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Duas em cada dez pessoas passam fome em Moçambique

Saber se vão comer é uma incerteza de todos os dias. A machamba que alimentava a família já não produz da mesma forma. A seca tornou os dias ainda mais difíceis. Cristina e suas cinco netas respiram de alívio quando conseguem levar a panela ao fogo, como retrata a imagem principal deste artigo. Este é o drama diário de quem acorda sem saber se poderá ter pelo menos uma refeição nesse dia.

Uma actualização do Índice Global da Fome feita este ano, numa investigação liderada pela Universidade de Londres, indica que cerca de 24 por cento da população moçambicana, o correspondente a cerca de 6.9 milhões de pessoas, vive essa incerteza diária. Isto é, duas em cada dez pessoas estão em situação de insegurança alimentar, ou seja, passam fome.

Encontrámos a idosa de nome Cristina, de 60 anos de idade, com os seus netos, a cerca de 14 quilómetros da vila de Boane, província de Maputo. Passava das 14h00 e ainda pensava em como alimentar os seus. Na fogueira – na fotografia – fervia uma panela de mandioca. É pelo menos o que não falta por estes tempos, visto que a sua mandioqueira sobrevive mesmo com pouca chuva.

“Chegamos a dormir sem comer”, começou por dizer, explicando que naquela momento tentava também preparar “um pouco de milho que estava no celeiro”. Questionámos se as crianças já tinham comido alguma coisa. “Ainda não comemos todos, desde que amanheceu. Já estão habituadas, comemos apenas uma ou duas vezes por dia, de tarde e de noite”, disse.

As suas cinco netas, de entre um e 15 anos de idade, são órfãs de mãe e foram abandonadas pelos pais. Na falta de alguém para prover o sustento do agregado, dias difíceis não faltam.

Esta família faz parte das estatísticas dos moçambicanos que vivem em situação de insegurança alimentar, ou seja, em condições normais, todos os membros da família deviam ter acesso, sempre que necessitassem, a alimentos suficientes para uma vida activa e saudável.

Diz o Índice Global da Fome que, apesar de um quarto da população ainda estar sujeita a este problema, a situação de Moçambique melhorou bastante nos últimos anos. A publicação, que analisa a situação de 122 países em vias de desenvolvimento e economias em transição, aponta que, no ano 2000, quase metade da população passava fome e, agora, apenas 24 por cento, cerca de sete milhões de pessoas, passa fome.

Para o feito, olha para indicadores como a porção populacional com insuficiente ingestão de energia na dieta, a insuficiência de peso nas crianças menores de cinco anos e a taxa de mortalidade das crianças menores de cinco anos.

SETSAN diz que não se passa fome no país

Entretanto, as autoridades nacionais consideram que não se passa fome no país. Ou seja, uma avaliação feita pelo Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar nos últimos dois meses indica que apenas 162 mil famílias, o correspondente a 814 mil pessoas, foram afectadas pela seca, o que reduziu a sua capacidade de produção de alimentos.

“Não estamos numa situação ideal, mas não estamos em situação de fome, porque, em algum momento do dia, as famílias passam uma refeição. Agora, em termos qualitativos, já começa a baixar um pouco, porque não têm as quatro refeições que são necessárias”, explicou Cláudia Lopes, secretária executiva interina do Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional (SETSAN).

“Esta avaliação que é feita, mesmo ao nível global, tem em conta não só os factores alimentares, mas também outros factores que jogam um papel importante na saúde. Falamos exactamente da saúde pública, avaliando-se especificamente indicadores de saneamento, água potável e todos os aspectos que têm influência na qualidade da saúde pública. Isso tudo é tido em conta neste relatório”, concluiu.

Moçambique ocupa actualmente a posição 102, num conjunto de 122 países avaliados, todos os anos, pelo Índice Global da Fome.

 

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