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João Perreira: “há uma mudança de estratégia na actuação do grupo terrorista”

Foto: O País

O politólogo, professor e investigador João Pereira fixou-se, durante dois meses, em Cabo Delgado, para fazer um estudo sobre a situação do terrorismo naquele ponto do país.

João Pereira fez uma radiografia, esta segunda-feira, no programa Noite Informativa da Stv Notícias, sobre o antes e depois da presença das forças estrangeiras no terreno.

Mais, abordou as dinâmicas dos grupos terroristas que, desde 2017, têm estado a semear luto, destruir infra-estruturas públicas e sociais e criar pânico no seio das comunidades locais.

Pereira começou, na sua análise, por dizer que “aquilo que está a acontecer é normal”.

O politólogo descreve, depois, as dinâmicas do conflito para uma melhor percepção por parte da sociedade moçambicana.

“Há duas coisas a entender. A primeira grande questão é que existe um aumento das operações militares levadas a cabo pelas Forças de Defesa e Segurança, tropas ruandesas e da SAMIM. Havendo um aumento de operações, por exemplo, uma maior ofensiva deste conjunto de actores militares no terreno, logo há uma mudança na estratégia de actuação do próprio grupo em relação à ofensiva e a todo um aparato de acções e operações no terreno”, começou por explicar Pereira.

O professor explica que, com a intensificação das operações no terreno por parte das forças conjuntas, o grupo terrorista, tal como em outros países onde operam os extremistas, mudou a sua estratégia de actuação.

“Mesmo comparando com os outros movimentos, estes grupos deixam de actuar em grandes blocos e acabam por actuar em pequenos blocos. E, muitas vezes, incidem em territórios onde a presença do Estado ou das forças militares é limitada. Eles aproveitam este tipo de pequenos ataques, muitas vezes com grande intensidade queimando casas, decapitando pessoas e, por outro lado, saquear. Eles usam as redes sociais para dar uma dimensão muito grande quando, no fundo, não é tanto um ataque de grande dimensão”, disse.

A título de exemplo, sustenta o pesquisador, “quando houve a incursão, algumas horas depois das organizações que estão a trabalhar no terreno em iniciativas de estabilização e da coesão social em Mocímboa e Palma, eles somente disparam e depois saquearam celeiros da população”, analisou.

Porque esta era uma acção do denominado grupo AL Shabab, diz Pereira, “qualquer indivíduo numa situação de crise emocional e conflito acabaria por abandonar a zona”.

João Pereira fala ainda de questões relacionadas com a transformação de acções de pequena dimensão em grandes fenómenos.

“Depois, os actores externos, principalmente nas redes sociais e algumas figuras que fazem análise de fora do território nacional, deram uma indicação de um fenómeno muito pequeno que teve uma dimensão grande. Grupos como Al Shabab e Boko Haram têm muito este tipo de estratégia. Muitas vezes, quando eles operam mesmo em situações em que estão em minoria, procuram recrutar redes, por exemplo, de jovens criminosos para amplificar a sua própria acção”.

 

“É PRECISO CORTAR A FONTE DE ABASTECIMENTO DOS TERRORISTAS”

Recentemente, as autoridades governamentais disseram que a intensificação das ofensivas militares no Norte de Moçambique encurralaram os terroristas.

“Esta é uma realidade que nós devemos enfrentar nos próximos anos. Neste aspecto, tenho que concordar com este discurso que tem sido feito porque é real. Há duas coisas que se notam no terreno: primeiro, há uma grande ofensiva por parte das Forças de Defesa e Segurança, tropas ruandesas e da SAMIM para cortar todo apoio logístico a este grupo que localmente é denominado por Al Shabab. Esta guerra pode ser vencida de duas maneiras. Por um lado, pela acção militar. Não há ninguém que diga, hoje, que a acção militar não seja determinante numa zona de conflito desta dimensão”.

O politólogo diz ainda ser necessário cortar as fontes de abastecimento dos terroristas. “Então, as tropas de defesa e segurança com os aliados que temos da região estão a fazer dois processos simultâneos. Primeiro, cortar o abastecimento do armamento ao grupo Al Shabab. E, segundo, dificultar a questão da logística, numa situação em que os ponham sobre grande pressão e, muitas vezes, sem capacidade de reacção. O terceiro elemento que é preciso avançar é eliminar a fonte de recrutamento do Al Shabab. É preciso mapear muito bem para saber como é que essas pessoas chegam ao Al Shabab. Se nós conseguirmos controlar estas três dimensões para depois trabalhar sobre estas três componentes que também são determinantes neste processo todo, teremos uma abordagem holística. É preciso trabalhar sobre outras dimensões como a social. A dimensão de governação e a do melhoramento dos serviços prestados pelo Estado”, alertou Pereira.

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