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Falta material cirúrgico em alguns hospitais públicos do país

Há hospitais no país que estão sem material médico básico para cirurgia. Os pacientes que queiram fazer operação ou algum exame são obrigados a comprá-lo nas farmácias privadas. Em entrevista ao “O País”, a directora nacional de Assistência Médica nega tudo.

De primeira, a imagem exterior das unidades sanitárias sugere que esteja tudo normal. Os pacientes, alguns coxeando e outros apoiando-se nos seus familiares, entram e saem pelas portas dos hospitais do país. São pessoas que padecem de diversas enfermidades.

Entretanto, de normalidade só há mesmo aparência porque muitos problemas estão escondidos em alguns hospitais do país. “Como é que um hospital não tem material imprescindível como uma algália?”, questiona uma das nossas fontes, num tom de revolta.

Pois é. É sobre a falta de material médico-cirúrgico básico que vamos falar nesta reportagem. Segundo apurámos, este problema é dos hospitais gerais de Mavalane e José Macamo, na Cidade de Maputo, e provinciais de Tete e Chimoio, este último em Manica.

A denúncia vem de Cristina Macamo, nome fictício, que viu o seu pai ficar “muito doente”, abatido e sem forças, seguindo sublinhou. Ninguém sabia, ao certo, o que ele tinha.

“Quando ele sentiu-se mal, tivemos que o carregar porque já não conseguia nem andar. Levamo-lo ao hospital e foi-lhe diagnosticado cancro da próstata”, contou, angustiada, Cristina Macamo.

Após o diagnóstico do cancro da próstata, o Hospital Geral de Mavalane internou o paciente (pai de Cristina) para melhor acompanhamento, mas ele não ficou por muito tempo na unidade sanitária. Foram apenas dois dias.

Aliás, conforme o depoimento da filha, “quando ele regressou à casa, as suas necessidades já tinham sido drenadas. Depois desse processo, nós tínhamos que continuar em casa, porque o hospital já não tinha o material para continuar com o tratamento”.

E o material que o hospital disse não ter é algália, um dispositivo que se coloca na uretra e fica preso na bexiga para permitir a saída da urina. Uma vez que a unidade não tinha o material, recomendou aos familiares que procurassem nas farmácias privadas.

“Ligamos para todas as pessoas possíveis de imaginar, que conhecemos e trabalham nos hospitais, farmácias públicas e privadas. Nós procuramos ligar para todo o mundo, mas ninguém tinha algália”, narrou Cristina Macamo.

Não acharam a algália e, por isso, perderam um ente querido. “Nós poderíamos, muito bem, estar com o nosso pai vivo se tivéssemos tido assistência e a verdade. Colocaram-nos como condição o tratamento do nosso pai, que fôssemos nós próprios a adquirir o material que só se adquire nos hospitais”, expôs, angustiada, Cristina Macamo.

Nem todos têm um desfecho triste. A nossa segunda denunciante tinha um familiar internado no Hospital Geral de Mavalane. O médico recomendou que o doente fizesse o exame de cabeça, mas a unidade sanitária não dispunha de meios cirúrgicos para o fazer.

“O material que nos foi pedido eram seringas, luvas, cateteres e agulhas. Então, nós, porque queríamos o nosso familiar recuperado, fomos comprar o material, eu levei-o pessoalmente e fui entregar ao hospital”, revelou a nossa fonte, que falou em anonimato.

O hospital recebeu o material e fez o exame. O paciente melhorou, está em casa, mas ficou a indignação dos familiares. “O que eu sei é que tudo fica na responsabilidade do hospital. Quando pediram aquele material, fiquei indignada, admirada e eu pensei: porquê desse pedido?”, questionou, retoricamente, a nossa entrevistada.

 

ENTRE OS CUSTOS E A DISPONIBILIDADE DO MATERIAL NAS FARMÁCIAS

Fizemos uma ronda pelas farmácias na capital do país e constatamos que o material cirúrgico solicitado pelos hospitais é raro e oneroso. Começámos pelas farmácias públicas, mas não achamos todo o material.

“Temos luvas, mas não temos seringas, nem cateteres, muito menos o disco CDR”, elencaram o material disponível e indisponível as profissionais de farmácias públicas que nos atenderam.

O mesmo cenário replica-se nas farmácias privadas. Em todas, os técnicos que nos atenderam foram unânimes em afirmar que o material de que fizemos referência só pode ser adquirido por encomenda nas importadoras.

No que diz respeito aos custos, da ronda que fizemos pelas farmácias, pudemos ter uma ideia de quanto custa o material médico-cirúrgico mais solicitado pelos hospitais.

As algálias custam, em média, 1200 Meticais cada, um cateter não está abaixo de 1000 MT, seringa 80 MT por unidade e o preço de par de luvas não é inferior a 30 MT. O último, e não menos importante, é o disco CDR que custa 75 MT. Isso significa que os familiares do paciente a quem o hospital prescreveu este material não gastou menos de 3425 MT.

Regra geral, das informações a que “O País” teve acesso, nos hospitais de Mavalane, José Macamo e provinciais de Chimoio e Tete, faltam os seguintes materiais: seringas, cateteres, luvas, agulha de raqui e anestésicos para os blocos operatórios.

 

O QUE ESTÁ A FALHAR?

Para a sociedade civil, a escassez de material cirúrgico básico nos hospitais revela uma desorganização do sector da Saúde. “O que temos visto, hoje em dia, é uma gestão deficiente, porque a logística e a monitoria não é constante e não é permanente”, apontou Angelina Magibire, do Observatório do Cidadão para Saúde.

Numa entrevista exclusiva, “O País” confrontou a directora nacional da Assistência Médica com denúncias de falta de material cirúrgico nos hospitais e disse não ser verdade. “Acreditamos nós que se não há problemas nas outras províncias, provavelmente também não haja problemas nestas províncias (Manica, Tete e Cidade de Maputo). Eventualmente, possa ser um erro de percepção ou alguma coisa que possa naquele momento ter passado, mas particularmente, em relação à questão do material médico, seringas e cateter, só no início de Junho, distribuímos mais de três milhões de seringas de diversos tamanhos para todo os hospitais do país”, declinou Luísa Panguene, directora nacional da Assistência Médica.

E, então, o que está a falhar para que os pacientes não tenham acesso ao material que o Ministério da Saúde diz ter distribuído em todo o país? “É um pouco difícil dizer o que é que falhou. Teria alguma dificuldade em dizer o que é que, eventualmente, possa ter acontecido” – a directora nacional da Assistência Médica não conseguiu justificar o porquê da falta de material cirúrgico nas unidades sanitárias.

O Ministério da Saúde garantiu que há, no país, um stock de medicamentos básicos e insumos médicos para os próximos seis meses.

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