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Leco Nkululeco! há um solo pátrio que pesa toneladas de pés descalços

Leco! Sabes com quantos pés descalços se faz um Solo Pátrio? O solo é uma grandeza física composta por milímetros infinitos de passos. Os passos gastam o solo como uma mão aberta que apaga a cor dos bolsos vazios; o solo serve-se nas ruas e avenidas para ser consumido, como pão, pela boca do sol e espumar, como cerveja, na garganta do vento.

E o Solo Pátrio? Leco Nkululeco! O Solo Pátrio cabe num funil de jornal e tem matéria suficiente para deslizar na língua enjoada de uma mulher grávida? Leco, meu poeta, não tenho nenhuma Elegia de Amor para ti. E se te amasse duas vezes no sono que que escorre as paredes sujas de preto de um caixão? Seria isso uma Elegia de Amor II? O Solo Pátrio que boceja, alto, as acácias malnutridas de urina e com os ramos amputados por um serrote eléctrico? Cabe em ti?

Tu sabes que o mar engole sem mastigar migalhas de solo, ali, na nossa praia. O mar não é um Solo Pátrio. É como uma banheira, enorme, engasgada de água, onde o Solo Pátrio, o verdadeiro Solo Pátrio lava-se; às vezes o Solo Pátrio desaparece no mar, como as curandeiras que vão em busca dum certificado espiritual, e volta para novamente ser chão dos nossos passos. O Solo Pátrio é casa, é cama do mendigo que arrasta sua manta pelas esquinas e mata o roncar do estômago metendo a cabeça, toda, despenteada num contentor de lixo. Ninguém sabe que o Solo Pátrio às vezes é a primeira senha para morrer. Onde vão os cadáveres gelados que pelo carro preto da funéria saem, em macas, das morgues dos hospitais?

E quem sabe o sabor da chuva além do Solo Pátrio? A chuva é o único bálsamo que lava as feridas deste solo. Ah! O Solo Pátrio é aquele milagre de pedras que tropeça nos depósitos nocturnos de desejos na Rua Araújo; ali onde as nossas irmãs equilibram suas ancas que servem de cabides de saias curtas. Ali o Solo Pátrio sua, sua no seu movimento velozmente estático.

O Solo Pátrio, também, caminha dentro de si. Caminha não para chegar a algum sítio, mas sim para inventar caminhos e deixar os outros caminharem. Leco, meu caro, tu sabes como é quente o passo descalço sobre o nosso Solo Pátrio; aquece como um jacto de chá de Five Rose sobre a língua descalça de saliva. E quem caminha descalço sobre o Solo Pátrio inventa movimentos de um canguru com o eixo do estômago apertado pela fome.

Há carga pesada nas costas do Solo Pátrio. Há corcundas de contentores de lixo, há pilhas rectas de prédios excitados de cimento, há igrejas cercadas por recibos de dízimos, há empresas onde máquinas mastigam matéria-prima e cospem fumo pelas chaminés, há escolas onde crianças sentam-se ao chão e cosem letras e números, há txopelas que gaguejam passos nos passeios, há taxistas que sonecam no banco de frente e há seguranças com armas amaradas na cintura.

O Solo Pátrio tem muita carga nas costas. E nas suas costas estamos nós: eu e tu, Leco. E há poetas de barba grande, que leem livros obesos e declamam poemas paralelos como tu, Leco.

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