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Entre Linhas do Bairro D

Por: Belchior Eduardo

 

Não encontro uma forma adequada de começar a contar o que aconteceu naquelas ruas. Foi tudo estranho, uma ocorrência que jaz além da compreensão de todos moradores do bairro, até do secretário e chefe do quarteirão. De longe, é muitíssimo estranho.

A minha participação começou quando recebi o telefonema de um número desconhecido:

– Alô, quem fala por favor?

– Sou eu…

– Eu quem!?

– Não estás a reconhecer? Estas maluco, né?

Era Lina minha esposa, é uma pessoa comportada, conservadora, convicta nas suas ideias, religiosa, acredita sobejamente em espíritos e práticas da primeira religião de África, diz que tem tido sonhos com cobras, dentro de casa, porém nas informações que tive nas minhas andanças, dizem que os sonhos são reversos, se sonhas com cobra possivelmente não estará lá, mas, ela acredita e diz que sou menos medroso. De altura baixa e pele escura, é mesmo uma mulher africana daquelas.

– Desculpa, amor, havia muito barulho aqui, que se passa? Porque ligar com um número desconhecido?

– Estou sem carga, mas isso não interessa agora, aqui tem cobras, três cobras.

A temperatura é instável no bairro D, as vezes frigida no início e final do dia, ou quente no início, é mesmo incompreensível. As pessoas que nela habitam, são simpáticas, porém na sua maior parte por idosos e os da segunda idade quase que todos são solteiros, religiosos típicos, professando a maior religião do mundo, uma miscelânea ali de idades e culturas diversas.

– Mas, como assim? Porque não matam? Estão assistir apenas?

– Eram três, duas já mataram e outra entrou dentro de casa?

– Como assim? Está bem, vou já aí.

Ali tudo começou, o bairro D é uma circunscrição com ruas divididas por quem é de direito. Pouco movimentado, mas com pequenas aglomerações de adolescentes e crianças vendo o seu tempo passar, vedações típicas de quem é precaucioso, porém sem condições para a construção de um muro apreciável, espinhosas como vedação, lixeiras, casas na sua maior parte não rebocadas, outras abandonadas, zona que partilha a mesma localidade com a maior fábrica de cerveja nacional, terras aráveis e muito férteis para plantio de hortaliças, aqui, não esta péssimo nem mau, mas dá para morar e ver sua idade passar, com poucos ou quase inexistentes malfeitores, ruas cheia de rochas sedimentares aquelas do fanerozóico.

– Onde está a cobra, acharam-na? Perguntei logo que cheguei.

– Não. Está algures lá dentro. Estás diferente, o que se passa?

Eu, de altura alta, corpo forte, escuro, míope, com umas sapatilhas brancas e pretas nas solas, calças de jeans, camisa branca ajustada, acredito que o destino do Homem é traçado pelo próprio Homem, basta que tenha propósito de vida conseguirá coisas grandiosas, acredito sempre na positividade.

– Iremos acha-la, ainda hoje.

– Mas como achar, se a escuridão começa a chegar?

– Não te preocupes, faremos isso.

Colocamo-nos a revirar a casa. Primeiro focalizamo-nos no ponto essencial: o quarto, longos minutos à procura e eis que nos apareceu a ideia de levantar a base da cama e para o nosso espanto:

– Achei a cobra, achei a cobra.

– Onde está?

– Em baixo da base.

Naquele momento, chegou o meu compadre, que sugeriu que levantássemos novamente a cama. Para o nosso espanto, a cobra não estava lá.

– Mas como? Eu vi, tenho a certeza que vi a cobra enrolada, ela é meio verde com pintinhas pretas.

– Sim, é a mesma, é a mesma que vimos desaparecer cá fora, enquanto as outras pegamos e queimamo-las com pneu e petróleo.

Novamente, levantamos a base de cama e colocamos na posição vertical e, logo a seguir, começamos a procurar.

– Não é possível que ela tenha desaparecido assim misteriosamente. Não pode ser, tenho a certeza que vi, e vi mesmo.

– Tens a certeza mesmo?

– Não gosto disso, posso ser míope, mas não sou cego.

De repente, algo brilhante, escondida, era mesmo a cobra, bem enrolada em um buraquinho.

– Compadre, ali está a cobra, ali está, vamos matá-la.

Matamos a cobra e colocamo-la numa fornalha com pneu e petróleo. E, volvidos 15 minutos, é que, de repente, nos admiramos:

– O que é isso, na verdade? Nunca vi um fenómeno assim, o que é isso? Não é normal, só pode ser feitiçaria. Não pode ser. Disse espantada Lina.

Eu, distraído, fiquei trémulo, arrepiado e sem nada puder fazer peso embora não ter visto o que realmente sucedia.

– O que se passa? O que está a acontecer?

– Veja isso, pessoalmente.

– O quê, o que está acontecer aqui? Não pode ser possível?

Todos ficaram espantados pelo sucedido, sem saber o que estava acontecer naquele momento.

A cobra transformou-se numa borracha, intacta e sem ser consumida pelas chamas que a cobriam.

– Alguém, chama o secretário para ver isso, por favor.

 

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