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Dolomo: Os sentimentos e instintos de Magafusso 

Existem duas correntes que se ocupam de definir o conceito de nação. Os objectivistas, que sublinham a geografia, a raça, a língua e as culturas. Por outro lado, existem os subjectivistas, que recorrem e valorizam a vontade colectiva, face a um determinado presente e destino comum. Os artistas, sempre mais sublimes e filósofos na sua asserção, procuram e descodificam novas fórmulas e outros horizontes para redefinirem os eles que nos unem como moçambicanos, como irmãos e como humanidade. Reencontros da nação pela arte, pelos tons e pelo amor.

Magafusso, esse artístico plástico registado em Inhambane céu, como Diogo Luís Daniel, oriundo da terra moçambicana mais próxima do Paraíso, céu da terra de boa gente, encontrou as suas próprias formas de filosofar à nação, colocando, amiúde, as aporias e as vicissitudes como mote maior da criatividade. Magafusso, sabe bem, com todas as letras do seu alfabeto artístico, que faz parte da responsabilidade dos intelectuais e criativos das artes, pensar, reflectir e participar, sempre que possível, na redefinição da construção deste país e desta nação. Usa as artes e telas, como terapia e bálsamo para minimizar a dor do drama, do conflito da morte e da tragédia, e maximiza a esperança de um novo dia, de um amanhecer mais colorido e de um sol que ilumine a todos com a mesma tonalidade e indisfarçável arco-íris.

Não temos e nunca teremos a capacidade para modificar o passado. Todavia, isso não nos impede de, com rigor, retomar o presente, com outras racionalidades e paradigmas, para que o futuro se aporte de outros ritmos e sentimentos. Magafusso faz parte desse naipe de artistas que imagina um futuro menos ilógico, inapreensível e irracional. Ele aprendeu a sofrer no período da guerra dos 16 anos, ou será guerra dos 45 anos, quando olhou para as pinturas de Jacob Macambaco e Bento Mukeshuana, que viveram esses dilacerantes e perturbadores momentos, como se tivesse sido à catarse de uma apocalíptica epopeia.

Conhecido por poucos e referenciado como “talento lapidado”, Magafusso retoma as consequências, as perplexidades e o estado de aporias de um Moçambique contemporâneo, com limitados e intermitentes períodos de paz, impregnando nas telas as cores monótonas e pálidas que reabrem as feridas de uma nação que almeja uma identidade sonhada pelos moçambicanos. Magafusso reinventa uma reconciliação através de uma linguagem paradoxal.

Com as cores mais quentes, encontra na mulher e mãe, o equilíbrio da família e do dom da divindade. Por um lado, essa mesma mulher e família, são substratos e símbolos antimilitaristas. Símbolos da concepção autoritária e excludente. Mas, por outro lado, os seus traços revelam uma hermenêutica que faz jus ao conhecimento e a verdade. Então, não importam as cores e os disfarces, nem as ideias restritivas que suavizam a realidade, pois, o sentido mais completo desta nação está ali reflectido e não requer intelectualidade para ser descortinado.

Magafusso é um artista consagrado. Uma voz silenciosa e didáctica que deixa suas marcas dentro e além-fronteiras. Com frequência, algumas das suas obras são transportadas para a Europa. Compradores que fazem leituras mais trabalhadas e requintadas dos seus traços, mas, por outro lado, deixa sua marca para instruções nacionais, regando a esperança de uma reconciliação que tarda e que pode ser uma tela onde, todos nós, somos chamados a pincelar.

Magafusso abstém-se dos holofotes e da ribalta. Vive enfático da calmaria e do “low-profile”. Participou em colectivas na casa de cultura do Alto-Mae, de 1995 a 1999. Parece ser seu terreno de reconciliação. Em 1999 e 2001, participou na magna exposição da SADC, esse órgão regional que deveria ser mais dos artistas e fazedores de cultura, dos empresários, do povo, do que dos políticos. Caminhos certos e seguros de uma génese regionalista, mas nunca regional.

Para esta exposição individual de 2021, ameaçados pela pandemia e pela fragmentação da essência da humanidade, fomos convocados para revisitar povo, a sua arte e espiritualidade. Fazer uma introspecção das suas quatro individuais realizadas em Inhambane, (1992,1994,1999 e 2003). Um Magafusso que vai muito para além das obras expostas, incluindo as exposições feitas em Maputo, entre 2001 e 2003, na galeria Shanti Graf e no Centro de Estudos brasileiros, em 2004.

Em boa verdade, fomos impelidos a rever as imagens que repousam próximas dos tectos e dos murais das igrejas, das escolas e faculdades e, sobretudo, pela beleza que conferem às mentes dos fiéis, do clero e da santidade eclesiástica, os alicerces das bênçãos. As congregações católicas reencontraram nos seus traços, a forca da espiritualidade e da fé. Os crentes, de todas as idades, credos e raças, buscam essa esperança que parece inatingível, incansável e negada pelos tempos. Mas, são estas as imagens que conferem a Magafusso a possibilidade de embrenhar pelas mentes dos acólitos, das almas sofredoras e dos devotos praticantes, a força da razão, que os leva em busca dos subterfúgios e das racionalidades que os humanos ofuscam.

Magafusso não conviveu com Malangatana e nem com Naguib. Porém, retira do Pai da pintura moçambicana, o pendor de uma marca firme e lustrosa, enquanto bebe do Mestre, o nudismo de um povo que se quer indumentar e não desfaz os caminhos desses reencontros. Nem teve contacto com Samate Mulungo. Mas, conhece Noel e Mankeu. Não tem argumentos para seguir as linhas de todos. Tem a obrigação de recriar e incutir, nas suas telas, a sua identidade e marca. Fala com apreço e carinho de outros pintores, dos mais jovens e que procuram a sua linha identitária.

Pinta desde 1983, como resultado de sua inspiração e da vontade de conferir a este país a meritocracia da arte, a sagacidade da cor e dessa veia genética de seus pais, devotos religiosos e amantes de cultura. Nas várias exposições das quais participou, dois títulos nos sugerem a sua forma de conceber Moçambique; “No futuro haverá sono, para homens e mulheres” muito condicente com seu ideal maior e “o futuro é um barco que nos conduz a Deus”. Quem sabe estes os títulos de sua própria vida e talento. Isto é Magafusso.

Para quem não o conheça, porém que tenha a oportunidade de contemplar suas telas, fica a nítida sensação de que o autor tem alguma afinidade para com a obra “Guernica”, de Pablo Picasso, pintada a óleo em 1937, descrevendo as consequências de um bombardeamento aéreo, sobre a população civil desta cidade, na Espanha. Todavia, rapidamente, desviamos a linha do horizonte para pensarmos na espiritualidade. Diga-se, revemos  a pintura de Kandisnky, o famoso fundador do suprematismo, com um recorte acentuado sobre os diálogos entre a arte abstracta e a filosofia. Para Magafusso, a filosofia africana.

Esta noção de espiritualidade em Magafusso, reflecte e expressa, inequivocamente, esta sufocante e incompreensível dor e sofrimento do seu povo e seus contemporâneos. Estes são os espaços alternativos de clamor por uma outra ordem, um novo humanismo e pelas valências da democracia tão propalada como a salvação do mundo. Simultaneamente, parece pedir a divindade e a força de todos os Deuses, aos quais Moçambique venera e se ajoelha, para aliviarem estes destinos e pobreza.

 

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