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Linha de crédito COVID-19: Empresários elogiam iniciativa mas questionam critérios de elegibilidade e taxas de juro

No âmbito das medidas de mitigação dos impactos da COVID-19 na economia moçambicana, o governo anunciou recentemente que irá disponibilizar uma linha de crédito denominado COVID-19, um financiamento anunciado pelo Banco Nacional de Investimentos e que conta com a participação do Estado e do Instituto Nacional de Segurança Social, que visa revitalizar ou melhorar a operacionalização das micro, pequenas e medias empresas.

O sector empresarial em Sofala recebeu de bom grado o anúncio da criação da linha de crédito contudo, consideram o valor irrisório e chamam atenção em relação a taxa de juro.

Jorge Fernandes, Presidente da Associação Comercial da Beira, referiu que o anúncio da linha de crédito foi como o “ouro sobre o azul, porque a nossa classe empresarial neste momento, particularmente aqui em Sofala, esta carente e a necessitar de catalisadores financeiros. Este anúncio do governo vem de encontro a aquilo que é a nossa grande preocupação, tendo em conta que em Março do ano passado fomos afectados pelo ciclone Idai e infelizmente não recebemos até hoje, quase um ano e meio depois, nenhum apoio. Portanto a nossa classe encontra-se numa fase de recuperação e surge o novo coronavírus, que veio dificultar ainda mais todo o nosso processo de recuperação”.

Questionado sobre os critérios de elegibilidade, Fernandes disse que o processo ainda não é do conhecimento do sector empresarial e que a associação que dirige aguarda com ansiedade o anúncio das modalidades.

“O Banco que irá anunciar os critérios de elegibilidade é o BNI. Aguardamos ansiosamente que nos sejam dadas as informações adequadas sobre como ir de encontro a estes fundos. Portanto, logo que as regras estiverem disponíveis, iniciarão as candidaturas”.

Jorge Fernandes explicou que a iniciativa do governo irá certamente revitalizar alguns empresários e catalisar outros, dada a situação em que se encontram neste momento.

“Temos necessidades financeiras e situações variáveis de empresa para empresa. São necessidades homogéneas, consoante o ramo de actividade. Nesta altura, por exemplo, face a situação que se vive de Estado de Emergência, face a COVID-19, o sector de Indústria Hoteleira, encontram-se numa situação desesperante. Para eles esta linha de crédito é como o oxigénio. Para outros sectores este apoio do governo irá alavanca-los porque estão a funcionar no limite. No limite quer dizer que estão a perder dinheiro porque não querem despedir os trabalhadores. O Declínio que houve no movimento fiduciário é muito grande e como baixou muito, o negocio também baixou. O que se espera é que com a chegada destas linhas de financiamentos, venham efetivamente resolver a preocupação do sector empresarial.

Enquanto isso o empresário Nuno Cardoso, proprietário da Solange, ligado a restauração, referiu que desde a entrada em vigor do decreto presidencial, tornou-se difícil manter as estruturas do sector e a sua maior preocupação é com os postos de trabalho.

“Esta pandemia veio instalar uma crise profunda na economia principalmente no ramo da restauração que faz parte da hotelaria e turismo, devido a campanha “fique em casa”. Face a isso tem sido para nos muito difícil manter os postos de trabalhos. Os postos de trabalho representam os maiores custos fixos de uma empresa. No nosso caso temos 250 trabalhadores e ainda não despedimos ninguém. Não sei por quanto tempo conseguiremos conseguir com todas as nossas obrigações face a um cenário que não temos clientes.

Nuno Cardoso explicou que dada a crise instalada a sua empresa foi obrigada a fazer uma suspensão legal temporária de alguns trabalhadores, que no primeiro mês receberam 75 por cento dos seus ordenados, no segundo 50 e no terceiro 25 por cento. Mas neste mês, que representa o quarto, somos obrigados a voltar a readmiti-los e a pagar os salários em 100 por cento. É uma situação que pode-nos levar, assim como a outras na nossa situação, a falência.

Nuno Cardoso não acredita em grandes apoios para a revitalização da economia tendo em conta que “a crise económica provocada pelo novo coronavírus, é mundial” e apelou ao governo a ser sensível em relação aos valores a serem pagos pelos trabalhadores e pela empresa ao Instituto Nacional de Segurança Social.

“Se os trabalhadores estão em casa a receber apenas 25 por cento dos seus ordenados, por que razão ele deve pagar os três por centos de segurança social. Isto é uma injustiça para mim como também é uma injustiça a empresa ter que pagar 4 por cento. Portanto não esta a haver este tipo de sensibilidade por parte do governo sobre aquilo que são os problemas reais das pessoas. Se não haver apoios por parte do governo, como em benefícios fiscais e segurança social, será muito complicado para os empresários manterem-se firmes”.

Quanto a linha de apoio para a revitalização da economia, este empresário considera o valor muito reduzido, no entanto vai solicitar o financiamento para minimizar a crise que está a enfrentar.

“É uma boa iniciativa. Finalmente temos uma “luz no fundo do túnel”…mas é uma luz muito pequena, porque são mil milhões de meticais, mais 600 que já existiam. Traduzido em dólar são cerca de 14 milhões de dólares. Para uma economia cujo produto interno bruto (PIB) é de biliões de dólares, falar de 13 a 14 milhões de dólares de apoio, é “uma gota no oceano”. Não é nada na prática. Não sei quantas empresas serão apoiadas mas nós iremos nos candidatar ao apoio”.

Refira-se que a taxa de juro da linha de crédito da COVID-19 varia entre 6 a 12 por cento. Nuno Cardoso referiu que seis por cento é efectivamente uma ajuda que se esta a dar a economia nacional. Doze por cento já não.

“Lembre-se que o Banco de Moçambique baixou a taxa de referência para 10.45 por cento. Se vão dar 12, estão a ganhar 1.55. Este não é o momento de ganhar. Nós não podemos pensar que o pais de lucrar com as misérias das empresas. Não podemos ter esta atitude oportunista e não estou só a falar do governo, estou a falar das próprias empresas também, dos trabalhadores e da sociedade em geral. Estamos numa situação de crise profunda dai que é ser desonesto querer ganhar lucros com a desgraça dos outros”.

O economista Ibraimo Mussagy elogiou a iniciativa porque para ele esta é a garantia de uma liquidez que visa permitir o financiamento da tesouraria a curto prazo, como o pagamento dos salários e despesas correntes, facto que irá permitir a manutenção de certos postos de trabalhos.

“Porém há alguns comentários que se podem fazer. As taxas de juros que variam de seis a 12, se as compararmos com as da banca comercial, sem dúvida alguma que estão muito abaixo e naturalmente por esta via competitivas. Mas olhando para o cariz do banco de desenvolvimento, um banco social, as taxas de juros poderiam ser mais baixas.

Por outro lado o economista Ibraimo Mussagy, é de opinião que devem ser criados pontos focais nas províncias de Sofala, Zambézia e Cabo Delgado, e abrir condições especiais para os empresários destas três províncias, olhando para os critérios de elegibilidade.

“As condições de acesso a esta linha de financiamento diz que as empresas, a 31 de Dezembro de 2019, devem declarar um lucro positivo. Agora olhando para os desastres causados pelo ciclone Idai e Kenneth, nas províncias de Sofala, Zambézia e Cabo-Delgado, pode haver aqui uma exclusão de algumas empresas destas províncias tendo em conta os danos. São empresas que dificilmente poderão declarar lucros positivos diante os ciclones. Um outro elemento que me preocupa é o facto de o BNI não ter representações fora de Maputo. Não creio que estejam criadas neste momento para que uma empresa que esteja em Sofala, tenha acesso com maior rapidez ao crédito se comparada com uma empresa que esta em Maputo. É preciso que se criem condições para as empresas acederem ao crédito nas mesmas circunstâncias”.

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