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Literatura e cultura moçambicanas

Introdução

Sobre literatura

A literatura moçambicana teve e tem vários estudiosos e teóricos. Por questão de economia de tempo, apenas destacarei Fátima Mendonça, docente da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane.

No seu livro intitulado: Literatura moçambicana – a história e as escritas, publicado pela Faculdade de Letras e Núcleo Editorial da Universidade Eduardo Mondlane, em 1989, periodiza a Literatura Moçambicana, desde os primórdios até à proclamação da independência, emprestando-lhe marcos descritivo das diferentes épocas que ela foi atravessando ao longo do tempo, para sua melhor compreensão.

Sobre cultura

A cultura moçambicana não é mais nem menos que uma associação de diversas subculturas autóctones, cada uma no seu espaço geográfico, num território vasto, cuja superfície atinge cerca de 800 000 km². Outros aspectos sobre este assunto veremos num outro desenvolvimento, mais adiante.

Periodização da Literatura Moçambicana

Assim, a Literatura Moçambicana está dividida em três grandes períodos históricos:

O primeiro período vai de 1925 a 1945/47:

Este período marca o surgimento, em Moçambique, de uma literatura da língua portuguesa com carácter sistemático, determinado pela política de assimilação e pela política educacional do estado colonial. Corriam os anos 20. Este surgimento contrapunha-se àquilo que era a expressão popular veiculada por meio de fábulas, lendas, mitos, narrativas de carácter oral, que, por questões de sistematização académica se veio a denominar de oralidade, oratura ou, simplesmente literatura oral, portanto, sem qualquer registo escrito e cuja produção era local, étnica ou regional, transmitida de geração para geração, profícua, mas volitiva. Urgia que se passasse da oralidade à escrita.

O segundo período vai desde 1945 a 1964:

Avulta-se uma nova literatura em Moçambique, cujo marco importante, é 8 de Novembro de 1947, em que, um homem chamado Augusto dos Santos Abranches, dinamiza, numa acção individual que se veio a mostrar transitória, a eclosão de um dos mais dinâmicos momentos da história literária, antes da independência.

O terceiro período vai desde 1964 a 1975:

Verifica-se, já, uma produção literária que revela uma forte complexidade deste período. Quebra-se a relativa homogeneidade dos dois períodos anteriores. O surgimento e a acção do Movimento de Libertação Nacional, faz emergirem três grandes vectores ou linhas de força:

  • A literatura produzida nas zonas libertadas incluindo

a clandestinidade nas cidades.

  • A literatura produzida nas cidades por intelectuais

que, em geral, assumem posições ideológicas de distanciamento do poder colonial.

  • A literatura produzida para afirmar a ideologia

colonial na sua expressão luso-tropicalista.

Proclamada a independência de Moçambique, continua-se com as influências do 3º período, já com um leme distintivo a guiá-las – a Revolução Moçambicana, que levava a uma literatura de cariz marcadamente panfletário político.

Actualidade da Literatura Moçambicana

Pretensamente, arriscar-me-ia, por conta própria, a aventar um quarto período que vai de 1975 a esta parte, perpassando pela criação da AEMO, em 1982. Teve o seu auge entre 1984 e 1987, envolvendo jovens que, com a sua visão utópica tiveram a ousadia de enveredar pela reinvenção da literatura moçambicana e quebrar os paradigmas prevalecentes do tempo já derrubado. Um feito cujos reflexos, ainda perduram, à força da grande mudança operada, e da vontade da juventude se afirmar interventiva.

Em Moçambique, a literatura ganhou contornos inusitados, cerca de uma década depois da proclamação da independência, com o surgimento de um grupo de jovens, na Associação dos Escritores Moçambicanos, cujas práticas, romperam com as formas anteriores, baseadas na luta de resistência à ocupação colonial e na Luta de Libertação Nacional. A ocupação, o luso-tropicalismo e a guerra colonial já eram águas passadas, importava era renovar o tecido literário moçambicano, sair da opressão para a liberdade Intelectual. Sair da censura institucional, para a liberdade de expressão ou seja, os escritores e poetas passaram, eles próprios, a exercer uma autocensura dos seus textos, de acordo com a sua consciência perante os novos valores trazidos pela Revolução. Esse grupo fundou, em 1984, a Revista Literária e o Movimento Charrua, um marco importante na história contemporânea da Literatura Moçambicana.

Nos tempos que correm, assiste-se ao surgimento de muitos escritores e poetas jovens reunidos em grupos culturais multifacetados, numa acção multidisciplinar que, consciente ou inconscientemente se guindam sobre a plataforma criada por aquele movimento.

Estou, apenas a tentar dizer que, para se falar de literatura, seja qual for o seu domicílio ou quadrante originário, deve-se, em primeiro lugar, situar em quê é que ela se funda. A literatura moçambicana teve quem, inicialmente a abraçasse e desenvolvesse. Nós, seus continuadores, recebemos essa valiosa herança, e temos a missão de a preservar, aperfeiçoar, de acordo com a nossa realidade objectiva e expandir, cada vez mais, como uma das nossas marcas identitárias,

Hoje, a literatura em Moçambique, evolui, a olhos vistos, em moldes sem precedentes, os seus praticantes ou participantes, como se queira, são, maioritariamente jovens que não obscuram as velhas gerações, para se aconselharem. Paulatinamente, a Língua portuguesa, de L2 ou estrangeira, vai-se tornando L1 ou materna, para uma considerável franja da população moçambicana, sobretudo a urbana. Hoje, neste país, a literatura em língua portuguesa, é livre e dinâmica, e preocupada com a estética linguística, em conformidade com a realidade quotidiana da sociedade.

 

Enquadramento da língua portuguesa em Moçambique

 

A língua portuguesa é o principal vector de comunicação do povo moçambicano. Assim sendo, é o idioma literário em Moçambique, adoptado como língua oficial deste país, nascido da independência nacional, proclamada a 25 de Junho de 1975. Aliás, durante a Luta de Libertação Nacional, foi proclamada Língua de Unidade Nacional. De outra forma não poderia ser, uma vez que Moçambique é um mosaico de diversas línguas autóctones, ou locais, ou étnicas, que, pela sua limitada abrangência, não permitem que todo o povo moçambicano se comunique eficazmente. Por enquanto, não se vislumbra, tanto a curto quanto a médio prazos, a adopção, pelo menos, de um idioma, de origem moçambicana, que possa servir de veículo literário ou de comunicação global.

Foram selecionadas, a nível do ensino primário, algumas línguas para fins de ensino bilingue, em conexão com o Português, em escolas primárias rurais, para que evoluindo em moldes comparativos, as crianças, facilmente se possam apropriar da Língua Oficial.

No nosso país, está entranhado o pé gigante de Aquiles, precisamos de acertar a nossa flecha no seu calcanhar para podermos avançar. Em todos os períodos anteriormente mencionados, a leitura era um acto primordial para todas as idades, principalmente para os jovens, maioritariamente estudantes. A leitura era um dado adquirido, era incentivada das mais variadas formas. Até se lia, com sofreguidão, autores de países estrangeiros, traduzidos para português, alguns interditados pela administração colonial. Estes livros circulavam clandestinamente, de mão em mão. Depois de levantada a interdição, a leitura continuou a ser um costume salutar e prazeroso. O surgimento da Revista Literária Charrua e do Movimento do mesmo nome, ajudou a incrementar o gosto pela leitura. No entanto, contrariando este entusiasmo, notou-se uma fuga paulatina, ao contacto com o livro, pouco mais de dez anos depois da independência, justificada por diversos factores sociopolíticos, económicos e culturais que levaram à adopção de outras prioridades mais imediatas na vida das pessoas, e o fenómeno evoluiu até ao estado em que hoje nos encontramos. Pouca gente a ler, o que influi bastante na política editorial; poucas tiragens e, por isso, o livro muito caro e, daí, a afugentar-se os leitores, gente de baixa renda para enfrentar o alto custo de vida dos tempos actuais. Consequentemente, muitos estudantes secundários chegam à universidade, sem sequer, ter lido, ainda, um livro literário. Existem estudantes com tremendo deficit cognitivo, o que não ajuda em nada para o desenvolvimento do país.

Actualidade

Estamos, presentemente, envolvidos num esforço tendente a fomentar a política de Mobilidade e Circulação do Livro e dos Escritores, no contexto da criação artística, dentro da CPLP, aglutinando múltiplas sensibilidades, numa comunidade interpretativa, ou seja, os autores literários e artísticos, de um modo geral, e os leitores e apreciadores da arte, em volta da obra criada, num pleno exercício interpretativo denominado Estética da Recepção.

Há duas semanas, realizou-se em Maputo, sob a égide da Editora Cavalo do Mar, de 7 a 9 do mês corrente, o Festival Internacional de Literatura denominado: Resiliência 3, envolvendo escritores, académicos, editores e personalidades destacadas em outras actividades intelectuais afins, oriundos dos países integrantes da CPLP, cujo mote foi a situação actual das literaturas desses países. Naquele encontro discutiu-se a mobilidade dos autores desses países, a circulação das suas obras, no sentido de se reduzir distâncias culturais. Penso que esse tipo de realizações é salutar para o desenvolvimento que se deseja no seio desta comunidade. A literatura, sobretudo, é veículo muito importante para ajudar no alcance dos seus propósitos. É necessário que nos conheçamos profundamente, primeiro, dentro das nossas fronteiras nacionais, para depois podermos ter capacidade de fazer que os outros nos reconheçam! É caso para se dizer: Limpemos bem a nossa casa, para que as visitas nos admirem e nos acolham, sem reservas, e na igualdade, no seu próprio meio!

Em Moçambique temos, como tivemos no passado, talentosos escritores e poetas, mas uma comunidade leitora, quase inexistente; os escritores e poetas, são marinheiros prontos para grandes viagens, mas falta-lhes mar para lançarem os seus barcos. A ausência assustadora da leitura condiciona o nosso desenvolvimento! A Educação, desde tenra idade, envolvendo principalmente a intervenção dos núcleos familiares, deve ser o nosso primordial desafio, por enfrentar. 

Sobre a cultura moçambicana

A cultura moçambicana é um grande legado geracional que foi atravessando os tempos, espartilhado etnicamente, por via da dominação colonial, ou seja, os grupos étnicos, então denominados de grupos folclóricos, estavam acantonados nas suas regiões e se desenvolviam culturalmente, em moldes locais. Estes grupos serviam, no seio da administração colonial, como cartões de visitas para abrilhantar recepções de destacadas personalidades da administração colonial, nos aeroportos e noutros locais eleitos para a demonstração do poder colonial. Assim foi ao longo de muitas gerações. Até que os ventos da mudança começaram a soprar, vindos do Norte, onde um grupo de jovens decidiu juntar-se numa frente contra o sistema colonial. O grupo aglutinava gente ida de quase todas as regiões de Moçambique. Os que iam chegando, traziam consigo o frenesim da sua origem. E, a pouco-e-pouco, os microcosmos foram confluindo num imensurável movimento de libertação. Era o despertar de uma cultura rica de nuanças, em que cada grupo étnico constituinte se sentia integrado num povo – o povo moçambicano.

A nossa bandeira, a língua oficial que adoptamos e o nosso hino nacional, simbolizam a nossa unidade nacional. Vivemos uma impressionante miscigenação étnica, mas também rácica, em razão de gentes de origens diferentes no mundo, escolherem este país para a prossecução da sua vida.

Vários grupos de canto e dança despontam de tudo o que é canto em Moçambique, e enriquecem o património cultural, na sua materialidade e na sua intangibilidade; enaltecem a identidade moçambicana.

Bienalmente, sob a égide do Governo Moçambicano, representado pelo Ministério do pelouro cultural, são realizados festivais culturais provinciais de apuramento, envolvendo variadíssimas modalidades culturais moçambicanas. Nestas manifestações são apurados grupos que vão representar as suas províncias no Festival Nacional de Cultura, numa província cooptada no festival nacional anterior, o que mostra o carácter rotativo do evento.

Nesta manifestação, celebra-se, verdadeiramente, a diversidade cultural em que, adolescentes, jovens e adultos, de ambos os sexos e sem qualquer tipo de descriminação, juntam-se em festa, para a celebração maior da identidade moçambicana. Lembrando a lapidar inspiração de Samora Machel: "A cultura é um sol que nunca desce!"

É uma cultura vibrante, que enaltece, com as suas cores diversas, as cores do Arco-Íris, a existência de um povo que, orgulhosamente, é parte integrante do tecido das nações que fazem o mundo.

O Grupo Cultural de Canto e Dança, de Moçambique, que integra, no seu vasto reportório, números representativos de todas as regiões moçambicanas, é a expressão mais eloquente, sublime das manifestações culturais no nosso país. Neste grupo exprimem-se: o canto, os movimentos corporais ou coreográficos, a declamação poética, a dramaturgia e o traje marcadamente africano, em evocação da ancestralidade do nosso país.

A cultura, seja ela qual for, é uma expressão profunda da identidade de um povo. Este identifica-se através dos diferentes aspectos que exprimem os sentimentos das comunidades que serve. Por isso diz-se: "Não há povo sem cultura ou seja, um povo é o que é, porque moldado pela sua matriz cultural.

Conclusão

Concluo dizendo que o entrosamento da literatura escrita na cultura moçambicana, trata-se, como se vê, de uma engenharia de restruturação ambiental sobre a preexistência colonial que foi sofrendo uma profunda reinvenção, ao longo do curso do tempo, em relação ao que era negativo e ofensivo. Sobre a oralidade secular que torna efêmera a nossa história, nasce a escrita que perpetua as marcas da nossa existência como povo.                                                                                                                    

De toda a maneira, os moçambicanos continuarão a beber do melhor que o passado lhes legou, para alicerçarem o presente e perspectivarem o futuro.                                                                                                                                                                                                                     

Maputo/Lisboa, 28 de Maio de 2019

 

 

 

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