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“Estamos a inserir Maputo na rota dos grandes concertos”

Belmiro Quive é o grande responsável pela vinda de artistas de grande gabarito a Maputo, casos de George Benson, Marcus Miller ou Richard Bona. Como promotor de espectáculos da BDQ, o mentor do Moments of Jazz explica, nesta entrevista, o que implica trazer estrelas da música sem contar com valor de bilheteira, insuficiente para um espectáculo de primeira classe. De acordo com Quive, Maputo está a entrar na rota dos grande concertos internacionais, tanto que músicos como Bryan Adams, Anita Baker e Michael Bolton já manifestaram interesse para vir actuar na Pérola do Índico.

 

É um promotor de espectáculo de referência, quando se fala de música e de jazz em particular. Por que investir nesta área?

Nós decidimos investir nesta área porque queríamos tapar uma lacuna que o mercado tinha, no que diz respeito a eventos de primeira classe. Além disso, norteou-nos a pretensão de colocar Maputo na rota dos grandes concertos, criando uma oportunidade de artistas nacionais interagirem com músicos de alto nível, com vista a desenvolver esta área da cultura.

Foi por negócio ou por paixão?

Foi por paixão. O meu primeiro evento foi feito sem uma planificação prévia. Na verdade, resultou de uma conversa que tive com Gerald Albright. Nesse encontro que tive com o músico, em Miami, nos Estados Unidos, ele manifestou-me uma insatisfação por ter sido contactado muitas vezes para vir actuar em Moçambique, algo que até altura da conversa não se tinha concretizado. E isso doeu-me muito porque, quando nos encontramos no estrangeiro, é sempre doloroso ouvir falar mal do nosso país. Na emoção, eu disse-lhe que iria lhe levar para Moçambique. E aí começou o Moments of Jazz. Depois de dar a minha palavra de honra a Gerald Albright, ao voltar para o país, comecei a contactar empresas que me ajudaram. O evento aconteceu e aí apercebi-me de que, afinal de contas, era possível fazer boas coisas para o meu país.

Quanto tempo depois da conversa com Gerald Albright o evento aconteceu?

Essa conversa foi em Janeiro de 2013 e o evento realizou-se no dia 18 e 19 de Maio, portanto, cinco meses depois, tempo suficiente para me organizar, apenas com o apoio de uma única empresa, que foi a Vodacom.

Esse compromisso com o Jazz e organização de espectáculos musicais em geral, agora, é consequência de uma vida empresarial ou é consequência de, já aos 13 anos de idade, ter se divertido ao ver a actuação de Eric Clapton no Estádio da Machava?

Tenho a sorte de ter começado a ouvir música desde pequeno. Meu pai é um dos grandes coleccionadores de música do país. Ele é um grande fã de rock, blues e pop. Na verdade, foi o meu pai que me levou a ir ver Eric Clapton, como uma forma de passar o testemunho. Isso contribuiu para o gosto pela música que tenho agora. Por outro lado, fui DJ, e quem toca quase que é obrigado a gostar de vários estilos musicais. Lembro-me que nos anos 90, era grande apreciador de zouk. Por causa do ofício, fui-me abrindo e, assim, fui conhecendo figuras como Earl Klugh.

 

Como é prepara-se para trazer músicos como George Benson ou Marcus Miller para o país?

Primeiro lidamos com agenda dos artistas. Segundo, levamos em conta o valor que os nossos patrocinadores dão. Assim é desde 2014, porque em 2013 trouxemos cinco: Gerald Albright, Lee Ritenour, Earl Klugh, Norman Brown e ainda fizemos espectáculo de Jimmy Dludlu. No ano seguinte, fomos subindo, com Marcus Miller, Euge Groove, Richard Bona e por aí fora.

Já vos aconteceu almejarem trazer um artista e, por causa da agenda, terem que convidar um outro?

Já. E, na verdade, essa é a situação que estamos a viver agora. Queremos trazer um determinado artista, mas não será possível porque tem outras agendas. Simultaneamente, temos manifestação de interesse para vir a Moçambique de Bryan Adams, Anita Baker e Michael Bolton, que nos contactaram por via dos manager, depois do sucesso que foi o espectáculo de Billy Ocean. Estamos a equacionar essas propostas porque nos encontramos numa fase de orçamentação e ainda não sabemos quanto dinheiro teremos para o ano. Logo que tivermos essa informação monetária, saberemos dizer qual será o outro artista a trazer para o país em 2018, porque já a 2 de Marco teremos Noite de Guitarra com Richard Bona e mais duas surpresas que vamos revelar no dia 1 de Dezembro.

 

Quanto mais a BDQ organiza concertos ao mais alto nível mais fácil fica trazer músicos de dimensão internacional, certo?

Sim, porque, quando as coisas são bem feitas, a informação circula para os outros manager. Um evento do nível que organizamos tem um impacto fora do país. E quando bem feito então, acabamos atraído público de outras origens, como Namíbia, Swazilândia, África do Sul, Angola e Zâmbia. Esta adesão também acontece por que mudamos o paradigma da forma de fazer espectáculos, com previsibilidade do dia dos concertos. Sem falha. Um exemplo, uma dessas vezes em que me encontrava nos EUA, eu estava com George Benson e Macus Miller. E ele disse: “Belmiro, quando eu for a Maputo, por favor, leve-me ao mesmo restaurante que levaste ao Miller, que ele falou muito bem do mesmo”. Isso revela comunicação entre eles sobre o nosso evento e que estamos no caminho certo. No passado, a falta desta organização constituía um dos grandes problemas que enfrentávamos no país. Os promotores chegaram a ficar desacreditados. Nós estamos a mudar as coisas e a mostrar as pessoas que é possível comprar o bilhete seis meses antes sem consequências negativas. E tudo fica mais fácil porque já sabemos quem é o nosso público.

 

É um público que se identifica com a cor do cabelo (branco ou preto), com ou sem rugas na face?

É um público que se identifica com boa música, de autores que marcaram gerações.

A propósito disso, há quem diga que a BDQ traz monstros decadentes ao país. É uma situação que vos preocupa?

Para todos que pensam assim, eu lanço um desafio: quando anunciamos a vinda de um artista, é muito simples, as redes sociais ajudam muito, todos eles têm uma página na internet. Então, é só irem ver o que esses artistas estão a fazer antes de vir para Moçambique e o que vão fazer depois de sair de Moçambique. Por exemplo, Billy Ocean está agora a fazer uma digressão mundial.

O que músicos como Benson, Miller e Albright mais levam de Moçambique quando regressam?

Primeiro, a reacção do público, que se entrega aos espectáculos de forma apaixonada. E até existe uma explicação para tal, afinal muitos desses músicos vêm pela primeira vez, mas nós os conhecemos há mais de 30 anos.   

 

Estão a conseguir rentabilizar a cultura e o turismo do país com a vinda de grandes nomes da música, de forma que quem vem do estrangeiro para os espectáculos possa voltar um dia para passar férias, por exemplo?

Acredito que sim, porque, quem vem de fora para participar nos espectáculos prova a nossa gastronomia, a nossa cerveja e há sempre razões para voltar para Moçambique em geral e para Maputo em particular.

 

Que conquistas a BDQ alcança com este tipo de concertos?

Um intercâmbio entre os artistas é uma grande conquita, porque sei que há contactos que são feitos entre eles. Por exemplo, sei que está no “pipiline” a gravação de um CD entre Jimmy Dludlu e Norman Brown, que é um corolário do Noites de Guitarra deste ano. Isto é um ganho para a cultura, para música e para o público em geral.

Só com o valor do ingresso, conseguimos trazer ao país Billy Ocean, por exemplo?

Não. Honestamente falando, não. E é aqui onde os nossos patrocinadores desempenham um grande papel. Os patrocinadores são uns grandes heróis. Nós, como BDQ, não temos capacidade de fazer espectáculos sozinhos. Se os nossos patrocinadores nos abandonam, pode-se ter a certeza que, no dia seguinte, o Moments of Jazz morre. Nosso mercado ainda não está preparado para costear um espectáculo de primeira classe apenas com o valor do bilhete. Independentemente do ritmo, porque o nosso poder de compra ainda é baixo.  Mas, mesmo nos outros mercados, tenho amigos promotores no Gana, África do Sul e Zimbabwe, trabalha-se com grandes parceiros. Uma nota. Para ver o espectáculo de Bryan Adams, que vai acontecer dentro de dias na África do Sul, é necessário 1100 randes, mais ou menos o equivalente a cinco mil meticais. E esse bilhete não é VIP. Nós fazemos um espectáculo de Billy Ocean, em pré-venda, ao preço de 1500 meticais, o equivalente a 300 randes, portanto, muito longe do que seria mesmo espectáculo na África do Sul.

 

Mas a cultura de pagar, digamos, o preço justo, por um espectáculo a sério, está vincar?

Sim, mas ainda estamos longe. Se, no passado, eu poderia fazer um espectáculo dos Kool & The Gang e sonhar com uma audiência de 10 mil pessoas, hoje rondamos nas cinco mil pessoas.

 

A este nível, conseguimos trazer, daqui a alguns anos, qualquer músico que se pretenda?

Conseguimos, sim. A nossa maior dificuldade, agora, é financeira. Por exemplo, o meu maior sonho é trazer Lionel Richie. Neste momento não consigo trazer-lhe porque uma das condições para Richie vir a África é ter três concertos. Então, aí temos que tentar fazer a ginástica de tentar convencer Zâmbia, país onde ele nunca esteve, Gana e Malawi, onde tenho amigos promotores para ver se juntamos forças. Isso ainda não foi possível.

 

E Moçambique não tem capacidade para acolher três concertos de Lionel Richie na mesma altura…

Não conseguimos fazer… Nós temos três grandes mercados: Maputo, Beira e Nampula. Se fizéssemos os concertos em cada uma dessas cidades, iríamos espalhar o público. As cinco mil pessoas que conseguimos em Maputo, boa parte vem da Beira e de Nampula. Um terço dos espectadores do Moments of Jazz ou Noites de Guitarra é de fora de fora de Maputo.

 

A UEM é vosso espaço de eleição. Há um por quê?    

É, sim. Temos um problema sério em termos de espaço de espectáculos no país. Hoje, o meu outro sonho, é construir uma sala de espectáculos. Actualmente, estou a tratar disso com o Município. Se me der um espaço, faço uma sala de espectáculos porque uma das grandes críticas que a BDQ recebe tem a ver com problemas ligados à logística. Por exemplo, hoje as pessoas vão ao espectáculo e reclamam por causa das condições de casa de banho ou porque gostariam de ter uma zona VIP melhor. Com uma sala de espectáculos, contendo espaços privados, podemos ultrapassar muitos constrangimentos. Quanto à UEM, usamos o local pela sua localização e facilidade de parqueamento. E o Campus da UEM é um local com duas entradas, o que também facilita muito.

 

Sugestões artísticas para os leitores do jornal O País?

Sugiro o novo CD de Richard Bona e In the Groove, de Jimmy Dludlu.

 

Perfil

Belmiro Quive nasceu no dia 31 de Maio de 1976, em Maputo. É formado em Ciências Jurídicas, membro fundador e Director Executivo da BDQ-Holdings, criada a 6 de Agosto de 2003.

 

 

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