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“Devíamos abrir aqui um processo contra os verdadeiros mestres das dívidas ocultas”

Depois de um longo período fora do debate público, Magid Osman aceitou o convite da STV para fazer uma análise do estágio da economia nacional com foco em três pontos fundamentais, nomeadamente, indústria extractiva, fundo soberano e dívida pública. Na entrevista, o antigo Ministro das Finanças afirmou, na quarta-feira, que o país não está em condições de pagar as dívidas ocultas. Acompanhe à seguir os seus argumentos.

 

O ex-secretário geral adjunto das Nações Unidas e actual alto representante da União Africana para as parcerias com África, Carlos Lopes, alertou recentemente que Moçambique está a afundar-se numa dependência dos seus recursos naturais, no lugar de fazer reformas estruturais. Diz ainda que o país está a fundar-se mais da dependência rentista, o que significa que estamos a caminho de viver das receitas dos recursos naturais, sem lhes acrescentar valor ou aproveitá-los para melhorar a economia. Tem alguma razão, Carlos Lopes, quando diz que estamos no caminho de uma economia rentista?

Penso que a preocupação do professor Carlos Lopes é avisar. Ele tem uma paixão por Moçambique, é amigo de muitos moçambicanos, incluindo eu próprio, nós trabalhamos juntos nas Nações Unidas. No fundo, ele está a fazer um apelo para que o país faça reformas públicas e se continuar no caminho que está a seguir, naturalmente, vai cair numa economia rentista. No nosso caso particular, o aviso dele até é mais preocupante, porque nós ainda não começamos a receber as grandes receitas do petróleo e já temos uma atitude mental de comportamento de que somos um país muito rico.

 

Quais são os sinais desta mentalidade de um país muito rico e que pode caminhar para um estágio rentista?

No nosso caso, nós discutimos imenso o fundo soberano e é uma discussão oportuna e importante, mas nós não nos damos ao trabalho de perceber quais são as receitas que vamos receber da exploração do gás natural. No caso do gás natural há três fontes de receitas para o Estado, portanto, é preciso fazer uma distinção que eu não estou a falar de exportações, mas sim das recitas que permitem ao Ministério das Finanças alimentar o Orçamento do Estado. A primeira fonte é o imposto de produção. A segunda fonte é aquela que se chama profit oil, portanto o lucro do gás. E a terceira é o IRPC na sede do lucro. E em relação ao imposto de produção, as pessoas não sabem que aquilo começou por ser discutido a nível de 6% e hoje está estabelecido para 2%. Passados 10 anos de produção, ele passa para 4% e mais 10 anos de produção, ele passa para 6%. O profit oil é uma fórmula muito complicada e que depende muito do volume de investimento que fizemos e depende muito, inclusive, de quais foram os preços do gás no mercado internacional. E agora, o que é que acontece? Vamos pegar no projecto do Floating LNG que vai custar 8 mil milhões de dólares, 8 biliões de dólares, incluindo juros. Portanto, quando ele começar a produzir em 2022, o primeiro ano completo de produção vai ser 2023. A grande preocupação da empresa é começar a fazer depreciações. Se eu invisto 8 biliões de dólares, eu tenho que recuperar o investimento em 10 anos, só num ano tenho que fazer depreciações no valor de 800 milhões de dólares. Além dos 800 milhões de dólares em depreciações, há ainda os custos de operações e os juros. Portanto, só em 2032 é que esta unidade do Floating LNG vai começar a produzir lucros e aí é que vai começar a pagar impostos de centenas de milhões de dólares.

 

Quer dizer que o valor que foi anunciado publicamente na decisão final de investimentos, segundo o qual a partir de 2025 o país começa a arrecadar receitas de 2 mil milhões de dólares, não são reais?

A minha previsão é que a partir de 2023, do Floating LNG, nós vamos receber cerca de 50 a 60 milhões de dólares, que é imposto de produção, e isso vai até 2025 e em 2026 vão começar a funcionar quatro unidades novas: duas da Anadarko e duas da Exxon. Então, a produção do LNG, que é na ordem de três milhões de toneladas, em 2026 vai passar para 30 milhões de toneladas, quase 10 vezes mais. Este imposto que durante este ano vai ser de 60 milhões de dólares vai se multiplicar automaticamente em 2026, para qualquer coisa como 600 milhões de dólares.

 

Isso quer dizer que até lá não chegamos aos 2 mil milhões de dólares anunciados?

Não chegamos a 2 biliões. Da mesma maneira que eu disse que grande parte do lucro é para cobrir as depreciações, o investimento da Anadarko, anunciado, é da ordem de 25 biliões de dólares. Então, se quer recuperar o investimento em 10 anos, por ano tem que fazer depreciações de 2.5 biliões de dólares. Portanto, para os primeiros 10 anos de produção, é muito provável que a fatia do lucro não seja tão grande, o imposto que resulta do IRPC não vai ser muito grande. Mas de qualquer maneira, nós, até 2026 vamos ter um acréscimo de receitas directas de 50 a 60 milhões de dólares e nós estamos a discutir o fundo soberano como se os biliões estivessem ali na esquina à nossa espera, o que não é verdade.

 

Será que uma das manifestações dessa ideia colocada pelo Professor Carlos Lopes de uma economia rentista é a urgência com que é discutido o fundo soberano?

Não só a urgência, mas também, nas discussões que há, raramente as pessoas dizem quando é que vai haver o fluxo de receitas. As pessoas idealizam que vão ter no fundo soberano biliões de dólares e é o que eu estou aqui a tentar dizer que não vai acontecer até 2025. Normalmente, as multinacionais, agora, inclusive, quando o Presidente da República esteve na Itália, o CEO da Eni anunciava que Moçambique vai receber qualquer coisa como 100 biliões de dólares. Portanto, ele está a fazer o somatório do projecto, mas nunca dizem quando. Anunciam o valor global e nós ficamos entusiasmados com esse valor global de 100 biliões de dólares. Eu acho que sim, Moçambique deve criar um fundo soberano, independentemente dos valores que vão entrar. O governo deve tomar uma decisão e dizer que quando o Estado receber 500 milhões de dólares, 20% vai para o fundo soberano. E a medida que o valor vai aumentando, para 600 milhões, mil milhões, essa percentagem de 20% vai subir. E porque é que é importante nós termos um fundo soberano? É fundamentalmente por três razões: a primeira é porque quando há uma entrada de divisas muito grande no país, o metical tende a valorizar-se e quando o metical se valoriza, as exportações do país ficam prejudicadas. Portanto, é uma política que favorece as importações e prejudica a exportação; a outra razão, que é muito importante, é que quando nós temos essa fantasia de biliões, nós acabamos por desperdiçar o dinheiro, como fizemos com a ponte Maputo-Katembe e como fizemos com o aeroporto de Nacala. Quando eu tenho o sentimento de que o dinheiro não falta, que vai haver pessoas que veem aqui e dão-me dinheiro, eu começo a fazer projectos que não têm qualquer tipo de prioridade nacional.

 

A uma ideia que se levanta em relação ao fundo soberano que é a de proteger as gerações vindouras. O que tem a comentar em relação a este pensamento?

Essa é a terceira razão que para mim, pode parecer estranho, é a menos importante porque há uma falsidade à volta disso. Eu quando falo da geração vindoura, estou a assumir que esta geração que está viva hoje está bem. O que deve acontecer é que esta minha geração está mal e eu tenho que proteger esta geração. Quando eu tenho uma agricultura em que o meu camponês faz 400 quilos por hectare de algodão, significa que ele não tem produtividade, significa que esta geração precisa de ser protegida também, mas a razão mais importante não é essa, é de que eu para melhorar condições de vida das gerações futuras tenho que investir hoje, tenho que ter educação de qualidade, tenho que ter serviço de extenção rural não na dimensão que tenho hoje, mas numa dimensão 10 vezes maior, tenho que introduzir no meu dicionário público, com quem eu falo, qual é a produtividade que o meu camponês está a fazer, eu não tenho essa discussão pública. Significa que o futuro das próximas gerações vai depender do que fazermos hoje. E devia ser exactamento o contrário. Nós pedíamos emprestado dinheiro para fazer projectos que achamos que são importantes na expectativa que o aumento do Produto Interno Bruto permitiria facilmente pagar esse empréstimo porque eu aumentei a produtividade, mas se eu continuo a investir em projectos como o do aeroporto de Xai-xai, isto não vai acontecer.

 

É, na sua opinião, um desvio fazer construções como o Aeroporto de Xai-xai e a ponte Maputo-Katembe nas condições em que o país se encontra?

Em qualquer regime político, há sempre decisões políticas sobre os investimentos, mas nem todos os investimentos podem ser feitos na base dos critérios políticos. Alguns investimentos têm que ter algum critério objectivo de rentabilidade, em que é que ele vai contribuir para a melhoria da produção e das condições de vida da população. Se sistematicamente todas as decisões são políticas, então não adianta nada o curso de economia e outros cursos para decidir como é que agente deve fazer investimentos.

 

Que modelos de governação devem ser adoptados pelo país para gerir o fundo soberano, isto é, quem deve dirigir o fundo soberano?

O fundo soberano deve ser gerido pelo Banco de Moçambique, com orientações do poder político. Deve-se estabelecer qual é o perfil político e os investimentos que o Banco de Moçambique deve obedecer. Mas há uma questão muito importante que quando nós falamos do fundo soberano: normalmente, o fundo soberano faz-se com associação de uma empresa multinacional e ela é que faz, de acordo com as instruções que nós damos, ela sabe onde é que deve ou não investir. Nós não podemos cair na asneira do fundo soberano angolano em que era o filho do antigo presidente que fazia a gestão, distribuía dinheiro aqui, distribuía dinheiro ali e felizmente, para Angola, conseguiram recuperar uma parte importante do dinheiro. A gestão tem que ser totalmente transparente e o objectivo será de que o capital que está no fundo soberano tem que ser preservado e só os rendimentos do fundo soberano é que poderão ser usados para o Orçamento do Estado. E, inclusive, a prestação de contas do fundo soberano deverá ser feita ao Governo e ao Parlamento porque é um assunto que interessa a toda a sociedade. Não pode ser, convidar uma pessoa como eu que tem muita experiência para gerir um fundo soberano, não é assim que funciona. Significa que no caso particular da Noruega, eles têm uma capacidade enorme de fazer gestão porque têm mil biliões de dólares no fundo soberano.

 

Há duas grandes empresas que já anunciaram a decisão final de investimento, nomeadamente, para os consórcios liderados pela Eni e pela Anadarko. Essas empresas têm entre cinco a seis anos para implantar os projectos. Neste intervalo, o que é que o país pode fazer para aproveitar o aquecimento da economia?

É necessário ter em conta aque, se os projectos da Exxon e Anadarko avançarem, vão ser investidos no país 50 biliões de dólares. É óbvio que isso vai mexer com muita actividade. Eu acredito, pessoalmente, que se estes investimentos avançarem, a partir de 2021/22 a taxa do crescimento do PIB vai estar na ordem dos 10 a 12%, não os 2% deste ano, nem os 3.5% previstos para o próximo ano. E só isto poderá gerar novas receitas. Quando nós estavameos a falar de receitas, são receitas provenientes do gás, mas não estávamos a falar de receitas fiscais de outras actividades que vão ser criadas. Por exemplo, está previsto que no projecto da Anadarko vai haver 20 mil trabalhadores, dos quais 5 mil moçambicanos. Esses 15 mil trabalhadores estrangeiros vão pagar impostos: é necessário alimentar, alojar, transportar, portanto, tudo isso vai dar origem a uma economia que vai-se mexer. Eu acredito que em 2021, a economia moçambicana vai começar a se mexer.

 

O que é que fazemos durante esta mexida da economia?

Esteve aqui uma delegação brasileira que veio transmitir a experiência do Brasil quanto ao conteúdo local e uma das conclusões que tiraram lá, foi-me dito ontem, no seminário foi de que no Brasil, inicialmente, apertaram com o conteúdo local, isso significa que os outros investimentos colaterais que deviam ter vindo não vieram. No nosso caso, temos que fazer uma distinção porquê que falamos do conteúdo local. O conteúdo local manifesta-se de várias maneiras. Uma empresa que presta serviços à Anadarko e à Exxon e vem cá estabelecer-se e considera que quer ter um parceiro local que pode subscrever 20% do capital, em Angola, essa exigência é de 51%. Significa que um empresário nacional se for escolhido por parceiro estrangeiro, é sócio dessa empresa, se eu for um parceiro passivo, não for um parceiro activo, aquela empresa, em parceria com a empresa estrangeira, está em condições de fornecer serviços cada vez mais com valor acrescentado moçambicano, essa é a primeira forma de conteúdo local. E não me parece aqui que os 20 ou 30% sejam um grande problema porque normalmente quando essas empresas vêm cá, elas não criam uma empresa com capital muito grande, têm capital limitado, elas oferecem ou subscrevem e o que elas querem é que a pessoa com que elas vão trabalhar lhes ajude a desenvolver o negócio. Essa é a primeira forma do conteúdo local e não percebo porquê que não foi definido via 30%. A outra forma de conteúdo local é de que há empresas como a Sasol, quando faz um concurso, aparece uma empresa moçambicana a dar os mesmos produtos que outras empresas estrangeiras fizeram e aí a Sasol aceita que a proposta da empresa moçambicana seja mais cara que as outras em 10%. Significa que está a favorecer uma empresa estabelecida localmente seja escolhida. E porque é que é importante que estas empresas estejam em Moçambique? Para permitir que apresentem contas em Moçambique para pagar impostos em Moçambique. Se vier uma empresa que tem uma delegação aqui e o negócio é feito todo lá fora e não apresentam contas aqui no fisco não vai pagar os impostos. O que significa que nós temos um grande interesse de atrair maior número das empresas que vem prestar serviços às empresas como a Anadarko e às outras. É importante que a empresa esteja cá, que treine os moçambicanos, e que esses moçambicanos sejam os verdadeiros criadores de riqueza. O Estado tem que ter a consciência de que as pessoas que vêm prestar serviços em Moçambique, tem que ter empresas cá e tem que pagar os impostos cá porque é aqui onde é gerando o investimento e que não seja desviados para fora.

 

Outra questão ligada à indústria extractiva é o financiamento da participação da Empresa Nacional de Hidrocarbonetos nos projectos bilionários da Bacia do Rovuma. Só na área 1 liderada pela Anadarko, a ENH precisa de injetar mais de dois mil milhões de dólares e vimos que a ENH adiou a sua ida ao mercado para o efeito. Na negociação que o Ministério da Economia e Finanças teve com os credores tinha-se chegado a um entendimento de que as dívidas públicas não seriam pagas com receitas do gás. Como é que a ENH se pode financiar nas grandes praças internacionais para poder realizar a sua participação nestes projectos.

Antes desta situação que resultou da dívida oculta (2013-2014), quase todas as semanas, representantes de grandes bancos internacionais vinham e apresentavam propostas a ENH de que queriam financiar biliões e biliões de dólares à ENH e a uma taxa de juro baixíssima. Significa que a dívida oculta até nisso está a nos prejudicar, isto é, as empresas públicas perderam o acesso ao mercado internacional. É um problema importante porque quem vai realizar a parte da ENH são os outros sócios e certamente que não farão a taxas de juro de 4 a 4.5%, será uma taxa de juro muito alta e o argumento que utilizam é que elas não são banco e portanto significa que a ENH, numa primeira fase terá que apoiar-se nos seus parceiros e logo que a situação financeira de Moçambique esteja resolvida, vai substituir o financiamento dos seus parceiros pelos financiamentos que vai buscar na banca internacional.

 

Quais são as Implicação disso para a própria ENH?

A primeira grande dificuldade é que se a taxa de juro for muito elevada significa que a ENH não terá recurso para pagar o serviço da dívida e esse serviço da dívida vai acumular e nos próximos 10 anos é muito possível que a ENH não tenha dividendos. Não ter dividendos não ajuda o Orçamento do Estado?

 

Indo para a gestão da dívida pública. O Estado deve ou não pagar a dívida da EMATUM declarada nula, recentemente, pelo Conselho Constitucional?

Normalmente, quando se pergunta a um ministro das Finanças, ele tem por obrigação nunca dizer que não vou pagar. Mas como eu não sou um Ministro das Finanças há muito tempo, posso dar-me o luxo de dizer que Moçambique não deve pagar e nem consegue pagar. Nós, normalmente, desvalorizamos o facto de que o país não tem capacidade de pagar. Se eu pegar em 300 ou 400 milhões de dólares e pagar essas dívidas, com esses 300 ou 400 milhões de dólares, com alguma gestão de despesas públicas, faço milagres. No dia em que eu tomar uma decisão de retirar do Orçamento do Estado 300 a 400 milhões de dólares para pagar esse serviço da dívida, estou a impor sacrifícios adicionais à nossa população. Quando nós decidimos que não temos de pagar é necessário realizar todo um conjunto de acções consequentes no sentido de levar ao tribunal não só as pessoas moçambicanas que estiveram envolvidas, mas todos aqueles que foram os verdadeiros mestres desta operação. O cérebro desta operação não está em Moçambique, está lá fora. E nós devíamos abrir processo aqui contra eles. Devíamos seguir a experiência da Malásia, porque a Malásia teve também uma situação semelhante e pedíamos à Malásia para sabermos que acções internacionais nós podemos fazer para evitar que manhã haja um outro processo contra nós. Se nós não agirmos contra estas pessoas que estão envolvidas, elas amanhã podem agir contra nós, por exemplo, pedirem um navio que leva o gás de Moçambique seja apreendido no alto mar por um tribunal dos Estados Unidos.

 

Pode partilhar aqui connosco essa experiência da Malásia?

No caso da Malásia, o desvio de dinheiro foi de 3 ou 4 biliões de dólares e esse dinheiro inclusive foi usado para financiar alguns filmes, um deles em que participava o Leonardo DiCaprio. O novo governo da Malásia disse que não pagava e inclusive meteu acções no tribunal da Malásia contra os estrangeiros que não estão na Malásia. Então, significa que esse libanês, devíamos ter uma acção contra ele no tribunal. Mesmo que agente não o consiga condenar, a acção é para mostrar a população e ao povo em geral que aquele indivíduo é um criminoso. Quem é Chefe de Estado ou ministro das Finanças não pode utilizar a linguagem que eu estou a utilizar porque se não nós ficamos como devedores que não pagam, que não têm nenhuma noção da sua responsabilidade a nível nacional. Nós temos que fazer uma campanha para demonstrar que Moçambique é um bom pagador. Quando um tesouro não paga as suas dívidas, os bancos comerciais dizem que agente não pode continuar a emprestara dinheiro ao Estado de Moçambique porque não paga.

 

Que opções de gestão destas dívidas existem hoje?

É muito complicado. Nós quando tivemos a crise de 2015, o Banco de Moçambique começou a tomar medidas fundamentalmente para assegurar o metical e para baixar a taxa de inflação e fez através, de um conjunto de medidas e baixou as taxas obrigatórias e subiu as taxas de juros, e rapidamente conseguiu um equilíbrio entre a procura e a oferta de divisas e nós temos assim um metical estável, que tinha inclusive chegado a 80 meticais, e voltou a estabilizar-se para 60 meticais.

Da parte do Banco de Moçambique foi feito um esforço muito grande, e o mesmo não foi feito ao nível do Ministério das Finanças e é falso, e este ministro das finanças tomou as medidas de austeridade mais duras da história de Moçambique. Ele acabou com o subsídio de pão, de combustível, fez uma correção salaria muito abaixo da taxa de inflação, retirou o poder de compra das pessoas, portanto ele fez uma contenção.

 

Será que do lado da consolidação fiscal, o país está no caminho certo?

Mas há um problema ainda, porque já houve debates que o modelo que o Ministério das Finanças apresentou, prevê uma taxa de crescimento de 5,75 como não é viável esta taxa, tudo resto não é viável. Eu não acredito que este seja o problema. O problema que existe é que, veja o caso de Portugal durante o Governo de Passos Coelho, o que ele implementou, neste caso o governo de Passos Coelho, foi um programa de austeridade aumentando os impostos, cortando os salários e esse novo governo de António Costa disse que eu não posso continuar com estas medidas de cortar e cortar, a economia não cresce porque eu não vou poder cobrar impostos, tem um circulo vicioso, pois a medida que vou cortando vou afundando mais, então optaram estimular a economia através do consomo e resultou não é, que quem tinha um défice sistemático estrutural, Portugal está superar em termos de orçamento anual, isso significa que a dívida continua muito alta, mas que continua a baixar.

Agora no nosso caso o que acontece? Quando o Ministério das Finanças vai comprar os bilhetes de tesouro, paga uma taxa de juro entre 14 a 17% e a taxa de inflação é a 6%, portanto se ele conseguir actualizar as receitas do Estado por um crescimento nominal de 1 a 2%, com actualização monetária, portanto significa que as receitas do Estado crescem menos do que o crescimento da dívida. Portanto nós temos que sair de algum sítio, e é diferente daquilo que agente diz que é o Ministério das Finanças que tem que ajustar, talvez seja altura de discutir que o Banco de Moçambique está cansada e tem que alterar a sua política monetária para provocar o crescimento.

 

Quer dizer que o Governo está fazer a sua parte e é necessário que o Banco de Moçambique relaxe a sua taxa de juro?           

É um ponto aberto para discussão, porque é muito fácil dizer ao Ministério das Finanças, que você tem que cortar as despesas e baixar o défice. Mas como é que ele faz? Tem duas maneiras de o fazer: aprovar na Assembleia da República, que todas as verbas públicas cortem 20% e as pessoas vão sobreviver com esses 20%. Agora é um corte as cegas, corta nos sectores sociais e corta em outros sítios, e o que é que acontece, o país tem necessidades por causa da situação que a gente vive em Cabo Delgado, os hospitais viram os seus orçamentos diminuídos então significa que esta é a proposta mais simples. O trabalho que é necessário fazer, para fazer a consolidação fiscal é mais complexo do que complicado. É necessário verificar que todos funcionários que a gente tem no Estado trabalham seis a sete horas por dia, e a única maneira de fazer isso é criar em todos ministérios uma unidade que se chama Development Management, que vai a todos serviços para verificar, porque as pessoas preenchem um livro, para dizer o que é que você fez hoje. Ou dou-lhe o exemplo quando eu era ministro das finanças, eu fui à Cabo Delgado visitar uma delegação que foi minha, quando sai dos recursos minerais e tinha lá 20 trabalhadores, e fui lá visitar e perguntei uma secretária, quantas cartas escreveste hoje? Nenhuma foi a resposta. E quando foi a última vez que fizeste uma carta? Foi há duas semanas. A primeira reforma que a gente tem que fazer nas pessoas é medir o que fazem.

 

Falou aqui que é possível fazer mais do lado da política monetária pelo lado do Banco de Moçambique e tocou a questão de que o Banco Central pode suavizar as taxas de juro. Mas assim, do ponto de vista estrutural, o que é possível fazer mais da política monetária?

Nós temos um sistema financeiro formal, que são os bancos comerciais, eu também tive uma Micro crédito Tchuma, portanto, falo com conhecimento de causa. Agora muita gente tem micro crédito que faz 15, 20 e 30 operações e já não tem dinheiro. Nós temos que estimular a criação de um sistema financeiro ao lado do sistema financeiro comercial, que tem que ter o sistema rigoroso do banco central, algo que consiga transmitir recursos à população, portanto significa que quando eu digo que estou a fazer inclusão financeira remete-se que as pessoas tenham uma conta bancária, mas também se mede que tenham acesso ao crédito e a maior parte dos bancos que estão no meio rural não fazem empréstimos aos camponeses.   

 

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