Escuro. Noite. Ele achegou-se com intenções claras. A mulher esquivou o olhar com timidez acesa de pirilampo. Pôs as mãos no peito do homem, defensiva, naquela recusa que atiça a libido. Sentiu a mão áspera percorrer-lhe a cintura. A carícia evoluiu para um leve arrepio, depois cócega:
– Hiiii!
– É o quê?
– Cócegas.
A mão avançou pelo trópico de capricórnio, entre a blusa e capulana, por onde o corpo se greta em estrias. Pelas dobras da cintura. Pelo trilho agradável do fio de missangas que lhe segurava os amuletos. Pelas listras da pele tatuada à lâmina com a caligrafia dos antepassados. Pelo rio de suor que lhe percorria as costas. Num súbito acesso de razão, repeliu-o:
– Pára!
O homem pressionou-a contra a árvore. Ela cedeu, naquela submissão sem inocência com que as mulheres adestram os machos. Abraçou-a. Adivinhou-a a fechar os olhos quando disse:
– Hmmmmm!
– É o quê?
– Sinto.
– Sentes? O quê? – Perguntava com o lábio à porta do pavilhão e o a voz a humedecer-lhe o ouvido. A mulher estremeceu. Sentiu o suor da camisa do homem quando correspondeu ao abraço e pousou a cabeça no peito largo. Ouvia-lhe os batuques acelerados do peito.
– Sinto coesão!! Forte coesão entre nós.
O homem sorriu, encostou-se nela com mais malícia, convencido que “coesão” significa “coisa grande”.
Ela repeliu-o, sem sair do abraço e tentou, em vão, falar sem mel no tom de voz:
– Sabes… – Levantou a cabeça para olhá-lo nos olhos – sabes…
Ele calou-lhe com um beijo e continuaram ali, duas silhuetas irrequietas, a fazer aquilo que os amantes fazem no escuro, ao luar, em noites quentes, húmidas e enluaradas, como aquela.
Um mosquito tentou protagonismo como em todas noites quentes, húmidas e enluaradas, mas não foi ouvido porque os beijos chiavam mais alto do que o zumbido e arfavam mais do que o croachar de rãs dum charco próximo.
A mão percorreu, sem permissão, os corredores do amor, a sala de espera, de reuniões, a secretaria… e antes que adentrasse em compartimentos vedados à estranhos, ela repeliu sem convicção na voz:
– Pára!
Como uma flor que se abre em pétalas a capulana desabrochou sem se desamarrar da cintura. A mão ousou pela pele arrepiada:
– Pára!
O homem parou subitamente. A mão desfaleceu, desapontado, quando percebeu, na coxa, a textura duma ceroula, daquelas intransponíveis com que elas decretam feriado no corpo e anunciam suas greves.
– Tira – sugeriu desesperado.
– Esquece – disse ela, com malícia no sorriso.
– Porque?
– Estou cansada de você me gastar…
– Eu sou teu namorado. É meu direito.
A mulher levantou o queixo e as sombracelhas, desafiadoramente. Rebuscou o fundo da enciclopédia de conselhos maternais e atirou a frase mestre:
– Então me lobola.
Silêncio.
– Enquanto não me lobolares, és interino. Namorado interino. Se queres ser namorado efetivo, com direitos plenos, lobola-me.
O homem ficou a olhar, em silêncio, para o reflexo da lua nos olhos dela. Um mosquito segredou-lhe algo, na língua zumbida dos mosquitos, talvez a explicar o significado de “interino” que, no curto universo lexical, lhe soava à “inteirinho”. Não percebia como podia ser um namorado “inteirinho” mas não gozar de direitos inteirinhos.