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HIV: A doença que “roubou” os direitos de algumas crianças

O dia nasceu diferente e o sol sorri para as flores que nunca murcham, mas nem todas as crianças têm a oportunidade de corresponder ao sorriso do sol e nem de comemorar o dia da internacional da criança tal como tantas outras. A nossa equipa de reportagem escalou o bairro Malhazine, mais concretamente na Associação Hixikanwe na Cidade de Maputo. Este local é frequentado por pouco mais de 600 crianças, excluindo adultos e idosos, vivendo com o HIV.

À entrada, crianças, aparentemente, saudáveis davam-nos boas vindas. Algumas, as feridas por quase todo o corpo, denunciavam as marcas de uma doença que ainda mata no país: o HIV.

Só para se ter uma ideia, em 2017 afectou a mais de dois milhões de pessoas, dentre as quais, mais de 168 mil são crianças com idades entre 0-14 anos e 1.9 milhão de adultos e adolescentes com mais de 15 anos.

“O País” conta nos próximos parágrafos, histórias de crianças que, pelo erro dos pais ou mesmo desinformação, contraíram o HIV/SIDA. Os nomes trazidos nesta reportagem são fictícios, como uma forma de preservarmos as suas imagens.

A primeira criança vamos chamá-lo José e tem 13 anos de idade. Clarinho, magrinho e simpático. José contraiu a doença por transmissão vertical, ou seja, de sua mãe durante o parto. Já com dois anos de idade, o menino perdeu os seus pais e ficou com a sua avó. E já aos nove anos, ela revelou-o que era seropositivo.

“Ela disse que eu estava doente e tinha que ir ao hospital fazer tratamento”, contou José, com uma voz de desagrado. De lá até cá, ele foi seguindo o tratamento, mas, sem entender por que motivo, o hospital trocou os comprimidos que inicialmente tomava. Os actuais são pesados e ele não tem comido o suficiente porque a sua avó não trabalha e o pouco que consegue não é suficiente quando comparado com os efeitos dos anti-retrovirais.

“O hospital agora dá-me comprimidos azuis e estes são pesados porque às vezes tomo sem comer nada”, queixou-se José, a criança de 13 anos.

Depois de tomar os comprimidos, o menino dorme na sala. Mas a professora que não conhece a sua condição de saúde bate-o e os seus colegas o discriminam: “Alguns dos meus colegas tratam-me bem e os outros discriminam. Dizem que não podem brincar comigo porque sou doente”, contou.

Ainda que a doença faça com que ele se sinta só, cabisbaixo e discriminado, José é um menino que alimenta sonhos tal como as outras crianças. Ele quer voar pelo mundo!

“Eu gostaria de ser piloto, mas antes queria conhecer o aeroporto, entrar dentro do avião e ver as máquinas”, declarou um menino sonhador.

Mas para poder crescer e concretizar o seu sonho, José exige que os seus direitos não sejam postos de lado pelo facto de ele ser um seropositivo. E ele faz questão de lembrar alguns desses direitos.

“A criança tem o direito de viver bem, não ser batida e também quando a criança fizer coisas erradas lhe ensinar” enumerou José, para depois acrescentar que gostaria de passar o dia da criança com uma festa para todos os seus companheiros seropositivos da associação.
 
“EU NÃO GOSTAVA DE COMPRIMIDOS”    
Ainda na Associação Hixikanwe encontrámos Maria, nome fictício de uma menina de 10 anos de idade. Ela, também, contraiu a doença dos seus pais. Entretanto, o seu pai viria perder a vida quando ela tinha 7 anos, por conta da doença e a sua mãe abandonou-lhe. E hoje ela vive com a avó e uma tia cuidadora.

“O meu pai não tomava bem os comprimidos e ele não seguia a recomendações médicas. Daí ele morreu”, recordou-se a menina de 10 anos com uma voz tremendo de tristeza.

Maria quis seguir o comportamento do pai. Inicialmente, não tomava compridos, mas com o tempo ela percebeu que a sua vida dependia daquela medicação.

“Há muito tempo eu levava os compridos deitava porque não sabia o que tinha e também quando levasse os comprimidos para boca logo derretia e quando amargava, eu deixava de tomar”, narrou.

Tal como José, Maria sente que é discriminada por conta da doença e que não goza dos seus direitos.

“Dizem que sou podre porque tenho feridas nas pernas e isso não é bom para mim e nem para ninguém. Mesmo alguém que tem uma pequena ferida dizem que está podre enquanto ele só tem feridas e não sabe porquê” desaprovou o comportamento preconceituoso de que tem sido vítima.  

E as queixas sobre discriminação são confirmadas pela presidente da Associação.
“Em grandes eventos elas nunca são convidadas, mas eu espero que alguém ouça e nos aproxime, saber que existem essas crianças desse lado, pois elas nunca tiveram pelo menos um bolo”, afirmou a Presidente da Associação Hixikanwe, Judite de Jesus, com um olhar de esperança.

Tristeza a parte…ao ritmo de xigubo as crianças dançam…brincam e declamam poesia…afinal é o seu dia!

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