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E a pátria foi vendida ou não?

A pátria foi vendida ou não?
“Um ambicioso é capaz de tudo;
Vender a pátria só por causa da
sua ambição e dos seus interesses individuais;
Não sei se um ambicioso muda;
A minha experiência prova que não;
Muda de táctica, mas não elimina a ambição;
Um ambicioso é criminoso ao mesmo tempo”
 – in Samora Machel

Francis Fukuyama, no seu livro “O fim da História e o Último Homem”, escreve numa das passagens que “Não existe democracia sem democratas, isto é, sem um Homem especificamente Democrático, que deseja e molda a democracia ao mesmo tempo que é moldado por ela”. O autor quis dizer em outras palavras que para defender algo é preciso que se identifique com esse algo e se deixe moldar pelos princípios do que se está a defender.

Esta introdução é a melhor ponte que encontrei para problematizar a distância entre o discurso e a prática durante os 10 anos do período de governação do Presidente Armando Guebuza. Penso que a memória colectiva ainda está fresca e qualquer um se lembra que uma das bandeiras nos seus dois mandatos foi a luta contra a corrupção e o combate ao “deixa andar”.

Acontece que a questão das dívidas ocultas, aliado ao manancial de informação que está a chegar ao grande público com as detenções de altas individualidades do seu governo, teve um efeito “boomerang” e destruiu por completo a mensagem que tentou nos passar durante o período em que foi Presidente da República.

Um ex-ministro das Finanças detido no estrangeiro por mandato do país mais poderoso do mundo, implicado em subornos na contratação das dívidas ilegais (e outros crimes que não me interessam nesta análise); ter altos dirigentes dos serviços secretos detidos acusados de terem burlado o Estado; ter uma secretária particular e o filho mais velho detidos no mesmo processo, ter um ministro dos Transportes e Comunicações a ser julgado por corrupção em negócios de empresas participadas pelo Estado, acho que isto é bastante para eu acreditar que o combate à corrupção era um discurso fabricado para intoxicar as massas, quando nas hostes privadas a realidade era outra. “Os cabritos continuavam a comer onde estavam amarrados”.

Em bom rigor do Direito, só o juiz pode em sede do Tribunal julgar e condenar alguém com os devidos fundamentos da sua decisão, mas a avaliar pela quantidade e qualidade dos arguidos no processo das dívidas ocultas, há matéria suficiente para, à esfera pública, fazermos questionamentos sem, no entanto, pôr em causa o direito constitucional de presunção de inocência de que gozam essas pessoas.

A ética pública não se compadece com interesses individuais. Para fundamentar isso não preciso recorrer a teorias defendidas por filósofos clássicos. Aqui em Moçambique, temos a nossa referência quando se fala de combate à corrupção: Samora Machel!

Durante a Luta Armada de Libertação Nacional, bem como na Primeira República por si dirigida por 10 anos colocou o povo como a causa do “lutar por Moçambique”. Dizia que os dirigentes são os primeiros no sacrifício e os últimos no benefício.

Opôs-se ao uso do Estado como estratégia para a acumulação privada de riqueza. Morreu há 33 anos e nunca ouvimos algo que contrariasse o seu discurso. Muito pelo contrário, diz-se por ai que Samora Machel morreu pobre. Os seus ministros, os que ainda estão vivos, andam à vontade, sem medo das suas sombras.

Em 2016, o Centro de Integridade Pública lançou um estudo intitulado “Os custos da Corrupção para a Economia de Moçambique”, tendo concluído que “O valor agregado dos custos de corrupção (representados na amostra), durante o período de 2002 a 2014, a preços correntes, é de USD 4.8 a 4.9 biliões, equivalentes a cerca de 30% do PIB de 2014. Esta percentagem encontra-se bem acima da média de todos os países africanos citados na secção 1. Isso significa que, em média, durante o período coberto pela amostra, o dano anual é de aproximadamente USD 500 milhões por ano.” Isto é avassalador para um regime que dizia lutar contra a corrupção.

Agora já sabemos que os 2,2 mil milhões de dólares das dívidas ilegais contratadas pelo governo do Presidente Guebuza foram retalhados por um grupinho para o pagamento de subornos a altas individualidades do seu governo, isso o relatório da Kroll deixou claro. Sem ignorar a sobrefacturação na compra de barcos da EMATUM e do armamento para o Exército.

Não me parece crível que o Presidente Guebuza não sabia que seus ministros e dirigentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado estavam envolvidos em esquemas de corrupção. O mais provável é que enquanto essas práticas brotavam e floresciam, por outro lado financiava-se os chamados G-40 para ganharem peito para embebedarem as massas com debates de defesa do sistema, exaltando a pátria do gangsterismo. Esses senhores também deviam ser julgados e condenados por terem usado meios electrónicos para enganar os moçambicanos.  

Mas o fruto quando está maduro cai por si, diz o ditado popular. E não há mal que dure para sempre. Por isso, associo-me a Jeremias Langa que no último Linha Aberta na Stv disse que, contrariamente ao sentimento generalizado, acredita na Justiça.

Até porque o nosso hino nacional nos conforta: “milhões de braços, uma só força, óh pátria amada vamos vencer”!

Verdade, porém, é que às vezes essa força escasseia-me quando leio que as receitas de um gás que ainda nem começou a ser explorado no Rovuma poderão ser usadas para o pagamento desse dinheiro, no lugar de financiar o desenvolvimento deste empobrecido Moçambique.

Olhando para a esperança de vida que não me dá mais de 56 anos, sinto pena das minhas filhas que terão um futuro penhorado por conta do pagamento de uma dívida da pátria que lhes pariu. O ministro da Economia e Finanças esclareceu há dias que o governo vai continuar a negociar com os credores as modalidades de pagamento. Isso deixa evidente que a pátria foi vendida, por…A(lguém).

 

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