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Lembraram de sonhos perdidos, os desafios actuais e perspectivas para o futuro

No meio rural, as mulheres não celebraram o dia com festas, reservaram o dia para reflectir sobre o seu passado, o presente e perspectivar o melhor futuro num contexto em que a terra é a principal fonte de sustento.

Há cerca de 49 quilómetros da capital moçambicana, fica a localidade de Bobole, província de Maputo, onde os ecos do dia da mulher, também, se fizeram sentir ainda que de forma diferente com os da cidade de Maputo.

Por lá, não há prédios. As casas são uma mistura entre as de construção precária e convencional. A paisagem é, predominantemente, verde. A agricultura é a principal fonte de sustento. Talvez por essas e outras características, alguns o chamam zona rural e outros, um local muito longe da urbanização.

Podem até estar longe do chamado mundo moderno e da azáfama da cidade, mas o sete de Abril, dia da mulher moçambicana, não lhes passou despercebido. As mulheres de Bobole sabem do seu significado e só não fizeram festa, porque as condições não permitem, mas reservaram o dia para reflectir sobre o passado, presente e perspectivar o futuro.

Nane Pinto tem 38 anos de idade e é natural de Quelimane, província da Zambézia. Chegou nas terras de Bobole em 2001 e, de lá a esta parte, a vida nunca lhe foi fácil.

“Por aqui, tens que batalhar para ter comida. Se não trabalha, não come”, contou Nane Pinto, residente de Bobole, com um olhar carregado de cansaço pelas lutas de sobrevivência.

A vida pode não lhe ser fácil, mas nunca foi de desistir. Faz negócio de pão e trabalha a terra para sustentar a sua família.

“Procuro dinheiro de todas as formas. Vendo pão, pequenos trabalhos sazonais e vou à machamba, de onde tiro o que não é necessário comprar”, revelou Nane Pinto.

Essas são as reflexões da mulher no seu dia em que, também, não tem muita coisa e muito menos motivos para festejar. “Uma vez que não temos nada, passaremos o dia assim. O que tivermos, comeremos”, indicou a mulher residente de Bobole.

O fardo está na cabeça de quem sonhava em ser professora, porém a doença travou o ritmo dos seus passos e conduziu-a ao lar e tudo ficou adiado.

“Gostaria de ser professora para poder ensinar às crianças o que teria aprendido do professor, mas já não vou a tempo por conta da idade. O que faço, agora, é ficar em casa e cuidar do lar, do meu marido e meus filhos”, disse Adelaide Canza, também residente de Bobole, num tom de resignação.

Adelaide Canza tem 46 anos. Depois de perder a oportunidade de trabalhar numa sala de aulas, lida agora com a terra para ter comida na sua casa.

“Eu vou à machamba e faço, também, pequenos trabalhos para ajudar meu marido. Passarei o dia sete de Abril aqui em casa e cozinharemos o que Deus der”, afirmou a mulher.

Adelaide Canza não está em condições de celebrar o dia da mulher moçambicana em festa, mas tal não lhe impede de deixar ficar o que, no seu coração e na mente, carrega como lição para as demais mulheres.

“Gostaria que nós as mulheres cuidássemos mais dos nossos parceiros. Se estiver chateado, nós devemos demonstrar humildade”, apelou Adelaide Canza.

É sete de Abril, feriado e não se trabalha…

Pés pintados de lama, roupa por lavar, criança nas costas, regador e enxada nas mãos, e um fardo na cabeça… na zona rural houve trabalho porque sem ele não se come.

“A alimentação deste ano é complicada, porque há fome. Na machamba, não há culturas e também estão inundadas, o que complica ainda mais a nossa situação”, lamentou outra mulher residente em Bobole.

Difícil é, também, para a mulher de 60 anos de idade festejar o sete de Abril, dia cujo significado muito bem conhece.

“Não sabemos. Veremos o que fazer durante o dia. Tentaremos porque este é o grande dia, de libertação, nós mulheres para que possamos ajudar aos homens. Portanto, este é o dia da nossa emancipação. É dia de festa”, sublinhou.

O dia é de festa, mas também de reflexão sobre sonhos perdidos, os desafios do presente e o sentido de ser mulher num contexto de várias adversidades.

É da machamba que ela tira o pão de cada dia, uma vez que o sonho de ser locutora se perdeu devido à pausa nos seus estudos quando estava na nona classe.

“Não continuei porque não tinha condições e por aqui não tínhamos escola. Não foi fácil para mim, mesmo a nona classe concluí, porque vivia com uma tia na cidade e isso facilitou os estudos. Se eu estivesse com a minha mãe, não teria tido este nível”, avançou Adelina António, de 34 anos de idade.

 

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