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“’Enigma’ é um espelho daquilo que sou interiormente”

Buanamade Amade é um dos novos actores cuja representação tem encantado realizadores que produzem cinema no país. Além de desempenhar o papel de irmão de Eusébio, no filme Ruth, do português António Pinhão Botelho, lançado em Maio deste ano, agora, faz parte do elenco de Avó Dezanove e o segredo do soviético, filme de João Ribeiro. Nesta entrevista, o actor fala da sua participação nos dois filmes, numa entrevista focada à sua estreia na encenação de uma peça teatral, Enigma: 1 e 1, se as condições atmosféricas permitirem, a ser apresentada na próxima quinta-feira, na Fundação Fernando Leite Couto, em Maputo.

A sua primeira encenação, Enigma: 1 e 1, traz um duplo questionamento sobre a existência humana. O que lhe interessou levar ao palco com a peça?

Deixe-me começar pelo princípio. Este nosso trabalho tem números no título porque quisemos fazer referência ao livro Génesis, capítulo 1, versículo 1. Esta peça gira em torno de tudo o que já ouvimos falar, lemos e aprendemos nas nossas comunidades e na arena científica. Tudo a ver com a criação do mundo, que tem muitas vertentes. Fizemos a peça para promovermos a reflexão, até porque cada um tem a sua convicção em relação à teoria do surgimento do mundo ou do homem. Com este trabalho queremos buscar respostas.

Este trabalho é resultado de uma instrospecção que lhe é particular?

De certa forma, sim. Se formos a ver o trabalho artístico, na sua maioria, é sempre alguma coisa que mexe connosco. O Enigma não foge à regra. Eu sou jovem que cresci num dogma religioso. Então, o Enigma é um espelho daquilo que eu sou interiormente.

O Enigma: 1 e 1 passa por uma tentativa de buscar respostas cujas perguntas fazem parte do seu quotidiano?

Isso. De certa forma foste directo ao ponto. Nós estamos em constante evolução. E o Enigma traz essa reflexão, afinal o Homem não é um processo acabado. Outra coisa, eu sou muito curioso. Estou nesta vida para experimentar coisas, e esta aventura como encenador é uma experiência, na qual procuro trazer os questionamentos que tenho, como espírito e como artista.

Tenho a percepção que esta peça poderia ter sido um bom monólogo. Tinha que ter mais actores?

Por acaso a possibilidade de monólogo foi a primeira opção que tive. Inicialmente, o actor seria apenas eu. Com o passar do tempo, à medida que ia pesquisando, fui sentido que, para a beleza do espectáculo, sozinho não seria possível, a dinâmica de cena exigiu mais actores. Num monólogo a fotografia não saia do jeito que eu pretendia. Então, tive que adaptar o texto para ter mais actores.

Depois de concluir que precisaria de mais actores para preencher espaços na cena, como foi chegar a eles?

O processo de casting foi uma selecção natural, como diria Charles Darwin.

Os mais fortes sobreviveram?            

Sim. Até porque muitos colegas meus não acreditaram neste projecto, por julgarem que eu ainda não tenho ferramentas necessárias para encenação. No entanto, os poucos que acreditaram em mim conseguiram preencher os papéis da forma que eu queria.

Em princípio, Enigma será exibida apenas uma vez na Fundação Fernando Leite Couto. O que implica apresentar mais vezes um espectáculo teatral em Maputo?

Além dos problemas ligados à concepção das obras, uma vez prontas, enfrentamos a questão da programação dos espaços onde vamos apresentar os espectáculos, o que se entende, porque são espaços alternativos, com outras actividades por realizar.

Assume que a nova vaga de encenadores deve adaptar-se mais aos novos espaços para não ficarem refém das salas de teatro concebidas para o efeito?

Sim, temos que ter sempre uma saída e não ficar presos a dogmas ou a forma de fazer teatro de há séculos. O teatro exige uma grande estrutura. Já que não a possuímos, temos que criar alternativas.

Este Enigma é uma peça exigente, no que diz respeito ao figurino, cenário e etc.?

Sim, mas, infelizmente, não temos financiamento para a sustentar. Por exemplo, nenhuma das portas que nós batemos acedeu ao nosso pedido de financiamento. Fomo-nos arranjando com o que pudemos e a Fundação Fernando Leite Couto ajudou-nos para que a peça fosse ao palco. O pouco que nos deu permitiu-nos fazer alguma coisa.

A FACE CONSTANTE DO ACTOR

Representou o papel de irmão de Eusébio, no filme Ruth, da produtora portuguesa Leopardo Filmes. Que impacto está a ter essa participação na sua carreira?

Para falar a verdade, foi uma grande glória. Para quem está a dar os seus primeiros passos no cinema, que é muito difícil em Moçambique, onde temos dois filmes por ano no máximo, é obra porque a concorrência é maior. Temos em Moçambique grandes actores e ficamos naquele dilema em que, quando aparece um filme, os realizadores querem actores experimentados. Então fazer um papel coadjuvante no Ruth foi de uma glória.

Com que impressão ficou quando passou no casting?                    

Fui ao casting com algumas ferramentas, obtidas de um luso-brasileiro: Justino Tiago. Ele deu-me ferramentas muito fortes para cinema, teatro e televisão. Quando fui ao casting, nervoso e ansioso, o realizador logo concluiu que aquele papel era para mim. Ele disse-me isso, depois de entrarmos para o filme.

Já começou a sentir os resultados de ter feito o Ruth?

A fama para mim pouco importa, o que mais interessa é o reconhecimento…

De quem?

Da equipa técnica, das pessoas que estiveram envolvidas no trabalho e dos telespectadores. O reconhecimento supera toda compensação monetária.

E a emoção de poder fazer o Ruth repetiu-se quando foi apurado para integrar o elenco do filme Avó Dezanove e o segredo do soviético, de João Ribeiro?

As emoções não se comparam, mas a actual emoção é que está a reinar. Satisfaz contracenar com grandes nomes do cinema, pessoas que cresci vendo a actuar.

Sugestões artísticas param os leitores do jornal O País?

Sugiro toda obra de Ungulani Ba Khosa, em particular Ualalapi; e Pai rico, pai pobre, de Robert Kiyosaki.

PERFIL

Buanamade Amade nasceu na cidade de Pemba. É licenciado em Comunicação e Tecnologias da Informação pela Universidade Católica. É estudante de Teatro na UEM e teve a oportunidade de participar de colaborações artísticas internacionais, especialmente o projeto DramaForLife da Universidade de Witwatersrand de Joanesburgo, com a peça Afriqueer – A criação das estrelas. No início do ano, participou do treinamento de criadores de teatro infantil no programa Early Years Theatre – Magnet Theater, na Cidade do Cabo, África do Sul.

 

 

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