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Instituições fortes, credíveis e funcionais: Uma questão de filosofia política e sociológica

Pede-se me que  faça uma reflexão breve sobre o papel de instituições fortes, credíveis e funcionais como elementos instrumentais de estabilidade e boa governação de uma sociedade.

Devo,  em primeiro lugar,  reflectir sobre a natureza da existência de instituições que fazem  a construção de uma sociedade estável, por um lado, a nível objectivo, orgânico e estrutural, e por outro, a nível de valores essenciais, como a ética e a moral que funcionam como faróis para uma sociedade estável e saudável. E, em segundo lugar,  reflectir  também,  sobre a constituição das instituições orgânicas, estruturais e também de valores no caso de Moçambique, Estado e Moçambicanidade.

É comum ter-se a percepção de que algo não está a funcionar adequadamente  numa determinada sociedade porque as suas instituições não são sólidas. Essa afirmação não passa de uma petição de princípio, isso é um silogismo que carece sempre de uma aferição mais objectiva, como o são todos os silogismos.

Há dois tipos de instituições numa sociedade constituída. Primeiro, instituições do sistema estrutural e organizacional, na área política, económica, social, cultural, religiosa, desportiva, em suma, o Estado. Segundo, instituições de valores: valores morais, éticos  e demais códigos sociais.

Ambos os sistemas de institucionalização acima referidos devem convergir de modo a determinar a estabilidade da sociedade nas várias estratificações criadas pela dinâmica da história da própria sociedade. Tomemos como exemplo Moçambique como um Estado e  sociedade de origem colonial e matriz ocidental, construído a partir de um paradigma centrífugo, decorrente da arbitrariedade na definição das suas fronteiras,  que não teve em conta sociedades pré-coloniais, com história e geografia diferenciadas e matriz africana.

A construção de uma consciência de se ser moçambicano por cima deste pressuposto denota sempre uma amálgama de instituições,  quer de valores,  quer orgânicas,  que em determinado momento podem entrar em entrechoque, fragilizando o edifício a construir, que são o próprio Estado e a essência do que pode ser e sentir-se moçambicano.

Se juntarmos a isso toda uma dinâmica de construção de uma narrativa de afastamento conflituoso do sistema colonial,  verificaremos que a construção de instituições,  quer orgânicas, quer de valores no homem moçambicano é de uma complexidade que em vez de reforçar, enfraquece a sua estrutura. Portanto, a percepção que nós temos  de que Moçambique tem instituições fracas não depende apenas de quem conduz os processos organizacionais, políticos, económicos, morais, mas sim da própria dinâmica do devir histórico enraizado no passado histórico.

Se consideramos que a história e a geografia de Moçambique é uma amálgama, a sedimentação desta amálgama será  sempre um processo difuso e imprevisível, demandando tempo para a sua consolidação  enquanto Estado e Sociedade.

Não que não seja possível construir um Moçambique com instituições fortes, credíveis e funcionais, mas isso não depende de clamores momentâneos que nos demonstrem que Moçambique não tem estas instituições. É minha percepção que qualquer grupo que queira tomar conta do leme para conduzir Moçambique a uma estabilização terá sempre dificuldades múltiplas.

A questão é simplificada da seguinte forma: toda a narrativa de construção de um Estado chamado Moçambique foi estruturada com base no Nacionalismo, na Luta de Libertação Nacional, na destruição do Estado colonial e na vontade de construir um Estado que pudesse albergar um cidadão cujo perfil configurava no chamado ʺHomem Novoʺ. À volta desta narrativa construiu-se o mito do desenvolvimento através de modelos marcadamente exógenos e mal assimilados.  Assim se estabeleceram as instituições do Estado recém criado após a euforia da proclamação da independência. Com os primeiros solavancos, próprios de um corpo que começa a movimentar-se, Samora reconhecia: ʺNós desmantelamos o Estado Colonial, porque não foi para geri – lo que combatemos. Mas estou a verificar que não estamos a ser ágeis a construir o Estado que queremosʺ.

A História do nosso País, Estado e Sociedade,  espelha com linhas muito marcadas como uma estrutura frágil, desde o alicerce, não permite construir um edifício sólido e resistente, tal como num corpo com baixa imunidade, os vírus tomam conta dele e podem destruí –lo.

Moçambique Colonial foi construído em cima de uma arbitrariedade colossal, passando por cima de realidades históricas, sociais, culturais e territoriais diversas. A revolta contra o Estado Colonial foi o denominador comum que uniu os diversos povos desse Estado Colonial. Contudo, vencida a luta e destruído o Estado Colonial, o edifício construído no seu lugar acabou por demonstrar que tinha uma frágil sustentabilidade. E, pouco a pouco, foi-se  perdendo o equilíbrio. Ao Estado baseado em premissas ideológicas e sustentado por um discurso sedutor, mas autoritário, foi emergindo  um Estado errático com um discurso de ocasião,  sem qualquer suporte ideológico que paute uma agenda para o próprio Estado, acima dos interesses das elites políticas e burocráticas.

Não há a mínima condição para o estabelecimento de instituições fortes, credíveis e funcionais numa estrutura frágil e contaminada como esta. Tal como referi atrás, o vírus ataca um organismo quando as defesas desse organismo está frágil.

Do meu ponto de vista, responsabilizar a corrupção e a incompetência como os causadores da situação em que se encontra o País, é deslocar o foco. A corrupção e a incompetência, com todas as consequências, penetraram na orgânica do Estado, porque este, devido à sua baixa imunidade, escancarou as portas para esses vírus entrarem.

As vozes que apontam para o estado em que nos encontramos,  através da comunicação social, da sociedade civil, das redes sociais e demais espaços com voz, têm a nítida noção da impotência e dificuldade de reverter a situação.

Maquiavel, na sua obra mais citada, não sei se também conhecida, O Príncipe, afirmava nomeadamente que os estados são como a dinâmica do Universo. Se o desmoronamento das instituições de um determinado estado provoca o CAOS, torna-se necessário reconstruir o COSMOS. E este processo é doloroso porque precisa que o príncipe que vai conduzir a reconstituição do Cosmos afaste a ética da política.

Todos os dias chegam-nos narrativas que indiciam sinais que nos podem conduzir a um estado de caos. Todos os sectores orgânicos do Estado demonstram evidentes mazelas, no sector de Infraestrutura, na Justiça, na Educação, na Saúde, nos órgãos soberanos  do Estado. Não só, igualmente há evidente sinais que nos possam evidenciar o estado de caos no empresariado, nas organizações não governamentais, nos órgãos de comunicação social.

O jornal O País comemora 27 anos de vida e faz parte de um grupo de órgãos de comunicação social que surgiram a partir de uma premissa consagrada na legislação moçambicana sobre uma questão fundamental das liberdades, a chamada Lei da Liberdade de Imprensa. Estes órgãos de comunicação social surgiram  com uma forte vontade de se demarcar da colagem que os órgãos de comunicação social públicos faziam ao pensamento do poder. Resta-nos saber se a  voz do jornal O País é uma pedrada  no charco ou  é uma voz clamando no deserto.

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