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Indústria do gás em Moçambique: os desafios que o país poderá enfrentar

O desenvolvimento da indústria do petróleo e gás tem sido vital para as economias devido ao seu contributo no produto interno bruto, receita fiscal, processo de industrialização e geração de postos de trabalho. Em Moçambique, a indústria ganhou mais ânimo com as descobertas de reservas significativas de gás natural na Bacia do Rovuma. Segundo as estatísticas oficiais, é expectável que as Áreas 1 e 4 da Bacia do Rovuma possam gerar receitas para o Estado na ordem dos USD 49,4 mil milhões (cenário base) e mais de 300 mil postos de trabalho directos e indirectos.

Ora, a Decisão Final de Investimento (DFI) anunciada pelo consórcio que explora a Área 1 no valor de USD 23 mil milhões e a esperada DFI da Área 4 liderada pela Exxon Mobil e a ENI têm gerado grandes expectativas entre os moçambicanos que anteveem uma melhoria no seu padrão de vida. No entanto, é necessário ter alguma cautela em relação às expectativas criadas, pois o sucesso futuro vai depender das decisões que o país tomar em relação à utilização das receitas resultantes da indústria.

As más experiências observadas em países como Angola, Guiné Equatorial, República Democrática do Congo ou o Chade resultaram de problemas de gestão, instituições e dependência dos recursos petrolíferos. Essas experiências mal sucedidas impõem enormes desafios para Moçambique, sobretudo o de assegurar que as receitas do gás contribuam para a elevação do bem-estar de todos os cidadãos das gerações actual e vindouras. Assim, as questões centrais que carecerão de atenção são:  

  • Diversificação da economia

É de conhecimento comum que o gás é um recurso não renovável e que se esgota quando explorado. Outro factor é que as receitas do gás são altamente sensíveis a volatilidades de preços no mercado internacional, o que pode alterar significativamente as projecções feitas e afectar os planos de crescimento. Assim, para minimizar estes efeitos e a fuga de trabalhadores e do capital para o sector em expansão, o país deverá transferir parte das receitas do gás para potenciar outros sectores de crescimento, tais como a agricultura, manufactura e turismo, bem como estimular ligações económicas entre estes sectores. Entretanto, para que os sectores tradicionais da economia sustentem efectivamente o crescimento a longo prazo e contribuam para a substituição de importações por exportações, será necessário desenvolver e implementar reformas sérias em cada sector para evitar-se o desperdício de recursos.

É verdade que a entrada massiva de divisas no país resultantes da exportação do gás poderá pressionar para a apreciação do metical, situação que afectaria negativamente as exportações dos outros sectores. Uma alternativa para contornar este fenómeno seria guardar parte das receitas do gás em instituições financeiras estrangeiras e trazê-la de volta para Moçambique de forma gradual ou investir em activos com nível de risco reduzido no estrangeiro.

  • Transparência, corrupção e investimentos

Um dos grandes problemas nos países detentores de recursos petrolíferos, especialmente em África, é que a maioria dos cidadãos tende a permanecer pobre, mesmo depois da descoberta e comercialização dos seus activos (vide os casos da República do Congo ou de Chade). Alguns dos factores que contribuem para a maldição dos recursos nesses países vão desde a falta de transparência na gestão das receitas, elevados índices de corrupção até às opções de investimentos questionáveis.

Moçambique tem estado a piorar no Índice de Percepção de Corrupção, ocupando actualmente a posição 161, de um total de 183 países avaliados pela Transparência Internacional, além de manter investimentos em empresas públicas enfraquecidas. Este cenário é desencorajador para a nova fase que se aproxima, porém há uma discussão actual sobre o modelo de fundo soberano autónomo que o país deverá adoptar para garantir maior transparência na gestão e investimento das receitas do gás. Certamente que este fundo deverá, por um lado, ser inspirado pelas melhores práticas internacionais que se observam, por exemplo, na Noruega, Kuwait ou Botswana e, por outro, estar ajustado à realidade do país e aos objectivos que se pretendem alcançar.

Ora, estes modelos tendem a ser bem concebidos nos países com uma visão estratégica clara, mas o problema surge nos indivíduos seleccionados para gerir as receitas e pela excessiva intervenção política sobre como e em que áreas o dinheiro deve ser aplicado. O Chade é um exemplo de país que concebeu um bom modelo de gestão de receitas do petróleo, mas que colapsou. De Angola são recebidas notícias que dão conta do desvio de elevados montantes do fundo soberano (inspirado no fundo soberano Norueguês) para contas particulares offshore e realização de investimentos duvidosos.

Portanto, se Moçambique pretende financiar o crescimento económico e assegurar o bem-estar das gerações actual e futura com base nas receitas do gás, deve olhar com seriedade para as más experiências e definir medidas para que não se repliquem na economia. Os indivíduos que serão responsabilizados pela gestão de receitas do gás devem ser íntegros, comprometidos com a causa nacional, independentes, com preocupação institucional, reconhecido mérito e altamente respeitados pela sociedade moçambicana.

Os investimentos a serem realizados pelo fundo devem ser canalizados para as áreas prioritárias de desenvolvimento bem como na construção e modernização de infra-estruturas a todos níveis. O provimento de serviços de saúde e da educação de qualidade devem constituir prioridades para que as pessoas estejam preparadas para a nova realidade e beneficiem no máximo das oportunidades que estão por vir. As opções de capitalização feitas devem estar sujeitas a auditorias por entidades independentes de forma a garantir que não exista conflito de interesses e que o dinheiro esteja a ser aplicado nas melhores alternativas disponíveis.

  • Aproveitamento do conteúdo local

O Conselho Económico aprovou recentemente a proposta final da Lei do Conteúdo Local, que visa regular a participação das empresas moçambicanas nos projectos da indústria extractiva. Todavia, para fornecer bens e serviços às companhias petrolíferas é necessário preencher determinados requisitos. Por exemplo, a Anardarko (substituída pela francesa Total) anunciou que para aceder aos USD 2,5 mil milhões relativos á construção da fábrica de liquefação do gás natural em Cabo Delgado, as empresas moçambicanas devem estar devidamente registadas, organizadas e certificadas.

Ora, num contexto onde mais de 95% do tecido empresarial nacional é composto por micro, pequenas e médias empresas que enfrentam problemas de gestão, desenvolvimento de capacidade e certificação, então faz sentido questionar a sua participação efectiva nos projectos do gás. Uma alternativa para auxiliar as empresas a corrigirem alguns dos problemas técnicos e de gestão seria a implementação urgente de um Programa Nacional de Apoio ao Negócio.  No entanto, este programa deve ser bem articulado, ter uma visão de longo prazo para assegurar o desenvolvimento contínuo do sector privado e gerar ligações empresariais.

  • Desenvolvimento das comunidades residentes na zona de produção

Aos comunidades que residem nas zonas onde os recursos petrolíferos são descobertos tendem a queixar-se da falta de oportunidades para aceder aos fundos. Devido ao desemprego ou falta de pequenas fontes de renda, parte dos jovens residentes nas zonas de produção é aliciada para actos criminosos, tais como a sabotagem, roubo dos recursos petrolíferos, rapto dos trabalhadores das concessionárias, e em caso mais graves associam-se a grupos de insurgentes/desestabilização (vide casos da Nigéria ou Líbia).

Para minimizar este cenário, o governo deve assegurar que as receitas do gás tenham um impacto considerável na vida dos cidadãos (principalmente dos jovens) residentes na região de produção, através da criação de postos de trabalho directos e indirectos, fácil acesso à educação e saúde de qualidade. A construção da fábrica de liquefação do gás natural em Afungi representa uma oportunidade inicial para manter os jovens da região ocupados em actividades produtivas.

Certamente que o governo tem interesse que as receitas resultantes da produção e comercialização do gás tenham um contributo assinalável no crescimento económico e na melhoria do bem-estar social dos moçambicanos. Assim, é relevante ponderar sobre a forma com as receitas serão geridas tendo em conta parte dos desafios acima mencionados.

 

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