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Entre discriminação e estigma, há histórias de sucesso entre os albinos

O “O País” traz histórias de moçambicanos albinos, que, apesar das adversidades, procuram impor-se numa sociedade repleta de preconceitos. Retrata, ainda, exemplos de superação que mostram que ser albino não constitui impedimento para sonhar, lutar e realizar objectivos individuais.

Moçambique conta com cerca de 30 mil albinos, que são pessoas que sofrem de uma condição genética rara por falta de pigmentação. Mas, ainda assim, mesmo com todas as palestras, há quem ainda é discriminado.

Na cadeira preta, encostada à parede de casa, Julião Alfredo, conhecido como Julinho, senta-se sozinho e olha para o infinito como se de algo procurasse, mas, na verdade, procura a explicação de ter nascido albino.

“A minha vida é um sofrimento, desde criança, sou discriminado e a minha família não quer saber de mim, abandonou-me! Até desta casa já tentaram, várias vezes, me mandar embora, tudo porque sou albino, se eu não o fosse, nada disso estaria a acontecer comigo”, desabafou.

O jovem, que tem na pele rugas e manchas vermelhas, que mostram as fragilidades que tem por conta do albinismo, vive com a sua avó materna e outros primos, e diz que passa maus bocados.

Se uns buscam consolo na mãe, Julinho não tem a mesma sorte, pois nunca viveu com ela, nem nunca pôde contar com o seu apoio e “só vem para esta casa para me mandar embora,   nunca veio visitar-me, diz que tenho que sair daqui, porque não faço parte desta família”.

Por causa disso, usa uma cozinha improvisada e separada dos outros membros da sua família e, mesmo a sua casa de banho é “exclusiva”.

“A polícia já veio várias vezes para aqui, para resolver os problemas que tenho com a minha família, pois já passei dias sem comer, tinha que pedir ajuda a alguns amigos, como não tenho um trabalho fixo, faço biscatos: corto árvores, faço blocos, mas, quando não há trabalho, também não há dinheiro, por isso, quando a minha família me exclui das refeições, passo mal”, lamentou Julinho.

Para além da discriminação, sofre por causa do sol que, por conta da sua condição, pode causar o cancro da pele, principalmente porque os trabalhos que executa são feitos na sua maioria exposto ao sol.

Mas, diz que, para evitar que a pele fique vermelha e com feridas, opta sempre por um chapéu com abas, e roupas que cobrem todo o seu corpo.

O protector solar é uma alternativa para os albinos, mas a maior parte dos albinos não tem condições para adquirir e a fonte conta que a solução encontrada por ele é o uso da vaselina, mas que também não ajuda.

Mas nem tudo corre mal para os albinos

Jamisse Taimo é albino e tem um currículo recheado e das suas funções destacam-se o facto de ter sido o Presidente da Comissão Nacional de Eleições.

Diz que, diferente de muitos albinos, não enfrentou barreiras na sua vida e foi na sua família em que encontrou o alicerce de que precisava.

“Tive todo apoio e carinho quanto do lado dos meus pais, da comunidade, igreja e, em termos das responsabilidades que assumi, não entendi que estivessem a dar oportunidade a um albino, mas alguém competente que pudesse realizar com zelo as funções que lhe eram confiadas”.

Diz que, mesmo na infância, poucas foram as pessoas que tentaram o colocar para baixo e acredita que mesmo as crianças, que por algum momento o desprezaram, o fizeram por imitar algum adulto, mas nunca foi recorrente.

“Nunca coloquei em mente a questão da discriminação. Algumas vezes ouvi a expressão xidjana, mas eu dizia para mim mesmo, esta é a palavra que os bitongas usam para chamar os albinos, pois até hoje ninguém me disse como se diz albino nessa língua”, disse Jamisse aos risos.

O problema de vista é algo que também não o afecta muito, conduz com a prudência que falta a muitos e, mesmo no Brasil onde tirou a carta e em Moçambique, não foi confrontado sobre a sua capacidade.

“Consegui vencer os tabus e apercebi-me de que ser diferente é ser especial”

Aos 21 anos, Helena Cheuzia é modelo e embaixadora de algumas marcas nacionais. É mais uma albina que deixou as dúvidas de lado e venceu os preconceitos.

Cheuzia conta que, na sua infância, chegou a questionar a Deus o motivo de ser albina, pois sofreu muito por conta da discriminação e pelo medo de ser raptada para fins obscuros, como acontece a alguns albinos.

“Não entendo por que as pessoas têm preconceito, pois os albinos fazem o que qualquer pessoa faz, eu brinco, vejo, falo, posso até ter dificuldades, mas as pessoas levam isso para o lado mau”, lamentou, chorando…

Porém, as lágrimas não duraram muito tempo; limpou-as, pois recordou que, em sua volta, existem pessoas que a amam e conseguem ver as suas qualidades.

“Mesmo com todo mal, consegui vencer os tabus e apercebi-me de que ser diferente é ser especial, tenho dificuldades em muitas áreas, mas, sempre que caio, levanto, porque sei que o caminho é para frente”, concluiu, orgulhosa.

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