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Jornalistas de Cabo Delgado sem acesso às zonas de conflito armado

Foto: O País

Cerca de duas semanas depois de o Governo moçambicano ter anunciado a recuperação da vila de Mocímboa da Praia, que havia sido ocupada pelo grupo armado em Agosto de 2020, a maior parte dos jornalistas de Cabo Delgado ainda não teve acesso ao local para confirmar e reportar a informação.

“Nós, como somos daqui, tínhamos de estar na linha da frente, porque conhecemos o mínimo da realidade da província, as pessoas e as línguas faladas pela população, o que é muito importante”, reclamou Emanuel Muthemba, um jornalista local.

A situação inquieta alguns profissionais da área de comunicação social, baseados na província de Cabo Delgado, que denunciaram a discriminação dos órgãos com direito à cobertura da libertação da vila que esteve fora do controlo do Estado por quase um ano.

“Ao contrário dos órgãos de comunicação públicos do país e internacionais, nós, jornalistas de Cabo Delgado, especialmente os que trabalham na imprensa privada, não temos um livre acesso à zona norte da província desde que iniciaram os ataques terroristas em 2017. Eu já sabia que isso havia de acontecer, mas é uma situação incompreensível que põe em causa a liberdade de imprensa”, denunciou Buanamade Assane, um jornalista baseado em Cabo Delgado.

Devido à vedação dos jornalistas locais, a maior parte dos órgãos de comunicação tem estado a publicar notícias com base nas informações recolhidas pelos poucos repórteres que têm acesso à zona norte da província.

“As primeiras informações sobre o que de facto estava e está a acontecer no norte da província, tivemos graças aos órgãos públicos nacionais e internacionais que têm livre acesso às zonas de conflito, o que, em condições normais, não devia acontecer, porque quase todos que vêm cá para reportar a situação não conhecem o terreno e o pior é que nem têm domínio das línguas locais que permitiria obter mais detalhes da população”, argumentou Rui Minja, outro jornalista baseado em Cabo Delgado.

Alguns repórteres não entendem as causas que levam à vedação de acesso às zonas do conflito e suspeitam que o Governo esteja a ocultar a realidade no terreno.

“Isto mostra que o Governo está a esconder alguma coisa que está a correr no terreno, pelo menos é o que está na mente de todos os jornalistas de Cabo Delgado”, acusou Buanamade Assane.

Além de dificultar o trabalho dos profissionais da comunicação social, a vedação de acesso às zonas de conflito é considerada uma humilhação para a classe local, que há anos vem reportando os ataques armados na província à distância.

“E a especulação que existe é que nós não somos capazes de fazer este tipo de cobertura, apenas os que vêm da capital do país. Mas, isso não é verdade, porque quem tem reportado o quotidiano da província somos nós”, disse Assane Issa, outro jornalista.

Os profissionais da comunicação social em Cabo Delgado estão desapontados com a suposta discriminação e pedem uma consideração por parte do Governo, se não, isso poderá fomentar uma onda de desinformação no seio da população local.

“Que o Governo reveja a sua posição e que se lembre de que estamos numa sociedade democrática, que é construída por todos. O país é de todos e todos temos de ter espaço para trabalhar, sob risco de a população perder credibilidade em nós e dar lugar à especulação derivada das falsas informações que circulam nas redes sociais”, alertou Buanamade Assane.

Recentemente, mais de duas dezenas de jornalistas, que vêm de todo o país, estiveram em Pemba com objectivo de visitar as zonas libertadas, mas, por razões desconhecidas, não se deslocaram à zona norte da província, onde, até ao momento, a circulação de pessoas continua condicionada e os poucos civis que têm acesso são acompanhados pelas Forças de Defesa e Segurança.

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