O País – A verdade como notícia

Homens sem barba e mulheres sem mamas antes dos 16 anos

 

Uma utopia é uma realidade em potência.

 Édouard Herriot (1872-1957), político francês

Até agora não sei bem se foi por coincidência da folga no calendário futebolístico do mundial Rússia 2018 que as conversas desta sexta-feira eram todas mornas. Tudo despertou e incendiou-se depois de um velhote pontapear a monotonia, deixando assim a sua marca no livro dos recordes. O madala estava sentadinho na primeira fila do chapa, de óculos escuros, um casaco a condizer com a época de frio e, adicionalmente, usava um pau preto a servir de muleta, como fazia há uns anos o saudoso doutor dos doutores Mujuabure.

No entrocamento entre as avenidas 24 de Julho e Guerra Popular, um carro parou ao lado do semi-colectivo. Um homem de barba farta, qual  monhé à maneira dos filmes da primavera árabe.

O cobrador pôs-se apreciar o homem barbudo, cobiçado, «quem me dera ter aquela barba, John…»

O velhote ao meu lado, quase saltando da cadeira resmungou:

– Mas você não tem nada para gostar, não tens vergonha, menino? Aquilo só vai te dar borbulhas e sujidade, meu filho! E, repisando:

– Se você gosta, então cria a barba e verá o que vai acontecer.

O cobrador, discordando, abanou a cabeça, numa expressão conhecidíssima da sua geração, «mas este velho não bate bem, não está ma apanhar nas ideias».

O velho que deve andar na casa dos 68, 70 anos pontapeou a conversa para bem longe, como se faz no futebol para aliviar a pressão e contra-atacar:

 – Eu não gosto de barba. Até já fiz questão que os meus filhos não tenham.

Escutei tudo aquilo lendo o livro do notável escritor japonês Haruki Murakami, por sinal, um homem também sem barba.

E como  o velho não se dava por satisfeito, nem sequer sentia haver saboreado os louros da glória voltou à carga – Mesmo as minhas filhas quando começaram a ter mamas aos 12, 13 anos mandei tudo voltar para dentro…

Desta vez não pude tolerar o silêncio, já não conseguia manter-me pregado ao livro do nipónico. E desatei a perguntar:

– Como é que isso se faz isso, pai? Sabe que isso é ciência pura… – comentei vagamente.

– Não sou cientista, meu filho.

– Onde aprendeu, mesmo. Com os seus pais cá no sul?

– Sou do norte, sou de Tete, meu filho (talvez quis dizer norte do Zambeze, entenda-se…). Aprendi há muito tempo, antes de ir para tropa portuguesa em Montepuéz. Eu não queria ser incomodado nas folgas. Toda hora os meus amigos, depois da folga me diziam «vou fazer a barba». Eu ficava sossegado no meu cantinho. Para mim a barba é nojenta.

– Mas como isso se faz, pai?- voltei à carga!

– É muito segredo isso, meu filho.

– Mas, pai… – insisti.

– Está bem. Vou te dizer quando descermos. – prometeu o madala!

– Obrigado

Voltei a deitar os meus  olhos nos HOMENS SEM MULHERES  de Murakami,  conservando uma expectativa crescente pelo momento «H».

O velho que não estava para brincadeiras voltou à carga, gabando-se:

– os meus netos também. Os grandes e o pequenos não vão ter barba. Já lhes fiz o tratamento.

Os dois passageiros da frente e o motorista desataram a rir, à bandeiras despregadas. E, nestes tempos do campeonato do mundo até pareciam adeptos senegaleses na vitória à Polónia.

Pus o marcador na página onde me debruçava,  há pouco. E decidi manter a conversa com o velho, até às últimas consequências.  

– Mas pai! Não vê que está agir contra a natureza humana? Os seus filhos gostam de não ter barba? Que eles dizem, mesmo?

– Eles não querem saber de nada. Veem a mim pai deles sem barba. Não se incomondam. Até riem quando ouvem alguém preocupado em fazer barba no fim de semana para ir a uma festa ou cerimónia.

– Mas as coisas estão a mudar. O mundo é o outro, pai. Veja agora muitos jovens e adultos usam barba farta, cabelo grande. – Será que os teus netos vão gostar quando descobrirem no futuro que o avô fez isto de propósito para cumprir com os seus gostos. Não será isto egoísmo? – indaguei!

– Meu filho vocês como andaram aí a estudar pensam que sabem muito. Eu nem quero saber disso. Eu até lhes fiz um favor. – rematou o velho.

A moça, ao meu lado já tinha lágrimas riscando-lhe o rosto, pelas intermináveis risadas, de tão contente.

O cobrador partia a moca, esquecendo-se de dar trocos a uma outra moça desfeita em gargalhadas descontroladas.

– Vocês aqui no Maputo não sabem nada mesmo… – Lamentava o velhote.

Fui obrigado a descer na paragem do Hospital Central de Maputo para continuar a conversa com o velhote. E como já estava atrasado soltei a pegunta de partida, ao que o madala respondeu:

– para o teu filho não ter barba põe gema de ovo de galo.

E velho meteu-se pelo HCM a dentro sem olhar para trás feito Orfeu.

Não se espantem, meus amigos se, por estes dias me virem muitas vezes no HCM, num e noutro canto, deambulando. Ando à procura do velho de Cahora Bassa. Depois de contar esta história a muitos amigos ando à procura da resposta do velhote para saber como ele faz para os seios das meninas voltarem para trás antes dos 16 anos. De tão envolvido que estava em memorizar a história para não ter barba, perdi outros pormenores deste achado. Vejam que esqueci-me de pedir o contacto daquele doutor dos doutores, nem tão pouco perguntei pelo seu nome.

O que me preocupa  é o meu filho de 4 anos, já com manias de querer fazer a barba, um dia desses saiba que eu registei esta história do velhote de Tete. Vou telefonar aos meus amigos Daniel da Costa, Naguib, Sérgio Vinga, Zeca Ussene para certificar-me destes saberes e, porque não sabores do Zambeze.

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