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Histórias que os muros da cadeia Feminina de Ndlavela escondem

Na cadeia feminina de Ndlavela na Província de Maputo, vivem mulheres com idades de que variam dos 18 aos 65 anos de idade, estão lá porque cometeram vários crimes e cumprem penas variadas.

A sela constituída por mais de 20 camas, todas bem organizadas, cada uma com os pertences de cada detenta. Na última cama da primeira fila, algo chama atenção, um pequeno livro de capa azul e escritas douradas, intitulado “Novo Testamento”, no qual Gilda, nome fictício de uma reclusa, busca conforto dos erros cometidos no passado.

O início da conversa com ela foi difícil, a timidez reinava e as respostas eram simples e fechadas, como se tivesse ensaiado, já que replicava apenas o “sim” ou o “não”.

Quando finalmente decidiu abrir-se, Gilda contou que cumpre, há um ano no estabelecimento penitenciário de Ndlavela, a pena maior de 24 anos de prisão, por ter assassinado o seu marido.

“Ele sempre me batia, um dia chegou, estávamos a lutar e ele pegou uma faca, colocou-me contra parede e disse que queria matar-me, caímos e peguei a faca e piquei o pescoço dele”, contou Gilda, apontando o local do ferimento.

A vida do marido terminou de um jeito trágico, o que mudou totalmente a vida dela, da sua família e dos seus cinco filhos menores.

Por ser mulher e por carregar o sentimento de mãe, quando questionada sobre eles, as lágrimas não tardaram e invadiram a conversa.

“O meu filho mais novo tem dois anos, vive com a minha mãe e irmã, quando fala comigo ao telefone, ele se pergunta quem sou eu, porque para ele minha mãe, sua avó é mãe dele, não o vejo desde que fui presa, na altura, ele tinha sete meses”, desabafou sobre lágrimas, para depois acrescentar que sente muitas saudades do filho.

Encontrámos Gilda na cadeia de Ndlavela, onde estão tantas outras mulheres que, tal como ela, cumprem uma longa pena de até 24 anos por terem cometido vários tipos de crime.

Calmamente, como se nada mais a preocupasse e tirando o capim da machamba onde foram plantadas mandioqueiras, encontramos Maida, nome fictício de outra reclusa, que, para pôr fim à violência doméstica de que sofria, tentou, juntamente com os seus três filhos, suicidar-se, afogando-se num poço.

Nessa tentativa, morreram dois filhos, um de três anos e outro de cinco; quem sobreviveu tem, hoje, 13 anos e é ele quem lhe dá forças e esperança para continuar a viver.

“Eu errei muito, não devia ter feito o que fiz, sou culpada e tudo que peço é perdão, perdão do meu marido, perdão do meu filho e de toda família, tive uma pena de 24 anos e já cumpri 11”, confessou.

Maida chegou à cadeia ainda nova com 24 anos e, agora, já crescida, pensa que tudo podia ter sido diferente.

“Eu podia ter ficado calma, podia ter saído daquela casa, devia ter agido de cabeça fria, como me arrependo! Tudo que eu quero é sair daqui e começar uma nova vida, e peço, minhas irmãs, sempre que tiverem um problema em casa, com o marido, sentem-se e conversem, não façam nada que depois vos faça se arrependerem, não cometam o mesmo erro que cometi”, aconselhou a detenta, que hoje diz estar arrependida.

Nesta penitenciária, as histórias cruzam-se, parece que seguem todo um roteiro específico. Longe de tudo e de todos, procuram uma forma de aliviar a dor no seu processo de reabilitação.

É nas plantas em que, Maria, nome fictício de outra reclusa de 35 anos, encontra a melhor companhia, pois acredita que é, nelas, em que está a esperança de um futuro melhor.

Ela prefere não falar da sua vida, contar o motivo que a levou à cadeia e muito menos dos seus filhos, mas um “segredo ela revelou” – é na bíblia em que busca o perdão dos seus pecados e, através desse livro sagrado, encontra-se com Deus.

“O que faço agora é apagar, da minha mente, tudo que me faz mal, procuro estar tranquila comigo mesma e, quando sinto-me fraca, prestes a desistir, agarro-me a palavra de Isaías 41-10 que diz que eu não devo temer nada, ele (Deus) é meu protector, quem me ajuda”, partilhou a reclusa.

Nesta cadeia, as mulheres não estão apenas a cumprir penas, exercem várias actividades para a sua reabilitação, como a criação de galinhas, a costura e produção de ovos como também aprendem a ler e a escrever.

Todas elas afirmam que são mulheres fortes e, embora estejam na cadeia, desejam ser livres e poderem voltar à rua, estar com as suas famílias e trabalhar como antes o faziam.

Apesar de serem reclusas, hoje são professoras da vida e têm muito para ensinar: “minhas irmãs, vocês têm a chance de fazerem tudo diferente, se estiverem chateadas com o seu marido, saiam e vão apanhar ar, podem pedir conselhos àqueles que vocês confiam, mas nunca optem pela violência”, concluiu Raquel, outro nome fictício de uma reclusa, que, por muito ter aprendido na cadeia, hoje tem o sonho de um dia se formar e ser a comandante do estabelecimento penitenciário, onde cumpre 16 anos.

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