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Desenvolvimento local através do agro-indústria ainda é um processo em Moçambique

O sucesso da indústria nas suas relações com a agricultura depende, em parte, da formação dos agricultores, políticas claras para o sector, recursos para produzir mais e potenciar o mercado interno, defenderam os painelistas que esta quarta-feira reflectiram sobre a “Agro-indústria e o desenvolvimento local”, no contexto da segunda edição da MOZGROW.

O vice-presidente da Associação Industrial de Moçambique (AIMO), Francisco dos Santos, começou por fazer um enquadramento histórico da agro-indústria em Moçambique, “de onde vimos e onde estamos”, de modo a dar perspectiva do que pode ser opção das prioridades do país neste momento.

Olhando para o panorama mais regional, a industrialização em África é fraca e Moçambique não é excepção, disse o interlocutor, o primeiro a intervir no painel.

Para Francisco dos Santos, “talvez, a particularidade de Moçambique é ter tido um processo de independência que abriu muitas oportunidades e depois teve a infelicidade” de ser assolado por uma guerra que só cessou volvidos 16 anos.

Essa guerra não só significou um retrocesso, como também o país ficou estagnado “enquanto todo o mundo andava a uma velocidade rápida. Isto trouxe um preço muito alto para o país, que ainda hoje estamos a pagar”, afirmou o painelista.

Em termos de percentagem do Produto Interno Bruto, “a indústria manufactureira é muito diferente com a dos outros países da África, mesmo comparando com outros muito mais industrializados. Andamos a mais ou menos 7% do PIB. Mas como o PIB de Moçambique é absolutamente baixo, e per capita é baixíssimo e Moçambique continua a ser um dos países com menor renda” o sector da agro-indústria é fraco.

Entretanto, comparado com outros países como o Malawi (país do interior), Moçambique está em melhor posição, acrescentou Francisco dos Santos, salientando que Moçambique sempre teve um mercado interno muito pequeno, de base muito rural e com uma população pobre, a sobreviver como pode.

As indústrias baseadas fundamentalmente nos produtos de exportação como algodão, caju e chá mantiveram-se com altos e baixos.

“Penso que nunca foram promovidas com muita intensidade. Nunca houve” foco e “agressividade em crescer verdadeiramente esses produtos”, segundo Francisco dos Santos. Aliás, alguns deles como o caju passaram por “mementos muito complicados”. Todavia, o tabo tornou-se, nos anos 90, uma referência para Moçambique e a região da África Austral.

“Precisamos ter recursos para produzir mais e potenciar o mercado interno”, disse Francisco dos Santos, para quem “os custos do transporte de mercadorias continuam proibitivos” apesar da produção que o país regista. Sugere que deve haver “capacidade de mobilizar recursos”, sobretudo nesta altura em que “o mercado moçambicano tende a crescer” com o envolvimento de várias áreas de produção.

A Constituição da República diz que a agricultura é a base do desenvolvimento nacional. Será isso acontece na prática? Francisco dos Santos entende que não: “não nos devemos enganar, a agricultura está como uma prioridade na Constituição, mas essa prioridade deve ser traduzida em orçamento. E a agricultura não tem sido priorizada, nem a própria indústria do ponto de vista do orçamento”. Este é “alocado àquilo que na óptica do Governo tem sido prioridade, nomeadamente saúde, educação”, por exemplo.

DEVE HAVER UMA POLÍTICA QUE ENCORAJA BONS AGRICULTORES
Por sua vez, Rui Afonso, CEO do Grupo Agriterra, disse perceber, por vezes, que o produto nacional não é valorizado. Deu exemplo do milho produzido no Chimoio, província de Manica, que segundo explicou é comprado a 15 meticais o quilograma, para produção de farinha de milho, mas em Maputo as fábricas pagam 12 meticais a mesma quantidade para o milho importado da África do Sul. “O mercado prefere o produto mais barato” e de fora.

Os investidores na área do agro-negócio “pagam mais mas o consumidor não quer consumir mais”, além do facto de “nunca vamos competir com a África do Sul”.

Para a fonte, este aspecto é chave quando se discute como incluir e incentivar o sector familiar em Moçambique. “Eu sinto”, por vezes, “que não há uma clareza daquilo que queremos como país. Sabemos que maior parte dos agricultores usa os lucros e o dinheiro que faz para pôr os miúdos na escola e construir casas” de modo a passar das rurais para as urbanas.

“Temos que decidir se queremos tirar ou manter as populações nas zonas rurais. Se for isso, como é que podemos fazer“, disse Rui Afonso, sugerindo que devia haver políticas bem claras que promovam o fomento da formação dos agricultores e criar interesse para entrarem na produção de escala.

“A ideia de termos 10 mil agricultores a produzir no meio hectare significa que nunca vamos chegar ao ponto de ser competitivos e entrar no mundo da globalização. Temos que ter uma política que encoraja aqueles que são bons, aumentando o meio hectare para 20, 50, 100 hectares” e as mesmas pessoas “tenham acesso a tecnologias necessárias” para obter rendimento.

O raciocínio de Rui Afonso na esgota aí. Segundo explicou, dos 10 mil agricultores a produzir no meio hectare, talvez só mil terão capacidade de produzir nos termos desejados e precisarão de mão-de-obra. Esta “vem dos vizinhos e da comunidade à volta deles”. Por sua vez, esses mesmos vizinhos tornam-se assalariados e com o dinheiro ganho suprimem as suas necessidades e com o tempo “tornam-se um mercado” com uma agro-indústria local.

É PRECISO MODERNIZAR E NÃO EXISTE OUTRA OPÇÃO

Roberto Albino, director-geral da Agência do Vale do Zambeze, disse que a agricultura é prioridade para a instituição que dirige. A agência actua na área de desenvolvimento de competências técnico-profissionais, alargamento da base produtiva, capacitando, sobretudo, o sector privado e os pequenos produtores.

Como que dizer que o país não pode continuar a usar técnicas rudimentares no sector da agro-indústria, se almeja ter um desenvolvimento local sustentável, Roberto Albino afirmou que “nós não podemos continuar a caçar com fisga enquanto os vizinhos estão a usar mísseis. Temos que modernizar, não há outra opção”.

De acordo com o director-geral da Agência do Vale do Zambeze, outro trabalho desenvolvido consiste na aproximação entre produtores e consumidores, sempre tendo como meta a substituição de importações.

Ademais, é preciso desenvolver a industrialização a partir do local onde a produção acontece. “Se tenho que produzir arroz em Mopeia” para depois “processar em Nicoadala, quase 200 quilómetros” de um ponto para o outro, “só a logística de transporte da matéria torna o arroz não competitivo. Então, procuramos desenvolver a estratégia de agro-industrialização ao nível do sítio onde se produz a matéria-prima”, afirmou Roberto Albino.

Nesta óptica, “o distrito, em vez de exportar matéria-prima, começa a exportar produtos acabados” e, consequentemente, reduz custos de logística.

Relativamente à intervenção a ter na agro-indústria, Roberto Albino entende que o agricultor precisa desenvolver um espírito competitivo para poder produzir mais e melhor, a industrialização deve ser acompanhada de investimentos sérios, é necessário alargar o programa de investimentos e produção e há que implementar políticas consistentes capazes e atrair maior interesse pelo agro-negócio.

Kobus Botha, representante da Niassa Indústria Alimentar (NIA), disse que Niassa enfrenta problemas similares aos de outros pontos do país.

Para aumentar a produtividade de pequenos produtores é preciso haver financiamento, primeiro. Depois há que se criar rotas para os mercados de comercialização, disse Botha.

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