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“Jogador estrangeiro deve trazer mais-valia ao nosso futebol”

O debate em torno da contratação de jogadores e treinadores estrangeiros, bem como do número limite dos mesmos, está a divergir os dirigentes moçambicanos, que defendem, quase em uníssono, que estes devem trazer uma mais-valia e ajudarem a desenvolver o nosso país

Moçambique tem sido terreno fértil para muitos jogadores estrangeiros evoluirem e mostrar o ar da sua graça. Alguns bem evidenciados e outros nem tanto. A história mostra que nos últimos 10 anos tivemos estrangeiros que notabilizaram-se no futebol moçambicano, alguns deles chegando mesmo a assumir o papel de marcadores das equipas, tornando-se em melhores marcadores do Campeonato nacional, outros como influentes nas manobras das respectivas equipas e outros ainda, no sector defensivo, a serem brilharetes.

Mas outros há que apenas chegaram, viram e voltaram sem sequer convencer. Afinal não é fácil vincar perante jogadores moçambicanos que procuram se evidenciar nos seus clubes para ganharem espaço na selecção nacional e terem oportunidade de experimentar outros campeonatos mais evoluídos.

Aliás, ao nível da região austral de África, depois da África do Sul, maior potência, não só económica, mas também desportiva, seguem Angola e Moçambique, como países que mais jogadores estrangeiros importam.

Basta fazer uma avaliação para perceber que África do Sul conta com jogadores de vários países africanos, mas poucos sul-africanos a jogarem além-fronteiras, com nomes de moçambicanos que já evoluíram na terra do rand, casos de Tico-Tico, Tomás Inguane, Paulito, entre outros e mais recentemente Dominguez, Kambala, Chico e Edmilson Dove.

Na região, os moçambicanos apenas jogaram em mais três países, pelo menos ao mais alto nível, nomeadamente na vizinha Suazilândia, onde já tivemos Tchaka Tchaka, por exemplo, em Angola, com jogadores como Josimar e Eduardo Jumisse, e ainda hoje temos Miro, no Bravos de Maquis. Na Tanzania temos agora Luís Miquissone, a evoluir no Simba.

Nos restantes países, até de África, registo de moçambicanos que jogaram em países da África branca, como Egipto, Marrocos e Sudão.

Mas se olharmos para atletas africanos que jogam ou jogaram em Moçambique, temos diversidade de países, desde os da África Austral, onde tivemos jogadores de quase todos países, e mais acima de países como Nigéria, Camarões, RD Congo, Congo, Gana, Costa do Marfim, Burundi, entre outros, bem como de outros continentes, como portugueses, brasileiros, argentinos e paraguaios.

A história dos estrangeiros é antiga, e muitos são os jogadores que passaram por Moçambique.

Em 2013, por exemplo, tínhamos 18 estrangeiros no Moçambola, nomeadamente três do Costa do Sol, nomeadamente Zé Inácio (Cabo Verde), David Themba e Matheus Masha (África do Sul), para além do treinado português Diamantino Miranda, outros três do Ferroviário de Maputo, David (Gana), Andro e Innocent (Zâmbia), com o treinador a ser Victor Urbano, de Portugal. No Maxaquene militavam cinco estrangeiros, sendo Marvin e Mifiki (África do Sul), Eboh (Nigéria) e Moses Chavula e Chikwepu (Malawi). Helton da Rocha (Brasil), Tobias (Tanzânia) e Sandre (Malawi) eram os estrangeiros do Matchedje. Na então Liga Muçulmana, que era treinada por Lito, português, jogavam quatro estrangeiros, nomeadamente Caio (Brasil), Joseh Kamwendi (Malawi), Liberty (Zimbabwe) e Zicco (Malawi).

Mais de 60 estrangeiros disputaram Moçambola 2019
No ano passado todas equipas que militaram no Moçambola tinham, pelo menos, um jogador no seu plantel. O Costa do Sol, União Desportiva de Songo, os Ferroviários de Maputo, da Beira e de Nacala, ENH de Vilankulos, Textáfrica de Chimoio e Clube de Chibuto, eram as equipas que tinham cinco jogadores nos seus plantéis, e por vezes obrigados e vender alguns para contratar outros.

Desses jogadores estrangeiros, os maiores destaques vão para os jogadores do Costa do Sol, nomeadamente Stephen (Libéria), Johane (Burundi), Chawa (Malawi), Sibale (Malawi), Mbulu (Malawi) e Eva Nga (Camarões), que terminou como o melhor marcador da prova, que contribuíram grandemente para a conquista do título, para além dos irmãos Banda, Frank e John (Malawi), que também foram preponderantes na União Desportiva de Songo. Outros destaques foram Sunday (Nigéria), Liberty (Zimbabwe), Uche (Nigéria), Hammed (Nigéria), Peter (Malawi), Thomas Nyirenda (Zâmbia), Fabrice (RD Congo), Ndazione (Malawi), Ramiro Martinez (Argentina), Jongwe (Zimbabwe), Adebayor (Burundi), Joseph (Gana), Fopa (Camarões) e Siaka (Costa do Marfim), que deram o seu contributo nas equipas que representavam.

Mas também tivemos muitos outros que não deram nas vistas e por isso não foram destaques e nem titulares nas suas equipas.

Ao todo foram 64 jogadores estrangeiros que passaram pelo Moçambola 2019.

 

Moçambola 2020 ainda só tem 21 estrangeiros registados

A boa prestação de alguns estrangeiros que disputaram o Moçambola 2019 valeu-lhes o trampolim para outros campeonatos, casos dos jogadores do Costa do Sol, que na sua maioria foram a África do Sul, e outros que ganharam bons contratos em equipas do topo do futebol moçambicano, vindos de equipas de menor expressão, e até mesmo de equipas despromovidas.

Mas muitos são os que foram dispensados e regressaram para os seus países, por não terem lugar nos plantéis nacionais.

O facto é que até ao momento, apenas 21 jogadores estrangeiros estão inseridos nos clubes que vão militar o Moçambola 2020, pese embora se considere o facto de a pandemia do novo coronavirus ter impedido o regresso de muitos estrangeiros que viajaram aos seus países no final da temporada passada, e que por via do encerramento das fronteiras, bem como da paragem da actividade desportiva no país, não terem regressado ainda.

Costa do Sol, União Desportiva de Songo, Desportivo Maputo, Ferroviário da Beira, ENH de Vilankulos, Textáfrica do Chimoio e Black Bulls são as equipas já confirmaram estrangeiros nos seus plantéis, enquanto os restantes clubes que vão disputar o Campeonato nacional de futebol, que ainda não iniciou, não tem confirmação de nenhum jogador estrangeiro.

Dirigentes divergem quanto a limitação de estrangeiros
Os dirigentes dos clubes e das organizações que zelam pelo futebol nacional concordam que os jogadores estrangeiros são bem-vindos, mas que devem trazer uma mais-valia ao futebol moçambicano e fazerem diferença nos seus clubes. Para estes, não adianta trazer um atleta de fora para ficar no banco de suplentes ou não vincar no nosso futebol, sendo que valerá mais apostar nos nossos próprios jogadores.

Mas estes divergem em relação a limitação do número de jogadores que devem ser contratados e que devem jogar em simultâneo numa partida do Moçambola.

Alguns defendem que o número até aqui estipulado, de cinco jogadores, é bom, mas discorda de apenas três a jogarem em simultâneo, devendo abrir espaço para todos juntos. Outros ainda defendem que deve-se estender o número de estrangeiros a contratar, nomeadamente devendo subir para, pelo menos sete jogadores, enquanto outros são indiferentes em relação ao assunto.

Entretanto, o presidente da Federação Moçambicana de Futebol, Feizal Sidat, diz que o Gabinete Técnico do seu organismo está pronto a receber propostas dos clubes em relação a este assunto, para melhor debate em sede própria, para uma aprovação em Assembleia Geral.
Vale isto dizer que o tema vai continuar a ser motivo de conversa entre os desportistas pelos próximos tempos, até a retoma do Moçambola 2020.

Estrangeiros como melhores marcadores

Nos últimos 10 anos foi notória a prestação dos jogadores estrangeiros no Moçambola, principalmente como autores de golos. Só para citar, Eva Nga foi o único melhor marcador que esteve próximo do máximo de golos marcados numa mesma temporada, que é de 26 golos, pertencente a Amade Chababe Amade, ainda no princípio da década 80. O camaronês marcou 24 golos na temporada passada, o que value uma contratação milionária para o Bidvest Wits da África do Sul, equipa onde milita o moçambicano Dominguez.

Para além de Eva Nga, na época passada se evidenciou outro estrangeiro, Chawa, também do Costa do Sol, que marcou nove golos e terminou na quarta posição.
Sibale, jogador do Costa do Sol, esteve no top 3 dos melhores marcadores, da temporada 2018, com nove golos, atrás dos moçambicanos Telinho e Dayo.

Eva Nga e Johane, na altura ao serviço da ENH de Vilankulos e Clube de Chibuto, ficaram atrás de Telinho, em 2017, na lista dos melhores marcadores, mas deixaram ficar o ar da sua graça nessa prova.

Outro jogador estrangeiro que liderou a lista dos melhores marcadores do Moçambola foi Lewis Masha, que ao serviço do Ferroviário de Maputo, marcou oito golos, em 2015, conquistando o título de melhor artilheiro do principal Campeonato nacional de futebol.

Do resto, nas outras oito edições, dos últimos 10 anos, os moçambicanos é que lideraram sempre a lista dos melhores artilheiros do Moçambola.

FEIZAL SIDAT-Presidente da FMF

Técnicos e jogadores estrangeiros são todos bem-vindos, mas devem trazer qualidade. Mas se for para trazer estrangeiros que não trazem uma mais-valia, acho que é melhor permanecermos com os nossos moçambicanos. Para mim, qualquer técnico ou jogador estrangeiro que vier, ou vice-versa, porque nós também podemos ir além-fronteiras e já o fizemos e estamos a fazer, com atletas a jogadores em Portugal, França, Alemanha e outros países, que tragam mais-valia, que façam a diferença em campo, porque só assim o nosso futebol vai evoluir. A questão de limitar ou não o número de estrangeiros é um assunto bastante discutível, uma vez que agora está legislado que podem ser contratados cinco e podem jogar três em simultâneo, mas penso que os próprios clubes podem propor e vamos estudar, tendo em conta que tem que ir a Assembleia Geral e tem que discutir num fórum próprio, que é o nosso departamento técnico nacional. Mas se for bom para o nosso futebol, que estes cinco jogadores possam estar a jogar ao mesmo tempo dentro das quarto linhas, penso que não há nenhum problema. Mas volto a reiterar que devem trazer qualidade do atleta e não quantidade dos atletas, para marcar diferença.

AMILCAR JUSSUB- Presidente da AFCM

Quando a gente vai contratar alguém, quer seja nacional ou estrangeiro, tem que ser uma mais-valia. Mas não podemos contratar um estrangeiro que seja igual ao moçambicano, que seja mais um. Então, se vamos buscar um estrangeiro tem que ser alguém que tenha qualidade e faça a diferença. O ter 10 ou 15 estrangeiros também não vai desenvolver o nosso futebol. Isso aqui é que vai olhar para a potencialização do próprio jogador e para os clubes poderem ganhar mais algum. Mas penso que temos que aliar todas vertentes, que é o desenvolvimento e o ganho para os próprios clubes e a potenciação do jogador. Vamos potenciar um estrangeiro? Então pergunto: qual é a diferença de preparação que um jogador do norte de África tem, ou da África do centro tem em relação a Moçambique? Não deve ter nenhuma. Mas aquele jogador estrangeiro quando sai da terra dele sai com uma missão de ganhar dinheiro e daqui dar um trampolim para Europa. Vamos incutir esta mentalidade em nós os moçambicanos que temos que correr, trabalhar e esforçar, para dentro em breve dar um pulo, para deixar um nigeriano, um congolês ou burundês para me tirar o pão e o lugar numa determinada equipa. É nesta vertente que nós temos que mudar o nosso pensamento e adequá-lo a realidade.

PALMA PINTO- Ferroviário de Maputo

O ideal seria fazermos um bom futebol, como em tempos já foi feito, com atletas e todo pessoal envolvido moçambicano. A contratação de estrangeiros não pode ser olhado como um processo normal, mas de carência de técnicos e jogadores nessas áreas. Os clubes devem trazer estrangeiros para fazer alguma diferença, jogadores que sejam, realmente reforços e não esforços (aqueles jogadores estrangeiros que vem cá e não conseguem singrar ou superar o que temos internamente e acabam ficando no banco). Por isso digo que não é uma condição normal. O ideal era termos um futebol moçambicano disputado 100% por jogadores moçambicanos e, quiçá, exportar o nosso jogador talentoso para fora. Entretanto, enquanto tivermos défice naquilo que é a qualidade dos nossos atletas e treinadores e, consequentemente défice na qualidade do futebol moçambicano, vamos ter que trazer o estrangeiro, mas que esses jogadores estrangeiros venham fazer a diferença. Agora, se é um moçambicano para vir jogar de igual modo com um jogador moçambicano, não vale a pena trazer porque nós já temos problemas sérios aqui no país de empregabilidade e o pouco recurso que temos aqui, que distribuamos entre nós mesmos, se esse estrangeiro não venha trazer mais-valia ao nosso futebol.

ZUNEID LALGY- Associação Black Bulls

Nós temos dados dos últimos anos dos jogadores que militam no Moçambola e quem são os que tem brilhado mais e é evidente. Eu sempre defendi, não a liberalização na sua totalidade, mas o aumento de número de estrangeiros por cada clube. Para já são permitidos a contratação de cinco estrangeiros e o uso simultâneo de quarto jogadores. Nós temos estado a fazer ver que não devia haver limitação do número de uso de estrangeiros em simultâneo, na medida em que estão legalmente contratados e para a sua contratação envolveu-se custos, por vezes mais elevados que os moçambicanos. Ou seja, os cinco contratados por lei, deviam ser autorizados e serem utilizados em simultâneo. Mas se pudéssemos alastrar para mais dois jogadores estrangeiros, totalizando sete, numa primeira fase, isso iria enriquecer o nosso futebol. Nós temos que também que se os nossos jogadores moçambicanos encontrassem limitações fora do país, não teríamos a selecção que temos hoje. E é lógico que qualquer seleccionador, quando vai fazer a sua selecção, primeiro olha para os jogadores que jogam fora. Em qualquer parte do mundo isso é assim. E porque nós vamos ser uma excepção? Porque dizer que limitando os estrangeiros vamos salvaguardar os nossos atletas? O futebol não é para ser salvaguardado, não é para ser protegido. Cada um tem que dar o seu máximo para mostrar aquilo que é o seu real valor. O jogador não é contratado em função de ser estrangeiro ou moçambicano, é pela sua qualidade.

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