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Há muitas lágrimas nos olhos de Sua Excelência

Fazia já algum tempo que a noite tinha caído sobre a capital do país. É verão; a escuridão que dorme sobre Maputo por estes dias não tem sido demasiado pesada. É uma ninharia se compararmos com a escuridão dos dias de Inverno. Em contrapartida, durante o dia a cidade tem aquecido demais, não há quem não reclame. Tem sido uma espécie de estágio para o inferno. À noite sobram alguns resquícios desse calor que os mais sabidos dizem que se deve aos efeitos das mudanças climáticas. A situação está grave, contudo ainda vamos a tempo de evitar o pior.

Enquanto uma parte da cidade já dormia, Sua Excelência estava acordado. Desde que o ano iniciou não tem conseguido dormir como deve ser. Nada disto tem que ver com o calor que tem assolado a capital. Mesmo se tivesse, a sua casa tem ar condicionado. Para Sua Excelência, calor só mesmo fora de casa e do seu carro no qual no confortável assento do motorista o seu corpo pesado estava sentado. Um carro preto no meio de uma noite coberta por uma leve escuridão. Enquanto não saía do carro as suas mãos grossas estavam sobre o volante. O carro estava estacionado algures num dos bairros da periferia da cidade.

Sua Excelência não sabia como tinha chegado ali, mas sabia que estava indeciso se saía ou não do carro.

A Escuridão e ansiedade nunca foram bons aliados e Sua Excelência sabia perfeitamente disso. No mandato anterior tinha desempenhado a função de ministro de uma pasta muito importante na máquina governativa do país. Na profissão que ele tinha desempenhara muito antes de ser ministro controle emocional é uma arma muito poderosa e lá tinha aprendido aquilo que naquele momento ecoava na sua mente – Escuridão e ansiedade nunca foram bons aliados.

Nos primeiros meses do ano todos vivemos ansiosos. É o início de um novo ciclo. Há projectos novos por ganharem corpo. Há alegrias que esperamos que nos cheguem aos olhos. Há frustrações do ano anterior que tememos que nos assombrem no novo ano. Há uma série de coisas que neste momento se transformam em imagens que ultrapassam a imaginação na tua cabeça.

Ninguém merece sofrer uma pesada derrota no início do ano. É como começar um casamento sem consumá-lo. Ninguém merece. Ninguém merece um casamento sem direito às fantasias da noite de núpcias, mesmo que o pote esteja já sem mel. Ninguém merece.

E Sua Excelência também sabia disso tudo. A ansiedade roía-lhe os miolos; se as coisas continuassem como estavam ficaria com a cabeça fazia no meio daquela noite. As nomeações já começaram a sair e nada do meu nome, pensava ele. Se calhar estava a ser precipitado já que naquele ano saía tudo às gotas. Porém se considerarmos que já tinha saído três fornadas de nomeações e que o nome dele não constava de nenhuma, ainda por cima a pasta para qual tinha ocupado no mandato anterior neste já tinha outro titular, somos obrigados a dar mão à palmatória e dizer que ansiedade do homem é fundamentada.

– Que se foda, vou lá! – disse Sua Excelência enquanto arrastava o seu corpo rechonchudo para fora do carro.

No exterior do carro a rua estava deserta. Se fosse noutra altura talvez veria um par de jovens esquinados nalgum muro a fazerem coisas que podiam fazer no quarto. Mas nem esses aventureiros por ali andavam.

Não levou muito tempo na rua. Passados alguns minutos depois de ter saído do carro Sua excelência estava a bater a porta de uma casa muito conhecida naquela rua.

– Sua Excelência! – disse o homem que o atendeu com um ar surpreso. – o que faz aqui a esta hora?

– Sabes que já há muitos nomes? – rematou o homem sem responder ao que lhe tinha sido perguntado.

– Sim sei, Sua Excelência.

– E o meu nome?

– Já amanhã, Sua Excelência.

Sua Excelência olhou para o curandeiro e desatou a chorar.

 

 

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