha 11 anos de idade. Quando chegou, sem lugar onde morar, encontrou outros rapazes, também vindos de Gaza, que de imediato lhe arranjaram um trabalho. Aliás, maior parte deles vem da província de Gaza, por sinal, uma das mais pobres do país, segundo indica um estudo sobre o índice territorial de desenvolvimento humano do distrito de Chibuto.

A vida destruiu os sonhos do pequeno Pedro, que com apenas 13 anos de idade já não quer saber de voltar a estudar. “Já não quero estudar. Se deixei, é porque as coisas não corriam bem”, disse. O universo de pequeno Pedro limita-se ao que faz: trabalhar para sobreviver vendendo pipocas.

Carlos, Pedro e outros milhares de crianças engordam a estatística de menores envolvidos no comércio informal, uma das áreas de maior concentração, que representa cerca de 44,4%, seguido do trabalho doméstico, com 18,5%, casas de pasto, 12,4%, agricultura, 11,2%, entre outros.

“Vais para Maputo morar com uma tia”, foi a última frase que a pequena Nelly ouviu dos pais. Foi colocada num autocarro, rumo à capital, quando tinha apenas sete anos de idade. Hoje, cerca de 390 quilómetros de distância separam a pequena Nelly dos seus pais. O que não se esconde é que ela quer regressar à casa, dois anos depois de muito trabalho, ela cuidava da casa onde morava e do bebé da proprietária, era empregada doméstica.

A pobreza e as escassas alternativas levaram os pais de Nelly a entregá-la para o trabalho infantil.

‘‘Leis contra trabalho infantil são frágeis’’

Se o trabalho infantil é uma realidade visível em Moçambique, deve haver dispositivos legais claros em defesa de toda a criança vítima desse mal. Embora o Governo tenha assinado duas convenções internacionais, um dos principais desafios na prevenção e combate ao trabalho infantil em Moçambique é a falta de um quadro político e legal claro.

“Dentro daquilo que são as suas obrigações, o Governo ratificou duas convenções internacionais contra o trabalho infantil. Os conteúdos destas convenções está plasmado na Lei do Trabalho, disse Paulina Mutolo, do Ministério do Trabalho. Já o UNICEF considera o quadro legal moçambicano muito frágil, devido à falta de clareza e por não conter medidas punitivas contra aqueles que exploram as crianças no trabalho.

“As leis têm uma grande fragilidade, deve rever-se, de modo a punir aqueles que levam as crianças para o trabalho infantil”, referiu Carla Mendonça, representante do UNICEF.

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