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Memória, silêncio e ausência: a Pedagogia de Amosse Mucavele

o sentido da ausência em mim

liberta o desejo

e se livra

Virgílio de Lemos

 

O excerto do poema sem título, da autoria de Virgílio de Lemos, escrito em Lourenço Marques, a 30 de Junho de 1959, condiz com o que é poesia em Pedagogia da ausência. Realmente, no seu segundo livro, Amosse Mucavele atribui a vários sentidos emocionais a ausência, tornando-a abrangente, quando a manifesta no enlace entre a manipulação do silêncio e a invocação da memória.

Há séculos que o silêncio (e já nos referimos algumas vezes a isso) é uma condição poética imprescindível. À semelhança de Virgílio de Lemos, poetas mais jovens de Moçambique, por exemplo, Adelino Timóteo, Japone Arijuane, Pedro Pereira Lopes, Jaime Munguambe, Álvaro Taruma, M. P. Bonde, o próprio Amosse Mucavele e, já agora, Otildo Guido, também trabalham aquele recurso, dando voz ao vazio, à inexistência e à indiferença. No caso do autor da Pedagogia da ausência, aquele registo ocorre igualmente numa abordagem à força anímica. Esse vigor permite os sujeitos de enunciação retomarem às suas circunstâncias e à sua inocência pueril, daí a ruptura poética entre a distância e os intervalos de tempo. Amosse Mucavele assim procede para recuperar, através da memória, o que afinal não pode ressurgir, mesmo quando se trata de compensar ausências no texto. Por isso, as vozes do poema não escapam à inventariação da angústia, movida pela solidão e pela insatisfação do desejo nos moldes decisivos.

Na manipulação das trajectórias rumo ao retorno a certos lugares imberbes, Amosse Mucavele reconstrói uma casa, cujos compartimentos fragmentam-se ao longo dos poemas. No entanto, essa casa não é um lugar bom. Deixou de ser pela invasão da soledade: “na velha casa/ a solidão traça uma rotina fúnebre” (p. 11).

Nos (in)visíveis ângulos dos móveis, em Pedagogia da ausência observa-se a poeira da tristeza que, igualmente, em Hirondina Joshua faz da casa um lugar desarrumado, “quase sem alma”. Precisamente, em Amosse Mucevele a casa é triste por ter perdido “almas” que se recompõe num álbum de fotografias. Ora, no jogo entre a distância, o silêncio e a ausência, a memória surge associada ao passado juvenil, implicado a determinadas partidas da vida, enquanto o silêncio isola e amedronta, com fendas nas lembranças: “O rugir do silêncio/ é mais forte/ quando escutado nas colunas do medo” (p. 34). Nesse sentido, reconhece-se uma certa carga de indiferença ao presente, todavia pouco duradoura.

No seu segundo livro, Amosse Mucavele escreve sobre o que lhe é próximo (mesmo distante), sabe, conhece, vê e julga, quer no exercício da memória, quer no passeio aos espaços reais de Maputo. A capital moçambicana, à semelhança do seu primeiro livro, Geografia do olhar, é o chão do poeta, mesmo na alusão aos espaços líquidos, afinal: “O fim do mar é uma cidade universal” (p. 23).

Não obstante, trabalhando sobre a memória, o silêncio e a ausência, Amosse Mucavele parece esforçar-se em descortinar a face do tempo, para quiçá o transformar em intemporalidade, o que até nos sugere uma comparação com Globatinol – (antídoto) ou o garimpeiro do tempo e Mozambique meu corpus quantum, de Filimone Meigos. E Mucavele também escreve sobre a melancolia que se multiplica e vende-se. É sobre isso o poema “Mel amargo”, um retrato a respeito do instinto possessivo humano, causador do desequilíbrio ecológico.

Pedagogia da ausência é um bom livro de Amosse Mucavele, que exagera na inclusão de textos de outros autores. Em 48 páginas enumeradas, temos 31 poemas de Amosse Mucavele e 10 citações alheias ao poeta. Não havia necessidade. Contudo, nada que ofusca esse interessante cruzamento semântico e fonético timbrado nos sons dos poemas.

 

Título: Pedagogia da ausência

Autor: Amosse Mucavele

Editora: Alcance

Classificação: 13

 

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